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Ação Rescisória n° 2000.006.00074

5 de junho de 2001

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AÇÃO RESCISÓRIA. IMUNIDADE PARLAMENTAR. EXGESE DO TEXTO CONSTITUCIONAL. EXTENSÃO

O fundamento da pretensão rescisória cinge-se a analise da questão de direito, ou seja, a de saber se a imunidade parlamentar, da qual desfruta o deputado ou senador (art. 53, caput, da CF.), o torna irresponsável, penal e civilmente, por suas opiniões, palavras e votos, guardem ou não eles a conexão com a atividade parlamentar.

A melhor doutrina e a jurisprudência que se formou a luz do novo texto constitucional vem sustentando que a tutela da imunidade material se estende aos ilícitos civis, desde que o ato praticado pelo titular da representação popular decorra do exercício regular do mandato.

A inviolabilidade e uma garantia de independência do Poder Legislativo que, por extensão, beneficia os seus membros.

Não e um privilegio que confira ao parlamentar a faculdade de agir sem limites.

Se não ha vinculação função-ato, isto e, se o ato praticado não e imputável ao exercício do mandato, o parlamentar é responsável.

Ao formular a “notitia criminis” atribuindo ao magistrado-réu conduta criminosa, ofendendo-lhe a honra e a reputação funcional com expressões que o colocaram em constrangedora posição moral diante da sociedade, a autora por certo não praticava ato inerente a função parlamentar.

Destarte, não se caracterizando a apontada violação ao art. 53 da Constituição Federal, julga-se improcedente o pedido rescisório, mantendo integro o acórdão rescindendo, condenando a autora no pagamento dos ônus sucumbências, com a reversão do deposito em favor do réu.

Vistos, relatados e discutidos esses autos de Ação Rescisória n° 2000.006.00074, em que e autora Maria Aparecida Campos Strauss e réu Célio Geraldo de Magalhães Ribeiro.

ACORDAM os Desembargadores que compõem o Sexto Grupo de Câmara Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, par unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Trata-se de Ação Rescisória com que Maria Aparecida Campos Strauss, vencida em Ação Ordinária de Reparação de Dano Moral, que lhe moveu Célio Geraldo de Magalhães Ribeiro, pretende, com fulcro no art. 485, inciso V, do CPC, alegando violação ao art. 53 da Constituição Federal, a desconstituição do v.acórdão da Egrégia 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça que, confirmando a sentença do Juízo da 1ª Vara Cível desta Capital, julgou procedente o pedido indenizatório.

Houve pedido de Gratuidade de Justiça, indeferido, tendo a autora interposto Agravo Regimental, que restou improviso.

A autora recolheu as custas processuais e o deposito.

O réu contestou a demanda as fls. 190/193.

Despacho de fls. 213, ordenando que as partes especificassem provas, justificando­as.

A autora informou que, alem da documental já juntada, nenhuma outra produziria.

O réu deixou decorrer in albis o prazo concedido.

Razões finais oferecidas pelo autor, as fls. 217/220 e as fls. 222/224 pelo réu.

A douta Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 226/232, opinou no sentido de se julgar procedente o pedido de rescisão do acórdão objeto desta ação, bem como o de realização de novo julgamento, para decretar a improcedência do pedido de reparação de dana moral e consectários.

E o relatório.

O acórdão rescindendo, da lavra do eminente Desembargador Miguel Pacha, tem a seguinte ementa:

“DANO MORAL. AGRAVO RETIDO. SEU DESPROVIMENTO.

Não se declara a nulidade de nenhum ato, que não tenha ocasionado prejuízo para a parte. Documento juntado, sem a manifestação da parte contraria, que não influiu no deslinde da causa, não anula a sentença – Dano suficientemente demonstrado. A imunidade parlamentar material só protege o congressista nos atos, palavras, opiniões e votos, proferidos no exercício do oficio congressual. Procedência da ação, não porque a re ofereceu “notitia criminis”, mas sim, por haver tecido juízo de valor, que se constituíram em verdadeiro libelo acusatório as atitudes funcionais do Autor. Na fixação do quantum debeatur, deve-se levar em conta o constrangimento moral sofrido pela vitima, a repercussão do mal e suas consequencias, não podendo ser estabelecida em quantia, que, pelo absurdo de seu montante, conduziria a uma pena desproporcionada, nem em importância mínima que pudesse estimular sua pratica. Redução da pena para o equivalente a 10 (dez) vencimentos líquido do Autor. Verba honorária corretamente estabelecida, de acordo com o art. 20, § 3°, do CPC. Procedência Parcial do Apelo.”

Retratam os autos que, nos idos de 1992, em “notitia criminis” encaminhada ao Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a autora requereu fosse oferecida denuncia contra o réu e mais doze Juízes, para apuração de responsabilidades por fatos delituosos verificados em processos sob a direção daqueles magistrados e nos quais o INSS figura como uma das partes.

No requerimento ao Ministério Publico, incriminava a conduta dos magistrados, imputando-lhes fatos como estes:

“Não coibirem ‘atos levianos e escabrosos, perceptíveis aos olhos ate de pessoas leigas’, praticados ‘nos vários feitos’, pelos ‘patronos e procuradores do INSS’, que eram sempre os mesmos, apesar de, em razão do oficio, contarem eles, Juízes, ‘com prerrogativas e instrumentos para não permiti-­los;

Agirem com incomum ‘eficiência’ nos despachos e decisões, ‘fato que não se verifica nos demais feitos a seu cargo, o que, por si só, já demonstra o interesse e o envolvimento dos magistrados nas fraudes que sancionaram’;

Não revelarem ‘qualquer interesse em coibir a pratica abusiva de retenção dos autos, por longo período, por patronos das partes’;

– Ante o desorganizado estado da maioria dos processos, ao invés de ‘sanea-los’, ‘contribuírem’ para tal;

– Apesar de estarem envolvidos ‘com advogados, procuradores do INSS e alguns servidores – de menor importância – do Judiciário’, que estão respondendo a ‘processos crime’ e alguns ‘já presos’, eles, magistrados, ‘sequer foram objeto de investigação, fato que os coloca acima da lei, da Ordem e da Justiça e intriga e revolta a sociedade e as pessoas de bem’;

– ‘Contribuírem’ com sua má-fé, decisivamente, para a consecução das fraudes que causaram prejuízos irreparáveis ao orçamento previdenciário’, quando ‘por simples atos de oficio, se adotados eficazmente, teriam evitado o descalabro e o escandaloso rombo ao patrimônio da sofrida gente trabalhadora deste pais.”

Dirigindo-se particularmente ao réu, censura-lhe mais o seguinte:

“a) a desorganização do cartório, que mostra ‘o zelo’ com que cuida ‘dos órgãos de sua competência’;

b) ‘a existência de alvarás de levantamento, que, segundo o próprio juiz, tiveram a sua assinatura falsificada;

c) ‘a celeridade com que – em nove processos – os apreciava, alem de incomum – na execução, os despachos e decisões ocorriam em questão de dias e em alguns casos, ate em questão de horas – não era a mesma com que tratava os feitos de interesse do INSS em casos de Execuções Fiscais’.

Culmina o seu verdadeiro libelo acusatório, dizendo que as irregularidades cometidas pelo réu, “se não configuram má-fé do Juiz, como aparentam, são no mínimo, comprovação de grave negligencia por parte do mesmo Juiz e estão a merecer a imediata ação desta autoridade para que a justiça se faça, também, para aqueles que tem oficio de zelar por ela”.

Não satisfeita a autora com o simples encaminhamento da denuncia deu em seguida ampla divulgação ao seu conteúdo na mídia.

Num programa televisivo em que foi cognominada pelo entrevistador de “a justiceira do Rio”, repete as acusações aos 13 Juízes, com citação nominal do réu, afirmando, textualmente, “que eles querem dinheiro”.

Eis, de modo resumido, o quadro fático da demanda, o qual não cabe, e certo, referir em sede de ação rescisória, mas aqui e trazido para dar aos eminentes julgadores uma visão dos elementos probatórios em que se fundamentaram os julgados das instancias ordinárias.

Cumpre analisar agora, tão somente a questão de direito, ou seja, a de saber se a imunidade parlamentar – fundamento da pretensão rescisória – da qual desfruta o deputado ou senador (art. 53, caput, da CF.), o torna irresponsável, penal e civilmente, par suas opiniões, palavras e votos, guardem ou não eles a conexão com a atividade parlamentar.

A vigente Carta Magna suprimiu a expressão “no exercício do mandato”, que constava nas anteriores, mas dai não se deve concluir que a inviolabilidade parlamentar seja, absoluta, ampla, irrestrita.

A melhor doutrina e a jurisprudência que se formou a luz do novo texto constitucional vem sustentando que a tutela da imunidade material se estende aos ilícitos civis, desde que o ate praticado pelo titular da representação popular decorra do exercício regular do mandato.

O Ministro Celso de Mello, ao relatar o inquérito n° 510, publicado no RJ, vol. 135, paginas 509/515, abordou o assunto nestes termos, transcritos no acórdão rescindendo:

“A nova Constituição do Brasil, ao dispor sobre o instituto da imunidade material, no art. 53, caput, preceitua que os deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Ao contra rio do que ocorria o regime constitucional anterior (RDA 1511/141), em que havia clausula subtraindo ao âmbito da incidência da imunidade material os delitos contra a honra – contra a honra objetiva (calunia e difamação) ou contra a honra subjetiva (injuria) -, restabeleceu-se, agora, em sua plenitude, essa prerrogativa da instituição parlamentar.

Isso, no entanto, não significa que a imunidade material, hoje, em face do texto constitucional, vigente, tenha se elastecido a tal ponto que abranja e proteja o congressista na pratica de atos quaisquer, ainda que desvinculados no exercício do ócio congressual. E evidente que somente serão passiveis dessa tutela institucional, dessa especial proteção juridico-constitucional, os atos cuja pratica seja, em verdade, imputável ao exercício do mandato legislativo, havendo, pois, que se identificar a necessária existência de um nexo de causalidade entre a pratica do ate e o exercício da atividade legislativa.”

O Ministro Sepúlveda Pertence, por sua vez, julgando o Inquérito n° 396, RJ. 131, pags. 1039/1050, a que também se reporta o julgado rescindendo na sua fundamentação, assim se manifesta:

“Certo, a amplitude que o art. 53 da nova Constituição da a inviabilidade parlamentar parece sem paralelo no direito comparado.

Nem por isso, entretanto, e de chegar­se, por demasiado apego a sua literalidade, ao ponto de converte-la em desenganado privilegio pessoal de deputados e senadores, de tão distanciada das inspirações teológicas que tem lastreado a caracterização das imunidades como prerrogativa de garantia do Poder Legislativo, mais do que dos seus membros.

Não creio, por exemplo, que o tratar­se de “exteriorização da opinião política” seja bastante para, em qualquer hipótese, expungir a criminalidade da ofensa a honra alheia perpetrada por membros do Congresso Nacional: do contrario, estaria consagrado em seu favor e em detrimento de seus adversários um injustificável privilegio, por exemplo, nas campanhas eleitorais em que disputassem a reeleição ou outros cargos eletivos.

Estou assim em que, ainda quando se cuide de discursos políticos, e de excluir-se a imunidade material, se a ocasião, o local, o propósito ou outras circunstancias relevantes evidenciarem a total desconexão do fato com o exercício do mandato ou a condição de parlamentar.”

O Ministro Paulo Brossard, de seu turno, em excelente estudo sobre a matéria, invocado pelo julgado rescindendo, leciona:

“Quando a atual Constituição diz que os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos não precisava dizer que era no exercício do mandato, porque a imunidade e exatamente para proteger o mandato parlamentar. Por isso se diz que, longe de ser um privilegio pessoal, e uma prerrogativa institucional, e uma prerrogativa do Poder Legislativo. Da mesma forma que o Poder Judiciário também tem suas prerrogativas especificas, prerrogativas de Poder.” (in RJ 131/1049)

A inviolabilidade e uma garantia de independência do Poder Legislativo que, por extensão, beneficia os seus membros.

Não e um privilegio que confira ao parlamentar a faculdade de agir sem limites.

Se não ha vinculação função-ato, isto e, se o ate praticado não e imputável ao exercício do mandato, o parlamentar e responsável.

Ao formular a “notitia criminis” atribuindo ao réu conduta criminosa e ofendendo-lhe a honra e a reputação funcional com expressões que o colocaram em constrangedora posição moral diante da sociedade a autora por certo não praticava ate inerente a função parlamentar.

Por essas razões, não se caracterizando a apontada violação ao art. 53 da Constituição Federal, julga-se improcedente pedido de ação rescisória, para manter integro o acórdão rescindendo, condenando a autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes calculados na base de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com a reversão do deposito de fls. 167, em favor do réu.