Presídios: há esperança

5 de maio de 2005

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A lembrança de que acabamos de completar pouco mais de dois anos da criação de uma secretaria de estado exclusivamente para cuidar da administração penitenciária fluminense pode ensejar uma oportuna reflexão.

Inicialmente, podemos recordar que o ato da criação da Secretaria significou o estabelecimento de uma nova plataforma para tratamento da questão prisional, buscando não só cuidar que a Lei de Execução Penal fosse aplicada na sua essência, como, também, envolvendo conformação da gestão em práticas mais atualizadas nas políticas de recursos humanos, de aplicação de recursos financeiros, de tratamento do conhecimento na instituição e até de regulação do uso da força no sistema. Além disso, num movimento complementar, pretendeu-se aproximar, no que interessasse e fosse útil, a administração penitenciária à segurança pública, através de um canal de inteligência a ser implantado.

Pois bem, a despeito de tudo o que automaticamente invade as nossas mentes quando o assunto é o estado lastimável em que se encontram quase todas as prisões neste país, imaginando-se sempre o pior dos mundos, temos boas notícias a dar ao fazer um retrospecto do trabalho realizado na administração penitenciária fluminense nestes dois últimos anos. Neste esforço não temos a mínima pretensão de assegurar que o problema esteja solucionado, se é que um dia ele possa ser, pois nesse universo de inúmeras equações esta pode ser uma, com infinitas variáveis e derivadas, a desafiar permanentemente a sociedade.

Por outro lado, temos que admitir que o sistema penitenciário está gravemente enfermo em todo o Brasil. Existem muitas razões para isso, é claro. Dentre elas, o tratamento displicente do governo federal para com a questão e com os órgãos penitenciários é uma das evidências claras para chegarmos ao porquê deste estado de coisas.

A simples curiosidade de se verificar no verso de qualquer volante lotérico da Caixa Econômica que a parcela de 3,14% dos recursos arrecadados pelas apostas é destinada ao Fundo Penitenciário Nacional, somada à constatação de que praticamente nada tem sido transferido para os Estados, já é fator relevante de evidência do descaso federal. Outra fonte de recursos para o Fundo é constituída por percentual das taxas arrecadadas pelo judiciário federal, o que significa um montante de igual dimensão ao das loterias.

Somados os recursos arrecadados desde 1994, quase meio bilhão de reais, ou mais, estão paralisados nas mãos do governo federal. Enquanto isso, as unidades federativas fazem todo o trabalho para ele, já que não existe até hoje, sequer uma penitenciária federal, sequer um agente penitenciário federal no país. Neste quadro, em que pese ostensiva má vontade e flagrante apropriação indébita dos recursos destinados ao setor por parte do governo federal, o Rio de Janeiro vem desenvolvendo um trabalho que não hesitaríamos em classificar como exemplar.

Alguns fatos poderão estimular reflexões para demonstrar o que afirmamos acima. Se não, vejamos: o ano de 2002, anterior à criação da Secretaria, foi marcado por 27 rebeliões no sistema penitenciário. Em 2003 tivemos três, em 2004 apenas duas e, em 2005, até o momento, nenhuma.

A administração penitenciária, fazemos questão de dizer, foi o primeiro órgão estadual a utilizar a modalidade “pregão” de licitação pública. Com isto, atualmente, pagamos pela alimentação do encarcerado um preço menor do que os praticados dez anos atrás. Para que a redução do preço não interferisse na qualidade, contratamos nutricionistas para auxiliar na fiscalização. As reclamações, antes inúmeras e servindo até de pretexto para rebeliões, foram reduzidas a quase zero, pois a melhoria foi inegável. Nesta linha, com o mesmo dispêndio anterior para a locação de 136 computadores, passamos a contar agora com 292 computadores e, além disso, mais atualizados.

Fomos a primeira administração penitenciária no país a preparar um contingente de agentes, escolhidos em seleção interna inédita, à qual concorreram 800 servidores, para atuar especificamente em rebeliões e outros distúrbios no interior dos estabelecimentos prisionais, este denominado Grupamento de Intervenção Tática (GIT), e, outro, para efetuar escoltas de presos, o Grupamento de Serviços de Escolta (GSE). Estes grupamentos já estão em operação e em pouco tempo, graças a atuações brilhantes, conseguiram angariar a admiração e o reconhecimento de todos, a ponto de serem convidados para ministrar instrução para a tropa do Exército Brasileiro que se deslocava para o Haiti para integrar a Força da ONU.

Juntamente com a criação desses dois novos grupamentos houve como que uma entronização do conceito de não-letalidade nas operações de segurança penitenciária, através de treinamento esmerado e aquisição de armamentos e munições não-letais, o que sem dúvida resultou em contarmos, primeiramente, com um contingente dos mais especializados no país neste campo e, depois, apoiados na não-letalidade, conseguirmos quase como que de forma natural estabelecer um protocolo para regular o uso da força nos estabelecimentos penitenciários. Apoiados, então, em procedimentos táticos e nos meios adequados, conseguiu-se no Rio de Janeiro afastar o perigo das grandes tragédias ocasionadas pelo uso excessivo da força, o que antes talvez fosse simplesmente impossível.

Nada disso seria realidade se o governo do estado não tivesse criado, em 2003, a nova Escola de Gestão Penitenciária, uma conquista fundamental e estratégica sempre requerida pela administração penitenciária. Nela foi ministrado o curso para os 250 inspetores de segurança penitenciária aprovados em concurso realizado em dezembro de 2003, algo que, vale ressaltar, não ocorria desde 1997.

Nestes dois últimos anos, no tocante aos cuidados com as instalações físicas, a área penitenciária foi alvo da maior mobilização de sua história, com obras praticamente em todas as unidades, não só reformando, mas, também, instalando novos equipamentos de segurança, como bloqueadores de celulares em algumas prisões de alta segurança, câmeras de televisão, detectores de metais e outros recursos. Neste processo logrou-se transformar a Penitenciária Laércio Pellegrino, conhecida como Bangu I, na unidade prisional mais segura do país, com total controle eletrônico de pessoas e materiais, além das portas, as quais na falta de energia são acionadas por dispositivo hidráulico.

De forma mais discreta, porém, não menos importante, foram criadas a Corregedoria e a Ouvidoria, órgãos que, além de auxiliar na apuração de desvios de conduta, têm proporcionado transparência à administração penitenciária. Como que para enfeixar todo este esquema, estruturamos a Coordenação de Inteligência do Sistema Penitenciário, a qual tem prestado excelentes serviços não só para o sistema como para a segurança pública em geral. Última alteração realizada na estrutura foi a criação da Subsecretaria Adjunta de Tratamento Penitenciário, agregando a ela todos os serviços de assistência dispensada ao preso, previstos na Lei de Execução Penal.

Para aqueles que estão a refletir o que tudo isso significa em termos de resultado final, ou seja, em que se beneficia o encarcerado com toda essa engrenagem, considerando o caráter último da pena que é a reintegração social do condenado, gostaríamos de propor um breve exercício. Primeiro, considerar a proposição seguinte, observando que é verdadeira: em 2002 tivemos 69 presos inscritos nos vestibulares da UERJ e UFRJ; em 2003 foram 225 os inscritos; em 2004 o número chegou a 383. Considerando que nesse período a população de condenados no sistema teve um crescimento inferior a 20%, o que significaria a evolução de inscrição nos vestibulares na ordem de 455% ? Avanço ou retrocesso ?

Pois bem, alguém ousaria dizer que não podemos ter esperança de um futuro melhor?