Previdência Social: educando para prevenir

30 de novembro de 2011

Consultor da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e Seguridade Social – ANASPS Ex-presidente do INSS

Compartilhe:

A Previdência Social é um instrumento estatal específico voltado à proteção dos trabalhadores e de seus familiares. Trata-se de um seguro público, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS, destinado a proteger os seus segurados em casos como doença, idade avançada, invalidez, morte, desemprego involuntário, maternidade e reclusão. Assim, conforme previsto na Constituição Federal em seu artigo 201, a Previdência tem como objetivo fundamental promover o bem-estar social, por intermédio de um sistema público solidário e sustentável.

Além da previsão constitucional em seu artigo 201, que explicita a função da Previdência Social no Brasil, a Lei 8.213/1991 também estabelece a proteção do segurado em relação à sua incapacidade para o trabalho. Assim, o amparo aos segurados e seus dependentes é uma responsabilidade de natureza objetiva, bastando que sejam satisfeitas as condições legais para que os benefícios previdenciários sejam concedidos tanto para os trabalhadores, quanto para seus dependentes.

Ocorre que, assim como a lei explicita essa responsabilidade do INSS para com seus segurados e dependentes, ela também atribui à Previdência Social o dever de propor ações regressivas contra aqueles que, ilicitamente, contribuírem para que o trabalhador fique incapacitado para as suas atividades e, por consequência, faça jus a alguma prestação social acidentária (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e, nos casos de morte, pensão para os dependentes do segurado vítima) em face da conduta culposa de seu empregador, culpabilidade esta representada pelo descumprimento ou ausência de fiscalização das normas de saúde e segurança do trabalho. É o que preconiza o art. 120 da Lei 8.213/91[1].

Por possuir embasamento em um dever de responsabilidade civil, as ações regressivas acidentárias também possuem fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro[2].

Por intermédio das Ações Regressivas Acidentárias, o INSS, representado pela Procuradoria-Geral Federal (PGF), vem buscando o ressarcimento das prestações sociais acidentárias concedidas em casos de negligência dos empregadores quanto às normas de saúde e segurança no trabalho.

Vale ressaltar que os acidentes do trabalho dispendem expressivo montante financeiro para os cofres da Previdência Social. Para se ter uma ideia, só em benefícios acidentários, somados ao pagamento das aposentadorias especiais decor­­rentes das condições ambientais do trabalho, foram pagos valores superiores a R$ 14,20 bilhões só em 2009. Se somarmos as despesas do INSS com gastos na área de saúde e afins, superaremos a cifra dos R$ 56,80 bilhões/ano. Trata-se, portanto, de um problema com grande relevância econômico-social que tem merecido a atenção da atual gestão do INSS.

E as estatísticas são as mais positivas. Não restam dúvidas de que, nos últimos anos, houve uma expressiva redução do número de acidentes de trabalho a partir da mudança de comportamento paradigmática do INSS, representada pela intensificação do ajuizamento das Ações Regressivas Acidentárias. Nos últimos quatro anos, notamos uma redução no número de acidentes do trabalho registrados na Previdência Social, notadamente os fatais. No ano de 2008 tivemos 2.817 óbitos em um total de 755.980 acidentes, enquanto em 2009 foram 723.452 ocorrências, sendo 2.496 fatais, o que representou uma redução de 12% no número de mortes.

Mas, não obstante o crescimento do ajuizamento das Ações Regressivas Acidentárias ter gerado, de 1991 a 2010, uma expectativa de ressarcimento próxima da cifra de R$ 200 milhões, vale ressaltar que o objetivo final do INSS é implementar uma política institucional de caráter proativo, concretizando uma política pública de prevenção de acidentes de trabalho. As Ações Regressivas Acidentárias do INSS não têm o mero objetivo de ressarcir o erário com as prestações sociais, mas, principalmente, gerar um efeito pedagógico naqueles que descumprem normas de segurança e saúde no trabalho.

As Ações Regressivas já são uma realidade, e o INSS busca atuar para que elas se tornem, cada vez mais, um mecanismo efetivo de proteção aos trabalhadores segurados da Previdência Social. Um bom exemplo disso é a interpretação dada pelo Poder Judiciário, que vem reconhecendo ao INSS a legitimidade inclusive para reaver as despesas decorrentes das pensões por morte concedidas nos casos de homicídios dolosos.

Como exemplo disso, podemos citar a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao julgar a Apelação Cível nº 200101000175232, Rel. Des. Maria Isabel Gallotti Rodrigues, oportunidade em que o estado de Minas Gerais foi condenado a ressarcir ao INSS os pagamentos efetuados pela pensão por morte concedida em face da morte de um segurado, o qual foi vítima de homicídio doloso praticado por um policial militar no interior de uma delegacia de polícia.

Assim, a experiência positiva com as Ações Regressivas Acidentárias e a interpretação, pelo Poder Judiciário, referente à garantia do direito de regresso da Previdência Social revelam que estamos no caminho certo para a concretização das políticas públicas voltadas à prevenção dos acidentes no Brasil.

Com efeito, o próximo projeto do INSS será de responsabilização daqueles que, por incorrerem em gravíssimas infrações de trânsito (dirigir sob os efeitos do álcool, em excesso de velocidade etc.), causarem acidentes, com o respectivo reconhecimento de benefícios previdenciários.

Os números alarmantes relacionados a acidentes de trânsito no Brasil justificam essa preocupação da Previdência Social. Em média, cem brasileiros morrem a cada 24 horas em acidentes de trânsito no Brasil. Por ano, esses acidentes causam 38 mil mortes, número que representa a perda de uma vida a cada 15 minutos.

Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, somente nas estradas federais brasileiras, ocorreram 180.742 acidentes de trânsito em 2010, sendo 6.986 fatais. Os números do Seguro DPVAT, que consolida as informações sobre indenizações liquidadas por acidentes de trânsito em rodovias federais, estaduais e municipais, apontam para um total de 252.351 acidentes em 2010, com 50.780 mortes.

Vivemos na década de ação pela segurança no trânsito deflagrada pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução A/64/L44. E o Brasil, signatário de um pacto nacional para reduzir o número de trânsito, tem um grande caminho pela frente. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocupamos o 5º lugar no mundo em número de fatalidades no trânsito, atrás apenas da Índia, China, Estados Unidos e Rússia.

Este é o momento de a Previdência Social oferecer a sua parcela de contribuição. Para isso acontecer, o INSS vem tendo, mais uma vez, uma atuação institucional paradigmática, não apenas comprometido com o efetivo reconhecimento do direito de seus segurados, mas, principalmente, com a proteção da integridade física deles e com a responsabilização daqueles que concorrem para o aumento do custo da Previdência Social.

Por intermédio das Ações Regressivas de Trânsito, o INSS pretende responsabilizar os motoristas que fazem de seus automóveis autênticas armas letais e, assim, transferindo, injustamente, para todos os trabalhadores brasileiros, por meio da Previdência Social, um gasto anual de, aproximadamente, R$ 8 bilhões a título de pagamento de benefícios previdenciários.

A proposição das Ações Regressivas pelo INSS, entre outros fundamentos, encontra alicerce nos artigos 6º, 194, I e V, 195, § 5º, 196 e 201 do texto constitucional[3]. No âmbito da legislação infraconstitucional, busca amparo no artigo 1º da Lei 8.212/91[4], nos artigos 19 e 120 da Lei 8.213/91 e nos artigos 186, 927 e 932 do Código Civil Brasileiro[5], os quais asseguram espectro normativo suficiente para justificar a proposição das ações.

Alicerçada nos fundamentos acima, essa ação regressiva viabilizará, em parte, a recuperação dos gastos com as prestações do benefício e, por consequência, a proteção da integridade econômica e atuarial do fundo previdenciário destinado à execução das políticas do RGPS, restaurando o seu equilíbrio, o qual fica ameaçado com a concessão precoce de benefícios, originados extraordinariamente de acidentes de trânsito que poderiam ter sido evitados.

Ademais, contribuir-se-á com a diminuição e prevenção de futuros acidentes do trânsito. O caráter pedagógico da medida consiste na percepção de que o investimento em ações de prevenção e de respeito à legislação de trânsito é muito menos dispendioso do que uma eventual condenação de ressarcimento. Assim, espera-se a criação de uma cultura preventiva tendente a evitar danos a todos os cidadãos brasileiros.

Concluindo, é forçoso afirmar que também é papel do INSS ter uma atuação didático-educativa, prevenindo acidentes e protegendo toda a sociedade, que poderá viver mais tranquila com seus direitos sociais respeitados e com paz no trânsito, deixando de custear a negligência daqueles que não contribuem para um Brasil mais justo e solidário. É a Previdência Social educando para prevenir.



[1] Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas-padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

[2] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

[3] Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

(…)

V – equidade na forma de participação no custeio;

Art. 195. A Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(…)

§ 5º Nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 201. A Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (…)

[4] Art. 1º. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. A Seguridade Social obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:

a) universalidade da cobertura e do atendimento;

(…)

e) equidade na forma de participação no custeio;

[5] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

(…)

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

(…)