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Primeiros passos para um novo processo

31 de julho de 2006

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A morosidade do Poder Judiciário não é um problema percebido apenas atualmente. Há muito tempo os usuários da Justiça se inflamam contra a lentidão na tramitação dos processos. A dificuldade de ver solucionado um litígio através de uma ação judicial é patente, os obstáculos para obter uma decisão judicial e para cumpri-la são facilmente perceptíveis, e as possibilidades de protelar e de postergar um processo por muitos anos fazem com que a Justiça seja desacreditada e desprestigiada como mecanismo formal de resolução de conflitos.

A solução para este estado de coisas não é mágica, nem simples. Enfrentar o problema da demora das decisões judiciais exige prudência e responsabilidade, para afastar propostas levianas ou corporativas, e para encontrar, realmente, os gargalos e os nós do processo, e superá-los de maneira eficiente. Por isso, devem ser afastadas de plano as sugestões de supressão de recursos, de instrumentos de defesa e de etapas processuais relevantes, porque, se assim fosse, seriam afetados os direitos constitucionais de um processo justo e equilibrado, no qual as partes podem se manifestar e argumentar suas teses para convencer o juiz. As propostas de solução devem vir respaldadas em conhecimentos acadêmicos e práticos, oferecidos por operadores do direito e por membros da sociedade civil que lidam, que usufruem e que necessitam da atividade do Judiciário no dia a dia.

Nessa linha, o Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma do Judiciário, em conjunto com o Supremo Tribunal Federal, com o Instituto Brasileiro de Direito Processual e com entidades de magistrados, promotores, advogados e defensores, apresentou vinte e seis projetos de lei, com o intuito de reformar o processo civil, penal e trabalhista. Tais projetos foram subscritos pelo presidente da República, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo presidente da Câmara e pelo presidente do Senado, e foram apresentados ao Congresso Nacional como parte de um pacto por um Judiciário mais rápido e republicano.

Destes projetos apresentados, cinco foram aprovados e sancionados, depois de intensa discussão e debate com os setores envolvidos. Todos eles alteram aspectos importantes do processo civil brasileiro, e são frutos de uma construção conjunta e madura, da qual participaram os personagens que conhecem as mazelas do sistema judicial, que são acostumados a lidar, cotidianamente, com a dificuldade que alguns ritos e atos impõem.

Estas novas leis não surgem de discussões etéreas e acadêmicas sobre teorias jurídicas vazias, mas decorrem de constatações de problemas reais, concretos, que impedem o funcionamento da Justiça. Sabe-se que os processos não andam por uma série de motivos, como a dificuldade para encontrar o devedor, ou para encontrar os bens do devedor. Também são paralisados pelo excesso de recursos meramente protelatórios, ou seja, recursos que tem como única finalidade postergar o cumprimento das decisões judiciais. Não é necessário ser advogado, ou juiz, ou promotor, para saber destes problemas. Basta ser usuário dos serviços da Justiça.

É com esta visão, e para enfrentar estes problemas comuns e usuais, que surgiram as cinco primeiras leis que alteram o processo civil brasileiro. Em seu conjunto, regulamentam a tramitação dos processos de maneira precisa e racional, sem suprimir garantias constitucionais e, no entanto, conferindo uma racionalidade efetiva aos procedimentos judiciários.

Tome-se como exemplo a criação da súmula impeditiva de recursos. Esta lei impede uma parte no processo de recorrer se a sentença do juiz estiver de acordo com uma súmula (orientação de julgamento) do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Nestes casos, o juiz, diante de um caso concreto, tem a liberdade de decidir da mesma forma que o tribunal ou, se não estiver de acordo com aquela orientação, posicionar-se contrariamente à súmula, ou seja, mantém a autonomia e a independência em relação aos órgãos superiores. No entanto, caso este magistrado decida de acordo com a orientação da súmula, não faz sentido que a parte perdedora prossiga com uma demanda que, evidentemente, não terá sucesso nas instâncias superiores.

Para ilustrar a aplicação da nova lei, vejamos os casos em que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça aprovam súmulas que garantem direitos de reajuste salarial ou de benefícios previdenciários a determinados cidadãos. Antes da reforma processual, esta atitude dos tribunais não significava nada em celeridade, porque a instituição obrigada ao pagamento poderia recorrer inúmeras vezes, e postergar o processo durante anos, mesmo sabendo que a causa estava perdida. Com a súmula impeditiva de recursos, a tramitação fica mais rápida, porque, caso o juiz de primeiro grau reconheça, naquele caso concreto, a incidência do reajuste ou do benefício, não haverá mais recurso, nem protelação, e seu direito será reconhecido já nesta primeira fase do processo. Esta inovação reduzirá o número de ações repetitivas nos tribunais e permitirá que os conflitos que envolvam estas questões sejam resolvidos de maneira célere, sem prejuízo do acesso à Justiça, que fica garantido, como manda a Constituição.

Outro exemplo importante é a possibilidade do juiz rejeitar um pedido judicial sem citar ou comunicar o réu da existência desta demanda. Isso ocorrerá nas hipóteses em que o juiz já tenha se manifestado sobre a mesma questão em processo idêntico. Mais uma vez, a novidade ataca a multiplicação de processos iguais, sobre o mesmo tema, e traz praticidade para a organização judicial, afinal, se o magistrado já firmou posição sobre um assunto, já julgou casos parecidos, não há necessidade de citar o réu e exigir que este se manifeste, constitua advogado e perca tempo em uma ação. Certamente, a prática se limita aos casos em que a ação for improcedente, caso contrário, seria violado o direito da ampla defesa.

Inúmeras outras alterações foram aprovadas, todas elas no mesmo sentido, de construir um novo processo civil, mas ágil e mais eficiente. O cidadão, o usuário final da Justiça, perceberá as novidades com a entrada em vigor de tais leis, afinal, aquele processo judicial que trata de litígios, conflitos, lides do cotidiano, que absorve tempo e dinheiro das partes e do Estado, poderá ser finalizado mais rapidamente e garantir a todos uma Justiça segura e prestativa, sem que as garantias constitucionais de defesa, de participação e do livre convencimento do juiz.

Evidentemente, não basta a alteração legal para transformar a Justiça. Certamente, uma modificação na cultura dos operadores do direito é importante para a substituição do atual estado de excessiva litigiosidade. Mas, sem dúvida alguma, a aprovação das leis mencionadas é um marco importante, que permitirá a consolidação de um processo voltado para sua finalidade última e única, que é a solução definitiva de conflitos e a execução das decisões judiciais de maneira segura, rápida e justa.