Relicitação e o protagonismo do Tribunal de Contas da União

5 de dezembro de 2023

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Regulamentado pela Lei nº 13.448/2017, o processo de relicitação foi idealizado como alternativa para a extinção amigável, pensada e estruturada nos contratos de concessões em que o parceiro privado não possui mais capacidade para cumprir suas obrigações.

O procedimento foi criado com o objetivo de prevenir o vencimento em massa de uma série de contratos de concessão nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário, que foram estabelecidos com estruturas inadequadas ou propostas pouco realistas.

A questão central em debate gira em torno da viabilidade de desistir de uma solicitação de relicitação. A Lei nº 13.448/2017 estabelece que a decisão de um concessionário de aderir a um processo de relicitação é considerada “irrevogável e irretratável”.

Extrai-se do §2º do art. 14 da Lei nº 13.448/2017 alguns requisitos a serem apresentados para a instauração do processo de relicitação: a) justificativas e elementos técnicos que demonstrem a necessidade e a conveniência da adoção do processo de relicitação, com as eventuais propostas de solução para as questões enfrentadas; b) renúncia ao prazo para corrigir eventuais falhas e transgressões e para o enquadramento nos termos contratuais, caso seja posteriormente instaurado ou retomado o processo de caducidade; c) declaração formal quanto à intenção de aderir, de maneira irrevogável e irretratável, ao processo de relicitação do contrato de parceria; d) renúncia expressa quanto à participação no novo certame ou no futuro contrato de parceria relicitado, nos termos do art. 16; e) informações necessárias à realização do processo de relicitação, em especial as demonstrações relacionadas aos investimentos em bens reversíveis vinculados ao empreendimento e aos eventuais instrumentos de financiamento utilizados no contrato, bem como de todos os contratos em vigor de cessão de uso de áreas para fins comerciais e de prestação de serviços, nos espaços sob a titularidade do atual contratado.

Ademais, quanto à futura licitação, vale consultar o mandamento do art. 16, que é taxativo ao impedir a participação do contratado ou da SPE responsável pela execução do contrato e de seus acionistas titulares de no mínimo 20% do capital votante em qualquer momento anterior à instauração do processo de relicitação.

Diante do dispositivo legal, surgiu a indagação sobre a possibilidade do Poder Público e o concessionário chegarem a um acordo para encerrar o processo de relicitação e renegociar o contrato de forma consensual, permitindo que o concessionário continue a prestar o serviço público.

Neste momento, estão em andamento nove concessões passíveis de relicitação, abrangendo os setores rodoviário, aeroportuário e ferroviário. Em alguns desses casos, a decisão de devolver a concessão não se deve a falhas de desempenho operacional, gestão ou saúde financeira da concessionária, mas sim a desafios decorrentes da estrutura original do projeto. A possibilidade de renegociar esses contratos, conforme estipulado pelo TCU, representa uma abordagem inovadora para a continuidade desses empreendimentos.

Dois exemplos mostram a atualidade do tema: as concessões de aeroportos – São Gonçalo do Amarante (ASGA) e Viracopos – e diversas rodovias que aguardam esse processo. Além desses, nos últimos anos, diversos ativos de infraestrutura foram qualificados pelo Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) como elegíveis para relicitação. Por exemplo, na primeira relicitação do País, o Aeroporto de Natal (São Gonçalo do Amarante) foi arrematado pela Zurich por R$ 320 milhões e ágio de 41%.

Um dos grandes marcos nos processos de relicitação foi a avaliação do processo (TC 008.877/2023-8), ocorrida em agosto de 2023 pelo Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), que se dedicou à análise da consulta pública feita pelo Ministério de Portos e Aeroportos e pelo Ministério dos Transportes acerca da renúncia das concessionárias do setor de infraestrutura em relação aos processos de relicitação iniciados.

A consulta aborda dois questionamentos referentes à interpretação dos artigos 14, §2º, inciso III, e 15, inciso I, da Lei Federal nº 13.448/2017, que estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação de contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da Administração Pública Federal: a) Há alguma objeção do TCU ao entendimento de que o caráter irrevogável e irretratável da relicitação se restringe à iniciativa do concessionário? b) Quais são as balizas técnicas que o gestor deve apontar na sua motivação para o encerramento do processo de relicitação, por iniciativa do poder concedente?

O TCU esclareceu que, após a assinatura do termo aditivo de relicitação, a Administração Pública deve proceder com o novo processo licitatório. O Poder concedente não possui a prerrogativa de revogar unilateralmente o termo aditivo de relicitação, a menos que haja consentimento mútuo das partes para sua rescisão. Além disso, a nulidade do processo de relicitação pode ser declarada se forem identificados irregularidades e desvios de finalidade durante as etapas preparatórias.

É extremamente benéfico que o Tribunal tenha flexibilizado sua posição inicial para permitir a adaptação da estrutura de riscos original do contrato, bem como alterações no Valor Presente Líquido (VPL) e até mesmo na tarifa básica. Isso proporciona ao Poder concedente e à concessionária maior margem para negociar a repactuação em termos que, de fato, assegurem a continuidade da parceria em benefício do interesse coletivo.

No caso de decisão conjunta das partes envolvidas para encerrar o processo de relicitação, o TCU estabeleceu uma série de medidas a serem seguidas. O contratado (concessionário), por exemplo, não pode ter violado os Termos de Ajustamento de Conduta previamente acordados com o Poder concedente. Adicionalmente, é necessário que o concessionário manifeste formalmente seu interesse em continuar a prestação do serviço público abrangido pelo contrato de concessão. A lista completa das condicionantes está elencada nos itens de números 106, 132, 149, 196 e 201 do Acórdão 1593/2023 – Plenário.

Assim, o Plenário do TCU chegou, de maneira unânime, a um entendimento favorável à possibilidade do Poder Público e a concessionária decidirem, mediante um acordo de vontades, encerrar o processo de relicitação e promover uma repactuação consensual do contrato administrativo, viabilizando a continuidade da prestação do serviço público pelo atual concessionário.

O fato é que a decisão do TCU neste processo de consulta assume uma grande relevância para os projetos de desestatização em diversos setores, abrangendo aeroportos, ferrovias e rodovias, uma vez que esclarece as diretrizes e termos relacionados à relicitação.

Os próximos desdobramentos serão cruciais para avaliar o impacto nos processos de relicitação já em andamento, incluindo a possível suspensão desses processos ou a necessidade de renegociação dos contratos, conforme já expressaram pelo menos nove concessionárias.

Por outro lado, as condições estipuladas no voto do ministro relator podem, potencialmente, apresentar desafios caso o Governo opte por descontinuar os processos de relicitação.