Suprema escuta

12 de março de 2024

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Cartas de presos que tentam liberdade ou redução das penas, pedidos com base na Lei de Acesso à Informação ou de esclarecimentos sobre o andamento processual de casos no Supremo Tribunal Federal, reclamações sobre morosidade em outras instâncias do Judiciário. Essas são algumas das milhares de solicitações feitas à Ouvidoria da Suprema Corte brasileira após sua criação, no fim de 2023. Em funcionamento há poucos meses, a Ouvidoria herdou as funções da antiga Central do Cidadão e ganhou a missão de dar resposta em prazo razoável – de até 30 dias – a todos esses questionamentos, independentemente de serem com base na LAI (esses sim, com prazo estabelecido em lei).

O que antes era feito com atuação dos servidores públicos, hoje tem a supervisão de um magistrado. E a pessoa escolhida foi a Juíza Flávia Martins Carvalho. Oriunda do Tribunal de Justiça de São Paulo, ela não tem qualificações apenas como Juíza: também é formada em comunicação social, escreveu o livro “Meninas sonhadoras, mulheres cientistas”, além de cursar atualmente doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito na prestigiada Universidade de São Paulo (USP).

No Supremo, Flávia Carvalho também participou no ano passado de conversas com estudantes da rede pública sobre o funcionamento da Corte e vai comandar em 2024 o projeto STF na Escola, para levar aos estudantes informações qualificadas a respeito do Judiciário brasileiro, garantindo que os jovens formem sua própria convicção e não se confundam com desinformações de qualquer tipo. Ela terá de cuidar da Ouvidoria Mulher, para receber manifestações e denúncias relacionadas a igualdade de gênero, participação feminina e violência contra a mulher.

Na essência, a Ouvidoria tem o objetivo de aproximar ainda mais o STF da sociedade: traduzindo de forma mais clara a atuação do tribunal e atendendo com maior celeridade as demandas que chegam.  Todo o material que chega por meio do site da Ouvidoria passa por um filtro e depois é registrado no sistema para permitir maior controle do encaminhamento e das respostas, que necessariamente serão dadas. O STF também aderiu desde os primeiros dias deste ano à Plataforma Fala.BR, gerenciada pela Controladoria-Geral da União (CGU), que centraliza as manifestações dos cidadãos e pedidos de acesso à informação.

Em entrevista exclusiva à Revista Justiça & Cidadania, a Juíza Flávia Martins de Carvalho afirmou que o maior desafio da Ouvidoria é “mostrar que o STF é um lugar aberto à sociedade e que a sociedade também tem um papel relevante na defesa da Constituição”. “A Ouvidoria atua como um canal para trazer as vozes da sociedade para dentro do Tribunal”, disse. A magistrada ressaltou que as decisões do STF provocam interesse em toda a sociedade e que o Tribunal também tem interesse em ouvir a sociedade como um todo. Confira a seguir:

Revista Justiça & Cidadania – Qual a missão da Ouvidoria?
Flávia Martins de Carvalho – A missão é ser o canal do Supremo Tribunal Federal para escuta e orientação da sociedade, inclusive do público interno, atendendo manifestações que guardem pertinência com a atuação e os serviços prestados pelo Tribunal.

JC – Quais as principais demandas que chegam para a Ouvidoria?
FMC – Trabalhamos com dois grandes grupos de manifestações: as solicitações de informações processuais e as manifestações típicas de Ouvidoria, que podem ser reclamações, elogios, sugestões, solicitações e denúncias. O maior volume é de informações processuais, isto é, pessoas que gostariam de informações relacionadas a algum processo. Já em relação ao segundo grupo, o maior volume é de reclamações, como costuma acontecer em outras Ouvidorias. Nós também recebemos manifestações relacionadas à Lei de Acesso à Informação (LAI) e à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

JC – A sociedade precisa entender melhor qual o papel do Supremo?
FMC – As pessoas conhecem o Supremo e sabem que é um lugar onde temas importantes são decididos com impacto para todo o país. As decisões do STF interessam a todo mundo e o Supremo também tem interesse em ouvir a sociedade como um todo. O desafio então é mostrar que o STF é um lugar aberto à sociedade e que a sociedade também tem um papel relevante na defesa da Constituição. Nesse sentido, a Ouvidoria atua como um canal para trazer as vozes da sociedade para dentro do Tribunal. É evidente que ouvir a sociedade não significa decidir de acordo com a vontade popular, porque o parâmetro para a atuação do STF é a Constituição Federal. Além disso, a Corte também tem um papel na proteção de direitos fundamentais, que não pode ser desconsiderado e que pode resultar no descontentamento da maioria, já que é um papel contramajoritário. No entanto, sempre é de acordo com o que a Constituição estabelece. O mais importante é que a sociedade possa ver o Supremo como uma instituição que atua para garantir os direitos previstos na Constituição Federal. E proteger a Constituição é algo que interessa não apenas ao STF, mas a toda a sociedade, porque a Constituição é de todos e todas nós.  

JC – O Judiciário tem uma imagem de que custa muito e nem sempre o cidadão consegue uma resposta rápida. Como mudar essa visão?
FMC – Se a sociedade percebe o STF como uma instituição que custa caro e responde morosamente, a primeira coisa que devemos fazer é perguntar a nós mesmos enquanto instituição se isso é verdadeiro ou se essa é uma percepção equivocada. Não podemos ter medo de enxergar as nossas falhas. E a criação da Ouvidoria demonstra que o STF não tem medo de se olhar no espelho para melhorar o que for necessário. O nosso espelho é a sociedade. É a sociedade que vai nos dizer como está a nossa imagem e o que precisamos corrigir. Agora, pode ser que essa seja uma percepção equivocada. Nesse caso, o que precisamos fazer é comunicar melhor para esclarecer o que não está sendo adequadamente percebido. Também aqui a atuação da Ouvidoria é importante, porque damos respostas às manifestações com celeridade. Ninguém fica sem resposta. A Ouvidoria foi aprovada em dezembro/2023 e em janeiro/2024 nós implantamos um novo sistema, o Fala.BR, sem qualquer custo para o STF, por meio de um termo assinado com a Controladoria-Geral da União (CGU), gestora do sistema. Isso também nos permitiu integrar-nos à Rede Nacional de Ouvidorias, para que possamos trocar experiências e aprender com as boas práticas de outras instituições. Com isso, estamos melhorando os nossos controles e aprimorando os nossos processos. Ainda é muito recente, mas já conseguimos ver alguns resultados.

JC – Como a Ouvidoria Mulher atua e quais os desdobramentos das ações?
FMC – Por meio da Ouvidoria da Mulher tratamos as manifestações relacionadas à violência contra a mulher, à participação feminina e, em sentido amplo, à igualdade de gênero, apresentadas por ou em nome de magistradas, servidoras, estagiárias, prestadoras de serviços, inclusive terceirizadas, colaboradoras, advogadas ou quaisquer outras mulheres, desde que, em qualquer caso, haja pertinência com a atuação do STF.

Para registrar uma manifestação na Ouvidoria, basta acessar o link da Ouvidoria no Portal do STF (portal.stf.jus.br/ouvidoria/) ou enviar e-mail para ouvidoria@stf.jus.br.