Termo de ajustamento de conduta

31 de julho de 2010

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Um dos mais atuais instrumentos de proteção dos direitos e interesses do cidadão é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Usado há mais de um século nos países de primeiro mundo, o TAC assume papel destacado na solução dos conflitos ao admitir que órgãos públicos, cada um em sua esfera de competência, celebrem com os infratores termos de compromisso.

Normativamente, o TAC surgiu no âmbito doméstico por intermédio da Lei 6.385, de 7.12.1976 (dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários — CVM). Em seu art. 11, § 5º, possibilita que a CVM, a seu exclusivo critério, caso o interesse público permita suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso.

Nessa linha, a Lei 6.938, de 31.8.1981, assegura que o TAC pode ser utilizado quando o infrator se comprometer a eliminar os danos ambientais causados.

Já a Lei 8.884, de 11.7.1994 (transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica — Lei Antitruste), nos moldes do TAC, permite ao CADE promover a execução do chamado “compromisso de cessação” (art. 53 c/c arts. 25 e 60).

O TAC aparece detalhadamente disciplinado no art. 79-A da Lei da Natureza (Lei 9.605, de 12.2.1998), que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Esse instrumento alternativo despontou também na legislação da ANS — Agência Nacional de Saúde Suplementar, com fundamento no inciso XXXIX do art. 4º da Lei 9.961, de 28.1.2000, combinado com o art. 29 da Lei 9.656, de 3.6.1998, e na Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 57, de 19.2. 2001 (dispõe sobre o termo de compromisso de ajuste de conduta das operadoras de planos privados de assistência à saúde).

Vale relembrar que a Lei 7.347, de 24.7.1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP) tornou possível a criação do “acordo” com a denominação que se popularizou como Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com duas características: (1) a de ser um título executivo extrajudicial, e (2) somente usado pelo Ministério Público.

Contudo, devido ao advento do CDC, o TAC passou a ser firmado por qualquer órgão público, com fulcro no § 6º, do art. 5º da Lei 7.347, de 1985 (LACP), introduzido pelo art. 113 da Lei 8.078, de 11.9.1990 (dispõe sobre a proteção do consumidor – CDC).

Nessa trilha, a Lei 8.069, de 13.7.1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), em seu art. 211, já bem antes previa que os órgãos públicos legitimados podiam tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, o qual tem eficácia de título executivo extrajudicial.

É de se dizer que esse termo de compromisso, tal qual foi idealizado e inserido na legislação antitruste e do mercado de capitais, teve clara inspiração no instituto do consent decree do direito americano.

Destaca-se que a maioria das ações impetradas pelo Departamento de Justiça nos EUA termina em “acordo”, que é “homologado” em Juízo e incorporado em uma ordem judicial  chamada de consent decree.

Tal acordo, que pode ocorrer a qualquer momento do processo, é ajustado pelas partes, que se comprometem a cessar a prática dos atos que poderiam ser considerados irregulares pelo Governo. Esse, por sua vez, compromete-se a suspender a investigação enquanto o acordo estiver sendo cumprido.

Aliás, similar àquele, o “acordo” introduzido pela Lei 9.099, de 26.9.1995, nas questões de competência dos Juizados Especiais Criminais, assemelha-se, de certo modo, ao TAC, muito embora dele se distinga em alguns aspectos fundamentais: exige homologação judicial para sua validade, encontrando-se inserido no âmbito estritamente penal, enquanto as normas legais que consubstanciam o poder de polícia dos órgãos da Administração Pública são mais abrangentes, de cunho misto, envolvendo preponderantemente matéria administrativa.

Na verdade, esse termo significa o acordo ajustado entre o indiciado ou o acusado da prática de algum ilícito civil ou criminal, e a autoridade pública é encarregada de sua investigação e eventual responsabilização, caso constatada a ilicitude das atividades desenvolvidas pelo sujeito sob investigação.

O TAC também está presente no Código de Ética e de Autorregulação de Associação de Classe Empresarial, ex vi, nos arts. 60 usque 65 do Código de Autorregulação para o Programa de Certificação Continuada da ANBID – Associação Nacional dos Bancos de Investimento.

Na seara trabalhista, os TAC’s são compromissos assu­midos pelas empresas/empregadores, perante o Ministério Público do Trabalho (MPT), de cessarem ou não permitirem em seus estabelecimentos situações que estejam em desacordo com a legislação trabalhista e com os direitos sociais constitu­cionalmente garantidos.

O art. 876 da Consolidação das Leis Trabalhistas — CLT, com a redação que lhe deu a Lei 9.958, de 12 de janeiro de 2000, elevou os TAC’s firmados perante o MPT à condição de título executivo extrajudicial, corroborando a previsão genérica da LACP, de maneira que o TAC é cotidianamente utilizado pelo MPT, como acima apontado, com fulcro no § 6º, do art. 5º, da Lei nº 7.347, de 1985 (LACP), com a redação conferida pelo art. 113 do CDC.

Todavia, firmado o TAC, e, posteriormente constatado seu descumprimento, o MPT tem a possibilidade de promover sua execução forçada perante a Justiça do Trabalho. A propósito, há farta e pacífica jurisprudência trabalhista reafirmando a força do TAC como meio alternativo de solução de conflitos.

Certo é que o TAC agiliza a efetivação da justiça.  É uma medida que propicia maior rapidez e efetividade aos negócios jurídicos relativos aos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, notadamente no que respeita às relações de consumo, evitando a ação judicial de conhecimento quando os interessados estiverem de acordo quanto à solução extrajudicial do conflito.

Significa dizer que o TAC é uma criação de mecanismo de garantia de interesses ou direitos transindividuais. Ele passa a tutelar plenamente o indivíduo porque não olvida sua dimensão coletiva, típica das sociedades de massa. Todavia, cabe repisar que essa tutela de interesses ou direitos não deve ocorrer apenas em âmbito judicial, mas também pode ser realizada por intermédio dos meios extrajudiciais.

Valendo observar que os interesses ou direitos transindividuais são o gênero que engloba três espécies: os interesses ou direitos difusos, os interesses ou direitos coletivos e os interesses ou direitos individuais homogêneos.

Portanto, a defesa coletiva no TAC pode ser exercida quando se tratar de:

a. Interesses ou direitos metaindividuais ou transindividuais difusos, os de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias
de fato;

b. Interesses ou direitos metaindividuais ou transindividuais coletivos, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; ou,

c. Interesses ou direitos individuais homogêneos, os decorrentes de origem comum.

Como notamos, o TAC é um instrumento de tutela de direitos transindividuais, de modo que não deve ser celebrado sob a perspectiva do compromissário ou segundo o seu exclusivo interesse.

Ora, o TAC não visa atender a fins públicos que não sejam relacionados ao descumprimento ou ameaça de descumprimento de um dever específico, sob pena de se comprometer sua força executiva extrajudicial.

O TAC é a busca de soluções alternativas para corrigir transgressões legais sem que isso seja feito por intermédio de imposição de penalidades, pelo simples fato de que, com a adesão do infrator, é muito mais fácil atingir os objetivos pretendidos.

Esse acordo, que ocorre dentro ou fora do processo, faz parte de uma nova política do direito sancionador, que se preocupa em encontrar soluções alternativas que atendam aos interesses do prejudicado, da coletividade, do Estado e do infrator, procurando, se possível, a solução menos gravosa a esse último e mais benéfica a todos.

O TAC não só imprime celeridade à Administração Pública como permite, com eficiência, a correção de irregularidades feitas pelo acusado, e, sobretudo, viabiliza a reparação dos danos, sem ônus para a parte prejudicada.

A Administração Pública, seguindo a Teoria da Despe­nalização, não deve punir a qualquer preço, mas cuidar da retidão das condutas e formas de compensar a coletividade. Ademais, a Administração pode e deve extrair desse termo o real exemplo da Teoria da Qualidade do Serviço, porque não basta agir na legalidade, é preciso ser eficiente.

O TAC, usado no interesse público, oferece vantagens e resultados positivos no campo social, econômico, financeiro e jurí­dico, na área trabalhista, de meio ambiente, saúde, previdência, regime de habitação, mercado de capitais, etc., até entre órgãos públicos, na busca do acesso à Justiça — bem da vida.

Aliás, viável no sistema prisional em crimes de menor potencial ofensivo, que enchem o Judiciário de processos e os presídios de réus.

Desse modo, como meio alternativo de solução de conflitos, denotando eficiência e eficácia, o TAC é forma de justiça pactada ou consensuada, ensejando, ao mesmo tempo, o respeito aos normativos e à participação efetiva do infrator na definição das obrigações que lhe serão exigidas.

Portanto, é de se concluir que prepondera o caráter educativo e pedagógico do TAC no objetivo de prevenir a ocorrência de futuras transgressões, mas isso só será alcançado quando estiver sedimentada na sociedade brasileira a ideia de que é mais econômico investir na prevenção de irregularidades ou de crimes e imediata reparação do dano do que suportar as punições aplicadas.