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Transporte público e a justiça Fluminense

30 de novembro de 2007

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Revista Justiça & Cidadania – As concessionárias de transportes de passageiros têm reclamado que a Justiça vem determinando, em alguns casos, o seqüestro de sua receita para pagar indenizações. Como o senhor vê estas decisões?

Julio Lopes – Vejo com preocupação. E acredito não estar sozinho na avaliação deste problema. É preciso esclarecer que não são todas as decisões que estão sendo questionadas. Na verdade, ocorre que, algumas vezes, as concessionárias têm sido declaradas pela Justiça sucessoras e condenadas a pagar indenizações, resultantes de ações movidas contra as antigas estatais que operavam o serviço. Tal fato, se não é recorrente, também não é isolado.

Há casos em que, claramente, o julgamento pode ser considerado falho. Cito como exemplo uma recente decisão da Justiça contra a SuperVia, concessionária que opera o sistema de trens urbanos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, determinando o seqüestro de R$ 20 milhões da receita da empresa para pagar indenizações por conta de um acidente ocorrido em 1996. Essa decisão trouxe certa dose de apreensão e perplexidade ao meio empresarial, pois, ao determinar o arresto, a Justiça deixou de considerar um aspecto relevante da questão: o acidente ocorreu muito antes da concessionária assumir a concessão, e ainda que tivesse acontecido depois de ela assumir, deu-se em no ramal ferroviário Guapimirim-Saracuruna, que nunca foi privatizado nem operado por ela.

J&C – Que tipo de problemas isso tem gerado? Tais decisões podem prejudicar os investimentos previstos nos contratos de concessão?

JL – Decisões desse gênero têm promovido um desequilíbrio no caixa das empresas, que se vêem obrigadas a reduzir drasticamente ou adiar os investimentos previstos nos contratos de concessão, necessários para a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.

A SuperVia por exemplo, já desembolsou mais de R$ 200 milhões para cumprir decisões judiciais equivocadas. A Secretaria de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, por orientação do governador Sérgio Cabral, tem negociado com as empresas investimentos na melhoria dos serviços públicos de transporte de passageiros. Entretanto, este ambiente de insegurança jurídica tem assustado os empresários e afastado os investidores.

J&C – O que é preciso ser feito, na sua opinião, para minimizar este problema?

JL – Antes de mais nada, é preciso olhar o problema e debater as soluções à luz da Lei. O assunto é tão preocupante que a Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, atendendo sugestão feita pela Secretaria de Transportes, realizou, no início de novembro, um seminário para debater o impacto das decisões judiciais sobre a sucessão obrigacional nos transportes de passageiros.

Na oportunidade, tivemos a honra de compartilhar a discussão com juristas renomados, como o ministro Luiz Fux, do STJ, os desembargadores Luiz Felipe Salomão e Marcus Faver, o presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola, o jurista Sérgio Bermudes, e o presidente da Amaerj, Cláudio Del’Orto.

Os ilustres juristas concordaram que a Justiça está diante de uma situação delicada e que é preciso buscar alternativas para os processos judiciais oriundos da época em que o Estado administrava os serviços de transportes de passageiros e que foram ‘herdados’ pelas concessionárias. Sugeri ao presidente da Amaerj que o conteúdo do seminário fosse editado e distribuído a todos os juízes e desembargadores do estado. A disseminação das observações e conceitos formulados pelos eminentes juristas presentes ao seminário pode ajudar a dirimir algumas dúvidas e balizar futuras decisões.

J&C – Mas as sentenças são proferidas e as indenizações têm de ser pagas. Quem então é o responsável?

JL – Não estamos defendendo, ou sequer sugerindo, que se postergue ou se deixe de pagar as indenizações reivindicadas, ou de não cumprir o que determina a Lei. Mas, como bem ressaltou o ministro Luiz Fux durante o seminário, a Justiça tem a obrigação de identificar, corretamente, quem tem o dever de indenizar e que o equilíbrio econômico-financeiro das empresas faz parte dos contratos firmados entre elas e o Estado.

As regras estabelecidas durante o processo de licitação precisam ser respeitadas. São estas regras, definidas no início do jogo, que vão permitir às empresas decidirem se participam, ou não, do negócio. Opinião unânime no debate, em casos como o exemplificado acima, a Justiça não observa o contrato. Tais condenações, em dissonância com a estrutura jurídica atual, criam um estado de insegurança legal e significam grande obstáculo ao desenvolvimento dos transportes no Estado.

J&C – Como está o andamento do projeto dos corredores viários para diminuir o tempo das viagens?

JL – Estamos em fase adiantada de planejamento e implantação de alguns corredores expressos de tráfego, interligando diversos municípios da Região Metropolitana como, por exemplo, o Corredor Viário da Alameda São Boaventura, em Niterói, a ligação expressa entre Niterói e São Gonçalo, e entre a Barra da Tijuca e a Baixada Fluminense, o chamado Corredor T5. A construção do corredor da Alameda São Boaventura é um dos grandes projetos da Secretaria de Transportes, feito em parceria com a Secretaria Municipal de Serviços Públicos, Trânsito e Transportes de Niterói.Entre outras intervenções, será feita a cobertura de trechos do canal da Alameda para construção de seis plataformas de embarque e desembarque.

Os ônibus contarão com uma faixa exclusiva, no meio da via, em ambos os sentidos do tráfego. Cada plataforma terá capacidade para receber seis ônibus de cada vez. Os outros veículos trafegarão por duas pistas laterais, próximas à calçada. Faixas de pedestres cruzando a alameda, com semáforos controlados eletronicamente, permitirão o acesso dos passageiros aos terminais de embarque e a travessia de pedestres.

Nossa expectativa é que, com a implantação do corredor, a velocidade média dos carros na Alameda São Boaventura e na Avenida Feliciano Sodré, no horário de rush, deverá dobrar, com reflexos inclusive em São Gonçalo. Vai facilitar também a vida de quem mora na região e trabalha no Rio, e de quem viaja no fim de semana para a Região dos Lagos e enfrenta quilômetros de engarrafamento na volta pra casa.

J&C – A Lei 4.510 instituiu a fonte de custeio para a gratuidade no transporte intermunicipal. O repasse desse custeio tem sido efetuado?

JL – A Secretaria de Transportes instrui rotineiramente os processos de repasse de custeio de gratuidades nos modais que são responsabilidades do estado e os envia para a Secretaria de Fazenda, que é a responsável pelo pagamento. Até agora, os repasses têm sido feitos dentro da normalidade.

J&C – Quais as medidas que o governo do estado vem tomando para coibir o transporte ilegal de passageiros?

JL – O combate ao transporte ilegal é uma das prioridades da secretaria e faz parte dos compromissos assumidos pelo governador Sérgio Cabral em seu programa de governo. Desde o início do governo, tem sido uma de nossas preocupações. Em junho deste ano, contratamos 120 fiscais que foram aprovados em concurso em 2006 e reequipamos o Detro (Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro) com novas viaturas.

Depois de passarem por um treinamento no Departa-mento, em setembro passado, eles foram para as ruas a fim de reforçar a fiscalização do transporte de passageiros em todo o estado. De lá para cá, as ações têm sido diárias, apoiadas pela Polícia Militar, pela Secretaria Municipal de Transportes e pela Guarda Municipal.

Os fiscais se colocam em pontos estratégicos, nos trajetos principais habitualmente feitos pelos veículos piratas e em rotas de fuga, multando e rebocando os veículos irregulares. Já é possível perceber uma redução neste tipo de transporte. Entretanto, sabemos que somente estas ações não bastam, é preciso repensar o sistema de transportes no estado. Por isso, já estão em desenvolvimento na secretaria várias mudanças e melhorias nos transportes de passageiros, algumas delas em fase de implantação.

Estamos negociando com as concessionárias e órgãos de financiamento uma série de investimentos para trens, metrô e barcas, com vistas à compra de novas composições e à reforma e modernização das já existentes, a expansão destes modais e a criação de corredores expressos de tráfego, entre várias outras ações. Também já estamos promovendo, através do Detro, uma licitação para linhas de vans intermunicipais.

O processo de concorrência pública, que começou no final de outubro pela Região Serrana, está licitando linhas regulares para as regiões Centro-Sul, Médio Paraíba, Norte e Noroeste Fluminense. Outro instrumento que consideramos importante na luta contra a ilegalidade é o do Bilhete Único, que pretende integrar os vários modais de transportes, com a previsão de redução de tarifa nas integrações entre modais. A idéia é oferecer vantagens, tanto financeiras como de agilidade e conforto no deslocamento, que estimulem os passageiros a optar pelo sistema formal, contribuindo, com isso, para combater a pirataria.

J&C – As empresas de transporte de passageiros podem ser responsabilizadas por danos aos usuários provocados por assaltos?

JL – A segurança pública é uma das responsabilidades mais claras dentre as atribuições do Estado. E essa tarefa, como a sociedade tem tido oportunidade de observar, tem sido levada a cabo com firmeza pelo atual governo do Estado. Embora seja uma luta árdua, o poder público não pode se esquivar nem transferir suas responsabilidades.

J&C – Nos últimos 5 anos, mais de 600 ônibus foram incendiados e depredados. De quem é a responsabilidade pelos danos ocorridos às empresas e aos passageiros, tendo em vista que as manifestações, na maioria das vezes, são previsíveis?

JL – Esta é uma questão que envolve diretamente a sociedade. Se é verdade que, na maioria das vezes, as manifestações são previsíveis, cabe à população, às pessoas de bem, denunciar estas ações, alertar ao poder público e à polícia, que não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

Como dissemos anteriormente, segurança pública é uma atribuição do Estado, assim como todas as implicações decorrentes dela. O governo do Estado coloca um instrumento à disposição do cidadão de bem, o disque-denúncia, que pode ser usado por qualquer um, com garantia do mais absoluto sigilo. Aliás, o número do disque-denúncia (2533-1177) vem estampado no vidro traseiro de todos os ônibus que circulam no Estado, justamente para estimular seu uso. O disque-denúncia é um instrumento já consagrado pela população e um grande apoio às forças policiais. Por isso, recomendo que as pessoas de bem façam uso dele, para ajudar a combater qualquer tipo de violência contra a sociedade, como é o caso de incêndio e depredação de ônibus.