Tribunais Americanos e Segurança Nacional

13 de janeiro de 2020

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Introdução

Como os tribunais dos EUA lidam com casos de segurança nacional?

Os EUA têm um governo central e 50 governos estaduais. Nos dois níveis, a estrutura é tripartida – com poderes executivo, legislativo e judicial. No nível federal, existem tribunais comuns, tribunais especializados e tribunais militares.

Crimes comuns – como roubo – são tratados pelos tribunais estaduais. Os tribunais federais têm jurisdição criminal limitada, lidando com crimes relacionados especificamente a atividades federais, como conspirações interestaduais de drogas. Os tribunais federais comuns presidem a maioria dos casos de segurança nacional.

Os EUA têm três níveis de tribunais federais comuns de jurisdição geral – tribunais de primeira instância (94), tribunais regionais de apelação (12) e a Suprema Corte.

Os EUA não têm tribunais militares permanentes de primeira instância. Nesse nível, as cortes marciais são especialmente convocadas pelos oficiais para determinar a culpa ou inocência de um réu e aplicar a punição apropriada se ele for considerado culpado. O próximo nível de justiça militar consiste em quatro Tribunais de Apelação, um para o Exército, Marinha, Força Aérea e Guarda Costeira. Esses tribunais têm painéis de três juízes compostos por oficiais ou civis e analisam as decisões de primeira instância em que a sentença envolve uma dispensa punitiva de serviço, prisão por mais de um ano ou a pena de morte. No próximo nível, fica um único Tribunal de Apelações das Forças Armadas, com cinco juízes civis. Finalmente, há a Suprema Corte com nove juízes.

Como a jurisdição dos tribunais militares difere da dos tribunais comuns? De um modo geral, os tribunais militares não são regulamentados pelos códigos, regras administrativas ou decisões de casos dos tribunais superiores dos EUA (exceto a Suprema Corte). Em vez disso, existe um Código Uniforme de Justiça Militar, que trata de crimes envolvendo membros das forças armadas. Esses crimes podem ser tão simples quanto dirigir embriagado ou agressão ou tão graves quanto roubo ou assassinato.

Por outro lado, os tribunais comuns – estaduais e federais – lidam com todo tipo de crime, incluindo os crimes mais graves. Essas leis se aplicam a todas as pessoas, não apenas militares.

De fato, quanto a vários crimes, existe jurisdição concorrente entre tribunais comuns e tribunais militares. Qualquer um dos tribunais pode julgar certos casos e ambos podem até julgar o mesmo caso sem que haja um duplo risco (ne bis in idem).

Também existem tribunais excepcionais que lidam com questões de segurança nacional, por ex. as comissões militares na Baía de Guantánamo, Cuba.

Há também um tribunal federal especializado, o Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira, com 11 juízes federais distritais comuns, que considera pedidos do governo para vigilância eletrônica, buscas físicas e outras ações de investigação relacionadas à inteligência estrangeira.

Problemas Comuns em Casos de Segurança Nacional

Esses casos apresentam desafios únicos para o sistema judiciário comum, desde o tratamento de informações sigilosas até a segurança de testemunhas e funcionários do tribunal. A segurança nacional engloba qualquer crime que comprometa a segurança dos EUA, desde a sedição à segurança cibernética. O foco deste artigo estará em uma área tradicional de preocupação: terrorismo.

Um caso de destaque foi o US v. Moussaoui, julgado em um tribunal federal da Virgínia em 2006. Moussaoui era conhecido como o vigésimo sequestrador dos ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas do World Trade Center. Porém, naquele dia ele já estava preso, após sua prisão por uma violação das leis de imigração. Mesmo assim, foi determinado que ele havia se matriculado na escola de vôo com o objetivo específico de ser um dos sequestradores na trama de 11 de Setembro. Ele foi condenado por conspiração contra os EUA.

Durante seu julgamento, Moussaoui não cooperou e foi indisciplinado. Ele procurou se representar, mas, eventualmente, esse direito foi retirado porque seus documentos protocolados e comportamento no tribunal eram muito disruptivos.

O caso apresentou vários desafios:

Primeiro, houve a questão da segurança do tribunal. Durante o processo, o tribunal federal era constantemente mantido sob maior segurança.

A segurança do júri foi outro desafio. Como resultado, o juiz optou por usar um júri anônimo (ou seja, apenas deram seus nomes e endereços ao juiz). Os jurados se reuniam todos os dias em um local secreto, longe do tribunal, e eram transportados de um lado para outro de ônibus, mantidos fora da vista do público.

Finalmente, houve o desafio da evidência sigilosa. Se as informações sigilosas puderem ser relevantes para um processo criminal, o tribunal deve estabelecer procedimentos para manter as informações em sigilo enquanto oferece aos réus um julgamento justo. Os assistentes jurídicos e funcionários do juiz tiveram que se qualificar para autorizações de segurança ultrassecretas (todos os juízes federais têm essa autorização), assim como os advogados de Moussaoui.

Outra preocupação única é com a segurança do juiz e de outros funcionários do tribunal, o que pode resultar na colocação de Marshals dos EUA 24 horas por dia, 7 dias por semana, na casa ou local de trabalho do juiz ou do oficial de justiça.

Julgando um Caso de Segurança Nacional

Os casos de segurança nacional são processados por Procuradores dos EUA em cada um dos 94 distritos federais. A Divisão de Segurança Nacional do Departamento de Justiça de Washington costuma ajudar nos casos.

Os promotores investigam e juntam evidências de possíveis crimes de segurança nacional. Eles costumam trabalhar em coordenação com o FBI ou outros ramos de inteligência do governo, como a CIA. Quando os Procuradores determinam que há evidências suficientes para indiciar um indivíduo por violação de um crime de segurança nacional, eles levam as evidências para o Grande Júri, que consiste em 23 cidadãos escolhidos aleatoriamente nas listas de eleitores da região, que determinam por voto da maioria se existe causa provável para acusar alguém de um crime.

Se o Grande Júri decide acusar, o caso é atribuído a um juiz federal, e todos os trâmites usuais do processo criminal ocorrem.

O acusado é levado perante um juiz, informado do crime pelo qual é acusado e do seu direito de ter um advogado (ou de ter um nomeado). O juiz decide se deve libertar o indivíduo antes do julgamento, com base em uma simples promessa do réu de comparecer ao julgamento ou mandá-lo postar uma fiança em dinheiro ou remeter o réu à custódia de uma terceira pessoa pendente de julgamento. Se o réu for considerado uma ameaça para a comunidade, um risco de fuga ou houver a possibilidade de destruir evidências, ele poderá ser detido aguardando julgamento.

Muitos casos de segurança nacional são ouvidos por júris. O júri que finalmente decide a culpa ou inocência do réu é chamado de Pequeno Júri. Ele é composto por 12 cidadãos, em contraste com o Grande Júri acusatório, que é composto por 23 cidadãos, e deve ser unânime na sua decisão.

Se condenado por um juiz ou júri, o réu pode ser enviado para a prisão imediatamente. Diferentemente do Brasil, como confirmado recentemente pelo STF, ele não tem o direito de evitar a prisão se houver a possibilidade de um novo recurso.

Comissões Militares

As comissões militares consistem em um juiz militar e pelo menos cinco “membros”, oficiais comissionados ativos selecionados pela Autoridade Convocadora com base em educação, treinamento, experiência, tempo de serviço e temperamento judicial. Se o acusado enfrentar uma possível pena de morte, são necessários no mínimo 12 membros e seu acordo unânime. Todo acusado recebe um advogado de defesa militar qualificado para ajudá-lo sem nenhum custo, mas ele também pode contratar e pagar por um advogado particular.

Houveram críticas vigorosas às comissões militares. A União Americana das Liberdades Civis instigou o Governo Federal a ampliar os direitos dos indivíduos que comparecem às comissões. Ela também argumentou que os julgamentos da comissão militar de Guantánamo consideraram ilegalmente evidências secretas, evidências de segunda mão e até aceitaram evidências obtidas por coerção.

Conclusão

O desafio mais significativo em casos de segurança nacional nos EUA tem sido o tratamento de informações sigilosas, uma vez que o acesso é concedido apenas àqueles com uma autorização de segurança de alto nível. Outro desafio único é a proteção de juízes, funcionários dos tribunais, júris e até os detidos. O juiz federal deve enfrentar esses desafios e balancear os interesses de segurança nacional com o interesse público em processos judiciais claros e justos.