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Tutela perigosa

5 de maio de 1999

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Ao contrário do que a divulgação distorcida de informações e dados faz aparentar, o Poder Judiciário nunca foi contra a contenção das despesas públicas. Não repudiamos mecanismos de limitação de gastos nem queremos nos eximir de responsabilidades a esse respeito, mas também não podem aceitar a propagação de argumentos falsos, como o de que o aumento desses gastos nos últimos anos comprovadamente decorrente da expansão da demanda social batendo as portas da justiça, seja taxado de absurdo, em comparação com os gastos do Legislativo e do Executivo.

A limitação dos gastos não pode se transformar em camisa-de-força ou mecanismo de tutela. Quando a proposta orçamentária do Judiciário estiver formulada em bases correspondentes às necessidades da demanda cada vez mais crescente, ela deve ser respeitada. A análise de eventuais exageros deve ser feita de acordo com os serviços prestados, e não só do ponto de vista econômico, o que seria uma visão reducionista, com o grave defeito de ignorar a função mais importante do próprio direito e, por extensão, do Judiciário: proporcionar segurança jurídica e paz social.

A malha do Judiciário precisou ser ampliada nos últimos anos. Exemplos disso são a interiorização da Justiça Federal, a descentralização e a democratização do acesso à justiça por meio dos Juizados Especiais.

Nos últimos dez anos, o número de processos judiciais aumentou 25 vezes, passando de 350 mil para 8,5 milhões de feitos novos por ano. Tudo isso ocasionou um justificado aumento da despesa, ainda que, como todos sabem, os salários do funcionalismo público estejam congelados há quase cinco anos.

É preciso lembrar, também, que o orçamento do Judiciário é aprovado pelo Legislativo e acionado pelo Executivo, numa perfeita divisão de responsabilidades, e que, em 1998, o Judiciário participou do orçamento da União com um modestíssimo percentual de 1,34%, reduzido para 0,98% na proposta para 1999, isso antes do corte de 20% determinado pelo ajuste fiscal.

Mecanismos como o da Lei de Responsabilidade Fiscal podem ser importantes para cortar excessos, mas não protegem a cidadania contra situações como comprometimento de mais de 60% do orçamento da União com o serviço da dívida pública, aparecendo como grande vilão os juros escorchantes. Daí se origina a tragédia da compressão dos recursos públicos destinados a agenda social.

O Judiciário brasileiro não deseja, de modo algum, um tratamento privilegiado. Estamos dispostos a debater idéias e projetos que, honestamente, se destinem ao fortalecimento do Estado brasileiro. Para isso, a Associação dos Magistrados Brasileiros formou uma comissão mista de reforma do Judiciário com a Ordem dos Advogados do Brasil, que vai encaminhar ao Congresso Nacional propostas para democratizar de maneira efetiva o acesso à Justiça.