Uma alternativa ao sistema carcerário

21 de julho de 2014

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Luiz-CarlosMétodo Apac tem crescido no Brasil. Modelo trabalha a reintegração dos condenados e apresenta índice de reincidência inferior a 10%. Nos presídios convencionais, taxa chega a 70%

Com índices de reincidência abaixo de 10%, o Método Apac – sigla para Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – começa a ser visto como alternativa viável ao caótico sistema carcerário brasileiro. A metodologia atualmente é desenvolvida em 42 centros de reintegração social, presentes nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Maranhão, Paraná e Espírito Santo. A estimativa é que 2,3 mil detentos cumpram pena com base nesse modelo alternativo.

O Brasil atualmente tem mais de 560 mil presos, de acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça. Também, segundo apontam as estimativas do órgão, pelo menos 70% desses presidiários acabam voltando ao crime. E, não raro, após cumprirem pena em condições desumanas, em presídios sem qualquer estrutura e superlotados. Com relação a esse último fator, aliás, cálculos indicam que o déficit nas penitenciárias chega a 200 mil vagas.

Nesse contexto, as Apacs se diferenciam. Nos centros onde a metodologia é desenvolvida, não há agentes penitenciários nem armas de fogo. Os detentos – ou recuperandos, como são chamados – são os que detêm as chaves da unidade e cuidam da segurança. Valdecir Antônio Ferreira, diretor-executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), entidade que reúne e fiscaliza as Apacs, explicou que o objetivo do método é a ressocialização dos presos a partir da assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pelas comunidades próximas aos centros de reintegração.

A primeira Apac foi criada em 1972 por um grupo de voluntários cristãos, em São José dos Campos, no estado de São Paulo. O método é ancorado em 12 pilares: participação da comunidade; ajuda mútua entre recuperandos; trabalho; religião; assistência jurídica; assistência à saúde; valorização humana; família; formação de voluntários; implantação de centros de integração social; observação minuciosa do comportamento do recuperando para fins de progressão do regime penal; e a participação na Jornada da Libertação com Cristo, considerada o ponto alto de toda a metodologia, por consistir em palestras, meditações e testemunhos dos recuperandos.

As Apacs contam com apoio do Poder Judiciário e do Poder Executivo. O método vale para o regime aberto, o semiaberto e o fechado e é desenvolvido em unidades de pequeno, médio e grande porte, sendo esta última com a capacidade máxima de 200 vagas. Antes de serem designados para o centro de reintegração, os detentos têm de passar por rigoroso processo de avaliação, que atesta o comportamento. Presos indisciplinados, violentos ou líderes de facções criminosas raramente são acolhidos.

A Apac é uma entidade sem fins lucrativos instalada por iniciativa da população, geralmente das regiões onde funcionam os presídios tradicionais. “A sociedade não fica alheia aos problemas. Ao contrário: participa e se envolve, seja por meio do voluntariado ou ofertando trabalho (aos presos)”, afirmou o presidente da FBAC.

Ferreira explicou os passos necessários para a criação de uma Apac. O primeiro envolve a realização de uma audiência pública na comarca interessada. Há também a realização de um seminário que visa a explicar o método para a comunidade. Ao mesmo tempo, têm andamento os esforços para organização de uma equipe de voluntários e para a formação de parcerias. Também é nessa fase que ocorre a busca do local onde o centro de reintegração será construído.

Paralelamente às obras, ocorrem as tratativas para a formalização de convênios para o custeio da futura Apac. Geralmente a negociação é feita junto às secretarias de defesa social do estado onde o centro de reintegração será instalado. Nessa etapa é realizado também o treinamento dos futuros funcionários das Apacs.

Após a inauguração, há a transferência dos recuperandos para a Apac e um Conselho de Sinceridade e Solidariedade, formado por detentos, é constituído. E o trabalho não para com a instalação da Apac. Cursos, audiências públicas, criação de novos grupos de voluntários e a consolidação de novas parcerias têm andamento, em um ciclo constante.

Segundo Ferreira, todo o processo – desde a decisão de criar uma Apac à instalação definitiva dela – pode durar três anos. Ele conta que o tempo poderia ser menor se não fosse o preconceito. “Nossa maior barreira é romper as barreiras da sociedade e o preconceito arraigado de que bandido bom é bandido morto. Precisamos conscientizar a sociedade para assim podermos multiplicar a prática”, destacou.

De acordo com Ferreira, após a superação do desafio do preconceito e realizada a instalação da Apac, os benefícios se mostram inúmeros – principalmente para a comunidade. Ele destaca o custo do detento que cumpre pena pelo método, que chega a ser duas vezes menor em relação às penitenciárias convencionais. Além disso, nunca se verificou, nos centros de reintegração, problemas relacionados a motins. “Nunca registramos uma rebelião”, afirmou o diretor da FBAC.

Reconhecimento
As vantagens do método vêm sendo reconhecidas pelo Poder Judiciário. Diversos tribunais têm apoiado as Apacs. É o caso do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que lançou uma cartilha para as comarcas que já possuem ou têm interesse em instalar um centro de reintegração. “O objetivo da Apac é promover a humanização das prisões, sem perder de vista a finalidade punitiva da pena. Seu propósito é evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar”, diz a publicação.

O método também tem sido recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de fiscalização e planejamento estratégico do Poder Judiciário, principalmente nos mutirões carcerários que promove País afora. Luiz Carlos Rezende e Santos, juiz auxiliar do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execuções e Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, afirmou que as Apacs têm muito a contribuir para a melhoria do sistema prisional. A declaração foi feita após participar como palestrante do seminário realizado no último dia 4 de maio, em Campo Maior, no Piauí. O evento discutiu a instalação da primeira Apac no estado.

A movimentação iniciada para a instalação da Apac no Piauí atende às recomendações do CNJ feitas durante um Mutirão Carcerário no estado, realizado no ano passado. Essas orientações também constam no relatório final da força-tarefa entregue pelo Conselho às autoridades piauienses. As mesmas sugestões também foram feitas, em 2013, nos mutirões promovidos pelo Conselho no Rio Grande do Norte, em Alagoas e no Amazonas.

“Acreditamos que o sistema prisional pode melhorar muito e que a Apac pode contribuir com essa melhora. O método é desenvolvido há mais de 40 anos e nunca registrou um caso grave de violência no interior de suas unidades. Nunca verificamos um homicídio. E motim ou rebelião jamais foi registrado. Além disso, a reincidência chega a ser 10 vezes inferior que no sistema convencional”, destacou.

Comunidade internacional
Uma solução criada por brasileiros para os problemas do cárcere no País, o método Apac passou a ser adotado também por outras nações. Países como Belize, Bulgária, Chile, Colômbia, Costa Rica, Alemanha, Hungria, Latvia, Singapura, Estados Unidos já desenvolvem a metodologia, ainda que parcialmente. Eles são assessorados pela Prison Fellowship International (PFI), entidade consultora das Nações Unidas para assuntos penitenciários, e à qual a FBAC é filiada.

O juiz auxiliar do CNJ conta que as Apacs têm cada vez mais recebido atenção das comunidades internacionais, principalmente da Europa. No ano passado, delegações com diversos embaixadores de países europeus visitaram a Apac de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

“A União Europeia, por meio de projeto do Eurosocial II, favoreceu o intercâmbio da metodologia Apac com a que é aplicada em uma unidade existente no norte da Itália, na cidade de Padova, onde se desenvolve com excelência o cooperativismo, em especial a Cooperativa Giotto, e isso poderá incrementar o elemento trabalho nas Apacs do Brasil”, relata o juiz Luiz Carlos.

Recuperandos e universitários
Estimular o estudo é uma premissa do Método Apac. E os resultados são visíveis. Nada menos que 47 recuperandos de Minas Gerais foram aprovados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no ano passado. Eles agora cursam as faculdades de Administração, Turismo, Ciências Econômicas e Ciências Contábeis, na modalidade à distância.

Os recuperandos pertencem aos centros de reintegração social de Alfenas, Caratinga, Frutal, Itaúna, Ituiutaba, Lagoa da Prata, Manhuaçu, Minas Novas, Paracatu, Passos, Patrocínio, Pedra Azul, Perdões, Santa Bárbara, Santa Luzia, Santa Maria do Suaçuí, São João del Rei, Sete Lagoas e Viçosa, todas cidades de Minas Gerais. Ao todo, 308 pessoas assistidas por essas entidades prestaram o Enem.

A implantação dos cursos foi possível graças à Subsecretaria de Administração Prisional (SUAPI) que, por meio da Superintendência de Atendimento ao Preso (SAPE), firmou um Termo de Cooperação Técnica com a Faculdade FEAD, que disponibiliza, a cada semestre, 200 bolsas integrais para o sistema prisional do estado.

Apac oferece aulas de circo
Trabalho, educação e – porque não – diversão e arte. Sim, este último item também integra o rol de atividades desenvolvidas nas Apacs. No centro de reintegração de Nova Lima, em Minas Gerais, por exemplo, são oferecidas oficinas circenses. As aulas começaram em fevereiro e são realizadas pelo Circo de Todo Mundo, por meio do patrocínio da Anglo Gold Ashanti, em parceria com o Programa Desenvolvimento e Cidadania da Petrobras e a Prefeitura Municipal.

As oficinas visam a contribuir para o processo de recuperação dos que cumprem pena de privação de liberdade ao lhes possibilitar a chance de reinserção, inclusive no mercado de trabalho, em áreas como educação e entretenimento. É que as aulas abarcam a história do circo e atividades tais como malabarismo, equilibrismo, acrobacia de solo, performance, técnicas de segurança, montagem de espetáculo e metodologia de ensino.

O foco das oficinas é a educação na área cultural, através do desenvolvimento de oficinas circenses, artísticas e pedagógicas. Trata-se da construção de conhecimentos e de uma prática inovadora, no campo da formação de Arte Educador Circense.