Urgente reforma do judiciário

5 de outubro de 2003

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Quem não está afeito às lides forenses engrossa o comentário energúmeno de que o judiciário é uma casta ineficiente e corporativista porque leva anos para decidir uma questão. Não fosse a ignorância que cerca as razões dessa afirmação pejorativa, salvo quanto à realidade de ser morosa, fato que há anos aqueles que são responsáveis pela magistratura nacional, juízes, ministros, advogados e serventuários, clamam por uma urgente e saneadora reforma que atinja, fundamentalmente, toda a sistemática processual e burocrática.

Aliás, sob certos aspectos o Brasil é o país do irreal. A legislação brasileira parte de um ideal utópico, isto é, a perfeição (que sempre leva à imperfeição) onde se possa assegurar uma inarredável justiça, sempre voltada para uma expressiva dose de condescendência e um superfaturado respeito a direitos humanos. Se você olhar qualquer foto das cadeias brasileiras vai ver que tudo isto é um sonho, que contrasta com a dura realidade.

Em evidente contra-senso a defesa exacerbada dos direitos humanos acaba por levar à situação atual de quer o criminoso está mais protegido do que o cidadão, do qual se quer tirar até o direito de usar uma arma de defesa pessoal.

O que importa na realidade é sair da utopia sonhadora – desculpem o pleonasmo – para alcançar a realidade cruel. O país tem que acordar para saber que o ideal é inatingível e que a realidade do possível é o estimado.

A justiça não anda porque as leis não prestam. Temos um emaranhado legislativo de mais de 150.000 leis e milhares de portarias, normas técnicas, etc. Ninguém sabe quais são os números certos dessa parafernália jurídica! Mas o que se sabe é que nesse labirinto, o que é racional foi sendo deixado para traz e a dinâmica legal não se exerceu para facilitar o exercício da defesa eficiente comum a todos.

Na reforma do judiciário, como se deseja, deve ser encaminhada pelo Supremo, principalmente agora que se denuncia que existe uma caixa preta a ser aberta. Não se sabe o que realmente significa isto, mas poder-se-ia pedir ao presidente da república que colaborasse com o judiciário para a almejada reforma, com sua autoridade, para que ele e o sue partido levassem ao Congresso uma proposta, dentro da orientação do Supremo, dos demais tribunais e da OAB.

O Poder Judiciário, no Brasil é um dos três poderes, harmônicos entre si e sem prevalências. Assim, não se pode pretender que um, dentre os três, venha a tentar reformas a contragosto do próprio. Claro que nem se pensa que isto seria admissível, mas há necessidade de amplo entendimento para que uma reforma válida seja adotada.

Aquele que aponta para a morosidade da Justiça não vê que a obsolecência da legislação e a organização arcaica que ainda hoje predominam sejam responsáveis pelo acúmulo de processos, dentre os quais há predominância absoluta de litígios envolvendo a União. Hoje, o maior consumidor dos suores do judiciário é a União, que, pelos seus erros administrativos, violação de direitos, cobranças extorsivas etc., atopetam a justiça com mais de um milhão de processos em todas as instâncias. Imagine-se se a reforma da Previdência afinal passar como estão pretendendo os arautos da violação constitucional, como a lesão aos direitos adquiridos. Serão tantos processos que a justiça, como um todo, não terá condições de julgamento.

Existem hoje, nos Tribunais Superiores próximo de meio milhão de processos! O número é estapafúrdio, mas demonstra a precariedade do sistema judiciário brasileiro, em razão da pletora de recursos permitidos, muitos nitidamente protelatórios.

Apesar da situação política que se criou com essa ofensiva contra o judiciário envolvendo a questão da Previdência, todos reconhecem a essencialidade de uma alteração profunda da sistemática da processualística atual. E o momento é oportuno, embora já muito atrasado.

E nem se insista nesta questão de controle externo, porque o judiciário tem seu controle eficaz, através das corregedorias, que, a rigor, precisam apenas de mais poderes.

O judiciário é um dos Poderes da República e não se pode pensar que qualquer outro venha fiscaliza-la. No meu modo de ver nem sequer a OAB poderia faze-lo, salvo através de uma reforma constitucional que lhe atribuísse essa competência de fiscalizar um órgão que vai julgar os interesses dos seus filiados, inclusive quebrando o sigilo que é uma das garantias que envolvem o desenvolvimento de suas atividades, até que suas decisões se tornem públicas.

As críticas que se fazem hoje ao judiciário – realmente nunca vistas na história da República – até fazem crer que o Executivo tem preponderância subordinativa ao judiciário, tal a soma de inconveniências que são reprisadas a cada instante. Imagine-se um judiciário subordinado a um Executivo déspota. Onde ficarão os direitos do pequeno cidadão, hoje já tão agredidos?

O controle externo do judiciário é uma invencionice sem cabimento dentro do direito constitucional brasileiro e uma exacerbação de competência de grupos que o desejam. Entretanto, não se tratando aqui de situação ocorrente na França, onde não se trata de um poder, melhor é importar de lá outras especiarias e não aquelas que não se ajustam à nossa realidade constitucional republicana.

Aliás, o TST em recente reunião adotou algumas decisões que objetivam eliminar parte do seu resíduo de processos pendentes de julgamento, acima de 150.000.

Algumas delas não trarão resultado prático, como, por exemplo, mandar distribuir todos os processos que se encontram no Tribunal até o fim do segundo semestre de 2003. Os processos vão apenas mudar de lugar, porque a capacidade de cada ministro tem limites e os dias não terão 72 horas para julga-los. Para fazer essa distribuição, vinte funcionários foram relotados na Secretaria de Distribuição cuja função será apenas autuar e dar andamento aos processos, até os gabinetes.

Outra resolução determina como procederão os juízes convocados para ajudar o TST em sua missão e a função que terão, pois receberão o mesmo número de processos dos ministros.

Na resolução seguinte, o TST dispõe sobre os padrões formais a serem observados nas petições de recurso de revista. São regras que vão criar esparrelas para os advogados que atuam principalmente nos regionais na formulação do recurso de revista. São vários itens que poderão oferecer interpretações subjetivas dos julgadores, quando conceitualmente o recorrente não tivesse apontado o detalhe que instrução normativa (número 22), tenha como essencial ao julgamento.

O objetivo oculto da resolução é permitir que o relator, monocraticamente, negue seguimento ao recurso se não atendidos os pressupostos da instituição.

Finalmente, em última resolução, o TST criou o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Assessores e Servidores do TST, cuja função é melhorar o nível técnico do funcionalismo da Casa, todo ele, atualmente selecionado por concurso público, na forma da Constituição.

Resta ver o sentido prático dessas resoluções para o andamento dos 150.000 processos que estão lá.

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