A hora de rever os tributos

5 de maio de 2004

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Viver é progredir e progredir é agir eficazmente dirigindo os esforçõs no sentido de um plano determinado, harmonizando os atos e as aspirações, dando à existência essa unidade que é a beleza moral. 

Manuel Bonfim, em América Latina.

Houve um tempo em que o Brasil se orgulhava de exibir singularidades superlativas sem rival no universo internacional. Aqui, ficavam o maior estádio, a maior floresta tropical, os maiores rios, um povo cordial e hospitaleiro e, também, algumas das maiores taxas de crescimento do planeta. Pode-se afirmar sem medo de errar que as gerações posteriores à proclamação da República desconheceram momentos prolongados de estagnação econômica e que o País estava determinado a ocupar um lugar de destaque entre as nações desenvolvidas.

Hoje, os recordes que exibimos estão envoltos pelo espesso véu dos problemas aparentemente insolúveis. São eles o desemprego insubmisso, as corrosivas taxas de juros, a violência que mancha de sangue as cidades brasileiras, de um extremo a outro da nossa geografia,  a burocracia atávica e os impostos cada vez mais asfixiantes. É uma situação inusitada. No ano passado o Estado, nas suas diferentes esferas, rompeu-se a barreira do recolhimento de 40% de toda a riqueza produzida no País, o que equivale ao dobro daquilo que as cortes portuguesas cobraram nos idos da colônia.

Nessas circunstâncias, o brasileiro é obrigado a trabalhar algo como quatro meses para pagar impostos. Não seria motivo de críticas, se existissem contrapartidas no campo da educação, da saúde, da infra-estrutura e do financiamento. O problema é que acontece justamente o contrário. Os impostos são elevadíssimos, superando padrões europeus e americano, mas o que o poder público devolve lembra a ficção. Basta olhar em volta ou ler os jornais para constatar que impostos e serviços públicos caminham em direções opostas.

Cultura extrativistas

O progresso brasileiro dos últimos dois séculos foi, originalmente, obra de empreendedores. Ao contrário do esforço pouco metódico, lento e nada persistente dos pioneiros que, no dizer de Sérgio Buarque de Holanda, pareciam preferir “colher o fruto sem  plantar a árvore”, a partir do século 19, o que se viu foi a conjugação de esforços e energias colossais para empreender.

Se olharmos para o passado, vamos encontrar personalidades como o barão de Mauá, Antonio da Silva Prado, Rodofo Scarpa, Francisco Matarazzo, Emílio Odebrecht, Delmiro Gouveia, apenas para citar alguns nomes mais conhecidos, fazendo a riqueza brotar das indústrias. Com isso vieram os operários, o aprendizado técnico, a substituição de importações, os bancos e uma economia integrada que chegou a ser uma das dez maiores do mundo. Tudo isso, está ameaçado porque o Estado não se despojou da antiga tradição extrativistas.

Ou seja, tirar o máximo da sociedade e exaurí-la. Exatamente como faziam as cortes de Lisboa e como continuou fazendo o governo imperial após a proclamação da independência. Poucos sabem mas o Brasil poderia ter sido retalhado em uma dezena de impostos se as revoluções do século 19 tivesse sido vitoriosas. Na origem de todas elas, houve um elo em comum: os impostos elevadíssimos.

Tempo de mudança

Para o empresário, praticamente não sobram vias alternativas: se paga imposto, não cria empregos. Se cria empregos, não pode pagar impostos. Pelo menos a totalidade. É um fato inescapável. Criou-se no Brasil um emaranhado de leis, decretos e sutilizas legais que impossível o empresário acompanhar e cumprir com a vasta pletora de exigências.

Também, não é um fato novo. O hábito do Estado exigir o impossível está arraigado nas nossas tradições históricas. Houve tempos em que os ourives eram confinados em guetos na Bahia e no Rio de Janeiro para que laborassem a prata e o ouro apenas como exigia a Corte. As penas eram severíssimas. Chegava-se inclusive à condenação de dez anos de degredo na África. Contudo, os ouvires aumentavam em número e em capacidade de produção a cada ano.

Por que? As exigências legais não encontravam respaldo na realidade. Guardadas as proporções, vivemos uma situação semelhante. Os impostos atingem a estratosfera e, em conseqüência, um autêntico Estado paralelo ganha dimensões jamais imaginadas. Estima-se que para cada um real de imposto recolhido, um real é sonegado. A estatística é mais do que preocupante. Exige ação.  Porque das estatísticas transpira um fato novo: as novas gerações de empreendedores estão se perguntando sobre a razão de pagar impostos. E isto não é bom. Se as leis são feitas para não serem cumpridas, incentiva-se a perniciosa cultura da ilegalidade.

O exemplo que vem de cima.O presidente Luis Inácio Lula da Silva tem afirmado que as mudanças só virão se “todos ajudarem”. Cabe a pergunta: por que o Estado não dá o exemplo? Uma alternativa prática, e viável, no caso da reforma tributária seria retomar o debate em torno do imposto único, com redução das alíquotas. Esse é um tema básico: sem redução das alíquotas a retomada do desenvolvimento é impossível.

Não há milagres

Vale recordar a recente trajetória da Espanha. Em 1966, o desemprego chegava a 22% e o país parecia estar retornando ao atraso endêmico da época das guerras napoleônicas. Agora, a Espanha é exemplo de país que enriqueceu e vem vencendo a guerra contra o desemprego. Na base da virada está a reforma tributária combinada com a reforma trabalhista que tornou a economia mais flexível e competitiva, gerando empregos e recompondo renda.

Entre nós, poderíamos fazer o mesmo. Por que não?

A questão é que ninguém quer ceder e falta ao governo um projeto para fazer o Brasil uma nação desenvolvida. Um projeto que precisa engajar o cidadão sim, mas pelo convencimento substantivo. Pela constatação de que o Estado existe para protege-lo e respeitá-lo, fazê-lo progredir, não para inibir sua capacidade realizadora e sugar-lhe o fruto do trabalho em prol de uma máquina administrativa emperrada e ineficiente.

Voltando ao tema do imposto único, vale assinalar que a sua implantação poderia ser gradativa e com o cuidado de não ferir a economia de municípios de escassa arrecadação.

Tive a oportunidade de participar de algumas reuniões para avaliação de um imposto único. Imposto único, perfeito, fantástico, fácil de controlar, econômico para arrecadar. Não deu outra, foi aprovado e rapidamente implantado com uma pequena adaptação ao seu projeto original. Graças ao oportunismo da voracidade arrecadadora ele recebeu outro nome e passou a ser mais um, a CPMF.

Ironias a parte, o que precisamos é abandonar o casuísmo e retomar o gosto pelo progresso. Recriar a utopia de um futuro melhor. Por estas razões é que uma verdadeira reforma tributária torna-se a senha para que venhamos a transitar da estabilização monetária para o crescimento econômico. Uma evolução que todos almejamos e que não mais pode ser adiada.