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Dos crimes contra a ordem tributária

5 de junho de 2000

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A Lei nº 8.137/90 traz em sua estrutura, como qualquer outra lei, um preâmbulo, ou seja, a parte inicial da lei que não está incluída no seu texto, mas que serve para identificá-la na ordem legislativa, o qual abrange não só a eventual justificação da lei – a sua declaração programática – bem como o título, o fundamento do poder de legislar  e a ordem de cumprimento ou de execução da lei.

No preâmbulo da lei vê-se a ementa, que é a parte indispensável à sua identificação, permitindo o conhecimento do que é legislado. Esta sintetiza o conteúdo da lei, enfocando o tema central ou a finalidade principal da lei. Na própria ementa da Lei nº 8.137/90 constata-se esta síntese: “Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo”, acompanhada do clichê “e dá outras providências”, interessando, no caso, as disposições atinentes aos “crimes contra a ordem tributária”, na busca de se saber quais são as condutas delituosas que podem afetar a “ordem tributária”.

O preâmbulo, a ementa, o capítulo primeiro e o próprio caput do art.1º, todos definem “os crimes contra a ordem tributária”, o que faz com que o jurista compreenda prontamente tais comandos como um todo ou o geral da ordem tributária como sistema de princípios tributários.

A falta de técnica ou má redação da Lei nº 8.137/90 é visível, a começar pelo seu preâmbulo, no qual consta “dos crimes contra a ordem tributária”, quando melhor seria “dos crimes contra a Administração Tributária”.

Recentemente, o legislador editou a Lei Complementar nº 95/98, dispondo sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, para atender a exigência do art. 59 da Constituição.

As disposições contidas nessa lei complementar aplicam-se às medidas provisórias e aos demais atos normativos, sendo também aplicável aos decretos e aos demais atos de regulamentação.

A norma complementar estruturou a lei em três segmentos básicos: a) a preliminar, que traz a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de sua aplicação; b) a normativa, que é o texto da norma de conteúdo substantivo relacionado com a matéria regulada; c) a final, que compreende as disposições que dizem respeito às medidas necessárias à imputação da norma de conteúdo substantivo, às disposições transitórias, à  cláusula de vigência e à de revogação.

A LC nº 95/98 explicitou o que são a epígrafe, a ementa, o preâmbulo e o artigo primeiro as da lei.

Crimes contra a ordem tributária são aquelas condutas reputadas delituosas praticadas contra o sistema tributário, pois o sistema tributário nacional está disciplinado no Capítulo I, do Título VI, da Constituição.

A ordem tributária está definida a priori na Constituição, bem como no Código Tributário Nacional, e equivale ao sistema tributário nacional. Em razão do disposto na Lei nº 8.137/90, verifica-se que a conduta delituosa do cidadão é vista contra a estrutura organizacional do sistema tributário. Entretanto, entende-se que o particular não tem como praticar delito contra a ordem ou o sistema tributário.

A Lei nº 8.137/90 define como “crimes contra a ordem tributária” (como consta nela mesma) aquelas condutas ou crimes que afrontam o chamado “sistema” de órgãos e instituições preservadores da “ordem tributária”, coletivamente, dos direitos e deveres dos contribuintes, e não a infração tributária cometida por contribuinte que, em tese, teria deixado de recolher ou pagar tributo devido à Fazenda Nacional.

Por meio de uma análise sistemática da “ordem tributária”, chega-se à conclusão de que esta é um conjunto de regras jurídicas que disciplinam os tributos. Por outro lado, o sistema tributário compreende os tributos e as regras jurídicas que o disciplinam. E, em outros termos, o “sistema tributário” é constituído pelo conjunto de tributos vigentes em um país em determinada época, sem distinção entre os de competência federal, estadual ou municipal, e pelo conjunto de regras jurídicas que disciplinam os tributos.

Para os doutrinadores, o conceito de “sistema tributário” tem similitude com o sistema econômico dominante e com os fins fiscais e extrafiscais da tributação, o que implica certa coordenação dos diversos tributos entre si.

O objetivo jurídico dessa lei é a proteção à legislação tributária, é remeter o contribuinte à observância das normas do direito tributário e às regras ditadas pelo Fisco.

A finalidade dessa lei foi aumentar a arrecadação dos tributos, coibindo determinadas condutas reputadas como  sonegadoras fiscais.

A Constituição, ao disciplinar acerca do sistema tributário e de sua ordem tributária, permitiu à União, aos estados, ao Distrito Federal e/ou aos municípios instituírem tributos, quais sejam: impostos, taxas e contribuição de melhoria, mas fazendo o destaque quanto à proteção ao contribuinte, que é importante para a valoração da conduta delituosa em tais tipos de crimes.

Essa proteção ao contribuinte deve ser levada em consideração pelo juízo criminal, pois dita a Constituição que “os impostos terão caráter pessoal”, o que vem em paralelo com o princípio do direito penal de que a conduta criminosa não passa da pessoa do delinqüente, sendo, portanto, de natureza pessoal. E mais, a Constituição ainda fixa que os impostos “serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, o que é outro princípio regedor de proteção ao contribuinte, baseado no seu potencial econômico ou financeiro, ou seja, na sua capacidade de pagar os tributos, não podendo haver exigência tributária excessiva ou “impagável”, o que ofenderia essa proteção estatal.

Ainda quanto ao art. 145, § 1º, da Constituição, para garantir ou conferir efetividade a esses objetivos de proteção ao contribuinte ficou facultado à administração tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, com a ressalva de obediência e respeito aos direitos individuais e nos termos da lei.

A norma penal especial – Lei nº 8.137/90 –, ao tipificar as condutas enumeradas exaustivamente, utilizou-se de conceitos normativos retirados do direito tributário e, sem dúvida, é esse ramo do direito que deverá ser consultado para precisar e detalhar o alcance daquela norma penal.

É o direito tributário que deverá explicar e definir o que é “tributo”, se o “tributo é devido” ou “não é devido”, o que é “contribuição social” e quem é o “sujeito passivo da obrigação tributária”, com o fim de buscar a tipificação do crime contra a ordem tributária.