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Evandro Lins e Silva: Um advogado no Supremo e na ABL

31 de julho de 2007

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Como advogado, o Acadêmico Evandro Lins e Silva está fazendo muita falta, porque era o proprietário de uma cultura suficientemente esclarecida e sólida para resolver os problemas de natureza regimental, estatutária ou jurídica, que surgiam nos tribunais, no foro e na ABL, quando sempre propunha uma solução pertinente, correta e sensata.

Nos tribunais, ele foi sempre a voz do bom senso, que se agigantava no patrocínio de suas causas; no foro, foi a palavra respeitada na defesa dos seus clientes; e, na Academia Brasileira de Letras, foi a opinião acatada na decisão sobre as dúvidas e controvérsias.

Na ABL, ocupava a Cadeira nº1, que tem Adelino Fontoura como patrono; Luís Murat, como fundador; e, como sucessores, Afonso Taunay, Ivan Lins e Bernardo Élis, sucedido por Ana Maria Machado.

Sua ausência será sempre muito sentida, porque ele era um colega querido, que, ao longo dos 3 anos e meio de sua constante presença na Academia, deu provas cabais de um excelente companheirismo e de um convívio afável e carinhoso.

Lutador quixotesco

Quanto mais homenagens recebia – e foram muitas as recebidas nos últimos anos – mais se acentuava, em sua conduta, uma atitude de humildade e de modéstia, sobretudo diante dos poderosos, que jamais cortejou.

Evandro foi um lutador quixotesco, que somente depois da vitória de Lula, seu candidato à Presidência da República, começava a ver uma luz a iluminar esta nova era para nossa geração.

E, ao contrário do que tanto desejava, não mais estava vivo para assistir à posse de seu eleito, mas teve, pelo menos, o prazer de recebê-lo em uma visita de gratidão em sua residência, e de tê-lo como companheiro a empurrar seu esquife até a última morada, onde passou a repousar, no Mausoléu da Academia, no Cemitério de São João Batista.

Ele viveu uma existência muito coerente, fiel a seu ideário socialista, sempre voltada para a defesa dos direitos humanos e dos milhares de perseguidos políticos. Advogou, não raro sem honorários, perante o Tribunal de Segurança Nacional e o Tribunal do Júri, onde sua atuação, como “O Criminalista do Século”, deixou marcas indeléveis do grande jurista que realmente era.

Foi assim que defendeu os acadêmicos Carlos Heitor Cony e Josué Montello, os jornalistas Helio Fernandes e Marcio Moreira Alves, os Governadores Miguel Arraes e Mauro Borges, o Deputado Seixas Dória, os escritores Caio Prado Júnior e Ênio Silveira, e o ruralista José Rainha Júnior.

Maiores virtudes

De suas funções públicas – como Procurador-Geral da República, como Chefe do Gabinete Civil da Presidência, como Ministro das Relações Exteriores e do Supremo Tribunal Federal – saiu mais pobre do que quando nelas entrara.

Dizia-me: “Murilo, no dia em que o Presidente João Goulart me levou para o Governo, em Brasília, eu tinha um chevrolet importado; quando voltei para o Rio, tinha um fusquinha nacional.”

Até seus últimos instantes, ainda tinha que trabalhar para viver. Era o que fazia religiosamente, todos os dias, convicto de que o ramo criminal do Direito não dá riqueza a nenhum advogado.

Na véspera de morrer, e sempre como advogado, deixou com seus filhos as razões de uma apelação a ser interposta no dia seguinte.

Morreu pobre em uma lição de honradez, uma mercadoria que, infelizmente, hoje anda cada vez mais escassa na paisagem brasileira, tão marcada por tantas CPIs e por tantas corrupções.

Alegria de viver

Tinha uma especial paixão pela vida, que lhe trans-correu bravamente. Jovem de espírito e de cabeça, “um jovem metido a besta e a velho”, como ele próprio se definia em seus 90 anos, Evandro possuía uma extraordinária disposição de trabalhar, uma inexcedível vocação de defender os injustiçados, uma enorme alegria de viver e um permanente sorriso.

Quando assinou o requerimento do impeachment contra Fernando Collor, transformando-se em seu principal acusador, declarou que ali representava o papel de “Advogado do Brasil”. E acrescentou: “Deus foi muito generoso comigo quando me deu essa chance de defender meu País.”

Semanalmente, todos os domingos, cruzava comigo na Avenida Atlântica, ao meio-dia, sob um sol causticante, fazendo seu cooper habitual. E explicava: “Meu caro Murilo, estou aqui, na Praia de Copacabana, bem no meio da festa.”

Evandro Cavalcanti Lins e Silva nasceu na cidade piauiense de Parnaíba, a 18 de janeiro de 1912, com curso primário em uma escola pública da cidade maranhense de Itapicuru, onde seu pai era juiz.

Formou-se na Faculdade Nacional de Direito, em turma paraninfada pelo Prof. Afrânio Peixoto, que, nessa ocasião, já era membro da Academia Brasileira de Letras e havia sido seu presidente. Trabalhou em vários jornais, especializou-se em Direito Penal e brilhou em desempenhos inesquecíveis no Tribunal do Júri.

Escreveu os livros “A defesa tem a palavra”, “Arca de guardados” e “O salão dos passos perdidos”, nos quais reconstitui fatos marcantes de sua vida como advogado profissional e, em particular, alguns julgamentos, como o de Doca Street e Ângela Diniz, que o consagrou como um dos maiores criminalistas brasileiros.

Morreu no esplendor

Morreu no esplendor de sua atividade física e intelectual, sempre com planos e projetos para o futuro, inclusive com um livro sobre o advogado Evaristo de Moraes, que deixou inacabado.

E morreu em conseqüência de um tombo sofrido no Aeroporto Santos Dumont, justamente quando regressava de Brasília, onde fora alvo de merecidas homenagens, na posse dada pelo Presidente Fernando Henrique, como Conselheiro da República.

Ele foi um homem a marcar toda a sua existência por uma coragem no enfrentamento do regime militar, que o aposentou de seu cargo de Ministro do Supremo Tribunal, cassando-lhe todas as condecorações até então concedidas, e que, justamente poucos dias antes de sua morte, lhe foram devolvidas.

Pagando um tributo à fidelidade de seus modelos políticos, pensou em exilar-se, quando os generais de plantão o despiram de sua toga e de sua beca, em represália aos habeas-corpus que ele, corajosamente, concedia a todas as vítimas da repressão e da tortura.

Um simples tropeço

Um homem de tanta intrepidez cívica acabou morrendo de um simples tropeço, que lhe fraturou o crânio e o retirou da vida, fazendo-o ingressar para sempre na galáxia dos homens de bem, como ele, competentes e honrados.