Há precarização na mão de obra terceirizada?

17 de outubro de 2013

Compartilhe:

EmannoelSegundo a doutrina, o conceito de terceirização está ligado ao fenômeno de transferências de certas atividades periféricas de um estabelecimento empresarial para empresas distintas e especializadas.

Pela terceirização, adota-se um modelo distinto da clássica relação bilateral entre empregado e empregador, em que o trabalho prestado se dá em benefício do tomador de serviços por intermédio da pessoa interposta, sendo formado o vínculo de emprego entre a última e o trabalhador. Com efeito, tal relação caracteriza-se pelo caráter triangular ou trilateral.

Exatamente por possuir caráter distinto, a terceirização sofre restrições na doutrina e na jurisprudência trabalhista. Esse embate é motivado pela legislação escassa sobre a matéria, em confronto com a ampliação constante da terceirização de serviços nos setores produtivo e estatal.

No Brasil, os primeiros diplomas legislativos que dispuseram sobre a terceirização de serviços datam do final da década de 60 e do início da década de 70. Tais leis dizem respeito apenas ao segmento estatal, estimulando a prática de descentralização administrativa por intermédio da contratação de empresas do setor privado para a execução de serviços meramente operacionais ou executivos.

Naquela época, foi regulamentado o trabalho temporário, definido como o decorrente da substituição eventual de empregado da tomadora de serviços ou para executar atividades decorrentes do acréscimo extraordinário de trabalho. Tal forma de terceirização tem como singularidade o caráter temporário da prestação de serviços.

Já na década de 1980, foi permitida a terceirização permanente de serviços de vigilância ao segmento bancário da economia, mas em 1994 passou a admitir-se a terceirização de vigilância patrimonial de qualquer instituição e estabelecimento público ou privado, inclusive de pessoas físicas, além do transporte ou da garantia do transporte de qualquer tipo de carga.

Naquele mesmo ano, também foi acrescido o parágrafo único ao artigo 442 da CLT, dispondo que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.”

Do breve relato, percebe-se que o ordenamento jurídico não acompanhou a constante ampliação da utilização de tal prática no mercado de trabalho, o que provocou debates nas Cortes Laborais, especialmente no Tribunal Superior do Trabalho, responsável pela uniformização da jurisprudência trabalhista no país.

Assim, ainda na década de 1980, foi editada a Súmula no 256 do TST, cuja redação permitia concluir que “(1) a regra geral de contratação mantinha-se pelo padrão empregatício da CLT; (2) eram exaustivas as hipóteses de terceirização de atividades; e (3) as contratações fora das hipóteses das Leis nº 6.019/74 e 7.102/83 implicavam na formação de vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador de serviços.”

Tendo em vista as lacunas do ordenamento jurídico e da Súmula no 256, o TST editou a Súmula no 331, com escopo de revisar o antigo verbete.

Após sucessivas adequações e em observância ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal – STF quando do julgamento da ADC 16/DF, o Tribunal Superior do Trabalho conferiu a seguinte redação à Súmula nº 331 do TST:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31/5/2011.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3/1/1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20/6/1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21/6/1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Realizadas tais considerações sobre a Súmula nº 331 do TST, passa-se ao exame de casos em que a incidência do referido verbete é mitigada.

Inicialmente, é interessante abordar o caso da responsabilização subsidiária do tomador de serviços no caso de contrato de empreitada ou obra certa.

O TST, por meio da sua Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), editou a Orientação Jurisprudencial nº 191, consolidando, originalmente, o entendimento de que, “diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra for uma empresa construtora ou incorporadora.”

Os precedentes que a originaram partem do pressuposto de que, no contrato de empreitada, o empreiteiro obriga-se a executar obra certa, ao passo que o dono da obra se compromete a pagar o preço acordado, objetivando apenas o resultado do contrato. A incidência da Súmula nº 331, IV, é afastada por não guardar similitude com a relação mantida entre empreiteiro e dono da obra.

Outro caso diz respeito ao contrato de facção. Por tal pacto, de natureza civil, as contratantes objetivam o fornecimento de produtos acabados.

Quando não fica caracterizada a ingerência da contratante, tampouco a exclusividade da prestação de serviços, as turmas do TST afastam a responsabilidade subsidiária do estabelecimento comercial tomador dos serviços, concluindo pela não incidência do item IV da Súmula nº 331, pois não se verificam a culpa in eligendo e a culpa in vigilando da tomadora de serviços.

Um debate que havia no TST girava em torno da responsabilidade subsidiária de ente estatal no caso de convênio firmado com entidade privada para execução de atividade de fomento.

A controvérsia estava em definir se o fato da relação jurídica mantida entre a Administração Pública com as associações para a fomentação de serviços de saúde afastaria a responsabilidade do ente estatal na medida em que, ao contrário dos contratos administrativos em que os interesses da Administração Pública e os do contratado são antagônicos, nos convênios os objetivos são comuns, ligados às atividades de fomento.

No julgamento da AR-13381-07.2010.5.00.0000, a Seção de Dissídios Individuais do TST, reunida em composição plena, acompanhando meu voto divergente, decidiu, por maioria, que a atribuição de responsabilidade subsidiária a ente público, pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas decorrentes de convênio firmado com instituições privadas, não viola dispositivo constitucional.

Nessa hipótese, a análise da responsabilidade subsidiária também irá obedecer aos parâmetros delineados pelo STF e pelos itens IV e V da Súmula nº 331 do TST.

Por fim, oportuno registrar o embate sobre a possibilidade de empresas concessionárias de telecomunicações e de energia elétrica terceirizarem serviços ligados à sua atividade-fim com assento na legislação aplicável, a saber: Lei nº 8.987/95 (Lei Geral de Concessões e Permissões) e Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), em seus artigos 25, § 1º, e 94, II, respectivamente.

O cerne do debate nos Tribunais Trabalhistas está em definir se tais dispositivos de lei, ao possibilitarem a contratação de terceiros para atividades inerentes, permitiram a terceirização de atividade-fim das empresas concessionárias de telefonia e de energia elétrica.

Em que pese a existência de teses em sentido contrário, entendo que as leis não autorizam a terceirização de atividade-fim das empresas concessionárias de serviços de telefonia e de energia elétrica, uma vez que devem se harmonizar com os artigos 2º e 3º da CLT.

Veja que o legislador ordinário, ao se referir a “atividades inerentes”, na legislação em comento, para permitir a contratação de empregado mediante empresa interposta, valeu-se de expressão vaga e imprecisa. Daí não se poder atribuir aos aludidos dispositivos uma interpretação puramente gramatical, ampliativa, como o vocábulo aparentemente sugere, de modo a concluir que a concessionária de serviço público possa contratar empregados mediante o processo de terceirização para prestar-lhe serviços em sua atividade-fim sob o risco de se incorrer em colisão com as normas que regem o Direito do Trabalho.

Quanto às empresas concessionárias de serviços de telefonia, a SBDI-1 concluiu, em março deste ano, pela ilicitude desse tipo de terceirização.

Também deve ser ressaltado que esse entendimento é extensível às empresas concessionárias de energia elétrica, conforme demonstram as inúmeras decisões (precedentes) originárias das turmas do TST.

Todavia, a controvérsia está longe de terminar, pois o Supremo Tribunal Federal deferiu medida liminar na Rcl. 10132 para suspender os efeitos de acórdão proferido pela 3ª Turma do TST, até o julgamento final da Reclamação, de modo que a última palavra sobre o assunto será da Suprema Corte.

Mais um ponto polêmico sobre essa matéria é o Projeto de Lei nº 4.330/2004, da Câmara dos Deputados, que dispõe sobre o contrato de prestação de serviços a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes.

Na forma do projeto, estar-se-ia a admitir a prática da terceirização irrestrita, o que implicaria na sonegação de direito dos trabalhadores com graves prejuízos para a ordem jurídico-econômica ante a negação de garantias constitucionalmente asseguradas, tais como a da dignidade da pessoa humana, a dos valores sociais do trabalho, a do princípio da não discriminação e a da isonomia.

A empresa tomadora, ao contratar irrestritamente trabalhadores para desempenhar atividades terceirizadas, beneficia-se de sua força de trabalho sem, em tese, com eles formar qualquer vínculo, podendo este expediente se converter em mera manobra para a burla das normas de proteção ao Direito do Trabalho, pois permite que se chegue ao cúmulo de se ter pessoa jurídica constituída unicamente de seu quadro societário, sem um único empregado, uma vez que todos os postos de trabalho decorrentes desse empreendimento serão preenchidos com mão de obra terceirizada.

A terceirização irrestrita implica, pois, enfraquecimento das instituições do Direito do Trabalho. Fragmentados no ramo da mesma atividade econômica, os trabalhadores, ditos terceirizados, não participam do mesmo sindicato, o que lhes retira o poder de negociação coletiva.

Aliada a essa pulverização, tais empregados deixam de auferir os mesmos salários do tomador, o que fere os princípios da isonomia (7º, XXX, CF) e da não discriminação (7º, XXXI, CF) – prestação de trabalho igual, salários diferentes –, bem como de eventual participação nos lucros (art. 7º, XI, CF), garantias asseguradas ao trabalhador pelo texto constitucional.

Não se pode, também, perder de vista que a Constituição Federal, ao primar pelo reconhecimento dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), está a acenar que a força de trabalho emprestada pelo empregado à atividade precípua do empreendedor, na hipótese de lucros (art. 7º, XI), possa se reverter em proveito do trabalhador, o que redundaria na observância de outro fundamento, o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).

Em suma, seja qual for a modalidade, há limites para se tolerar a prestação de trabalho terceirizado, cabendo ao aplicador e intérprete da lei, diante de tal cenário, valer-se dos demais métodos de interpretação para perscrutar a extensão e o alcance dos fins colimados pela norma, de modo a compatibilizá-la com os demais ramos do direito, mormente com os princípios de ordem pública que regem as relações de trabalho.

As condutas de discriminação e de desrespeito às normas de trabalho (inclusive, de higiene e saúde) dos trabalhadores das empresas terceirizadas devem ser coibidas, de modo que demandam urgente tutela da Justiça do Trabalho, mormente do TST, que tanto vem hasteando a bandeira do combate à tormentosa e nociva terceirização ilícita.