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O Rio e os 400 anos de Dom Quixote

5 de março de 2005

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O ano de 2005 chegou e com ele a tão esperada comemoração dos 400 anos de Dom Quixote e seu personagem-título alcunhado o Cavaleiro da Triste Figura. Romance inspirador, segundo livro mais traduzido no mundo (atrás somente da Bíblia) e considerado por muitos a maior obra literária universal, o livro de Miguel de Cervantes dispensa apresentações. Neste ano de IV Centenário, inúmeros artigos em revistas e jornais, assinados pelos mais variados tipos de profissionais, de membros da Academia Brasileira de Letras a simples admiradores da obra, têm chamado a atenção para a relevância e a necessidade de refletir sobre esse clássico.

O personagem é de tal forma universal que gerou o adjetivo quixotesco. Dom Quixote era o louco que acreditou em seu sonho e foi à luta contra obstáculos imaginários em busca da celebridade e do amor romântico, com todo o sofrimento que o caracteriza.

Dom Quixote também é considerado um ingênuo por tentar tornar a dura realidade mais justa e nobre. A personagem é complexa e a leitura de suas aventuras é fonte de inigualável prazer. É importante aproveitar o ano cervantino para ampliar o número de seus leitores que caminham pelas páginas de Dom Quixote seguindo os passos das aventuras, desventuras e conquistas do nobre cavaleiro e seu fiel escudeiro, Sancho Pança.

Algumas editoras prometem para este ano republicações do livro para aproveitar o momento de seu aniversário e incentivar sua leitura enquanto outras preparam novas traduções. A Editora 34, por exemplo, lançará o segundo volume da novíssima tradução de Sérgio Molina no início do segundo semestre. Iniciativas como estas não são exclusivas deste ano, o Brasil está muitíssimo bem servido de traduções e adaptações da obra, como as versões de Monteiro Lobato, Dom Quixote das Crianças, Editora Brasiliense, já clássica, e a de Ferreira Gullar, Editora Revan, mais recente. Estes dois grandes escritores verteram ao português de uma maneira mais condensada (mas não mais pobre) com maestria, tornando possível que crianças e adolescentes tenham acesso à obra e se interessem pelo “grande” livro, isto é, pela versão completa. Porém, estas versões não são dedicadas apenas ao público infanto-juvenil: o adulto que as leia terá tanto prazer quanto qualquer jovem; ambas são recheadas do mesmo humor utilizado no texto original de Cervantes. Tais empreitadas colaboraram muito para que o livro não fosse lido somente pela elite intelectualizada de nosso país e nós, admiradores apaixonados do Quixote, precisamos saber disso e divulgá-lo.

O fenômeno das novas publicações da obra não é exclusividade do Brasil. A cada momento há a notícia de uma nova edição em algum ponto diferente do globo. A Espanha, como não podia deixar de ser, nos presenteou este ano com dois maravilhosos exemplos de reedições: a da Real Academia Espanhola, em um único volume, que, no Brasil, foi lançada por Nélida Piñon no Instituto Cervantes em São Paulo, e a da Galaxia Gutenberg em dois volumes, sendo que um deles é somente de artigos sobre o livro. Ambas as edições são de qualidade indiscutível e apresentam comentários inéditos sobre a obra, seu contexto histórico e perfis dos personagens.

O engenhoso fidalgo, justamente por ter conseguido extrapolar os limites de sua existência no papel, está presente em diversos e diferentes atos culturais em todo o mundo. No Brasil, e mais especificamente no Rio de Janeiro, o Instituto Cervantes tem a honra de promover e colaborar com muitas destas atividades. Algumas delas já têm data marcada e presenças confirmadas, outras porém, justamente pela multiplicidade de eventos agendados para este ano ainda não têm tanta exatidão.

A atividade que deu início às comemorações promovidas pelo órgão de difusão da língua e cultura espanhola em todo o mundo foi o espetáculo, realizado em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, do músico Willians Pereira intitulado “Dom Quixote – violão solo”, com três apresentações gratuitas no mês de março no Memorial Getúlio Vargas. No mês de abril, dias 11 e 12, o violonista se apresentará com o percussionista Carlos Cesar na Casa de Cultura Laura Alvim em Ipanema. Seu espetáculo é a interpretação instrumental belíssima de cenas e personagens do livro com leitura de trechos da versão de Ferreira Gullar entre algumas das peças.

O Rio de Janeiro terá a felicidade de neste ano abrigar dois grandes eventos literários, a XII Bienal do Livro (de 12 a 22 de maio) e a terceira edição da FLIP – Festa Literária Internacional de Parati (de 6 a 10 de julho). Ambas prestarão homenagens a Cervantes e a sua obra e o Instituto Cervantes colaborará, em conjunto com a Subdireção Geral do Livro, órgão do Ministério da Cultura espanhol, trazendo escritores espanhóis a ambos os eventos para que participem das comemorações.

Organizaremos, juntamente com a Academia Brasileira de Letras, uma conferência do acadêmico Ivan Junqueira, presidente da ABL, sobre Cervantes, sua obra-prima e o reflexo dela na América Latina e principalmente no Brasil. E em setembro, promoveremos um ciclo de conferências no Real Gabinete Português de Leitura que contará com a presença de pelo menos um especialista espanhol, Carlos García Gual (que também participará da Semana de Letras Neo-latinas organizada pela UFRJ), e escritores famosos brasileiros ainda por confirmar. Paralelamente a este ciclo, será organizada uma exposição de exemplares raros de edições antigas de Dom Quixote que fazem parte do acervo do Gabinete.

No CCBB do Rio, a exemplo do que ocorrerá no Salão do Livro de Paris de 18 a 20 de março, haverá (além da exibição da ópera Dom Quixote e a Duquesa, de Boismortier, entre 6 de julho e 21 de agosto) a leitura da obra no período de 26 a 30 de julho. A leitura contará com a participação de pessoas ilustres e anônimas que terão, cada uma, vinte minutos para lerem um trecho da obra completa em sua seqüência original, repetindo o que já ocorre em vários lugares do mundo algumas vezes de forma ininterrupta.

No mês de setembro, o Instituto Cervantes apoiará o maior evento de cinema do Brasil, o Festival Internacional do Rio, que terá este ano o “Foco Espanha”. É tradição do Festival prestar homenagem a um país em cada uma de suas edições. Uma das razões da escolha deste ano foi justamente o IV Centenário de Dom Quixote. É intenção da diretora do Festival, Ilda Santiago, destinar uma parte do Foco a Dom Quixote. O público certamente terá surpresas. Ainda com relação à Sétima Arte, o Instituto organizará um ciclo com filmes de diversas nacionalidades inspirados no livro de Cervantes. A previsão da realização do ciclo é para o mês de julho.

Em um outro projeto-homenagem muito interessante, a Televisão Espanhola percorrerá os centros do Instituto Cervantes no mundo onde filmará a leitura de passagens de Dom Quixote por pessoas de diferentes nacionalidades, sempre em espanhol, e com diferentes sotaques. Estas leituras que terão o nome de “Dez linhas de Dom Quixote” serão exibidas entre os programas da grade normal espanhola em diferentes horários. A intenção do projeto, além de celebrar o livro, é mostrar o alcance universal da língua castelhana, homenageando-a, e o de sua obra literária maior.

A Orquestra Sinfônica Nacional pretende no mês de outubro apresentar concertos com peças inspiradas em Dom Quixote de compositores como Strauss, Ravel e de Falla. O Instituto Cervantes com a Agência Espanhola de Cooperação Internacional trará um tenor espanhol para participar de mais essa homenagem.

Também são planejadas exposições. O Instituto Cervantes pretende trazer da Espanha a exposição “La huella de la mirada” a realizar-se no Centro Cultural Justiça Federal. Trata-se de uma exposição de fotografias dos locais reais que inspiraram Cervantes na criação dos cenários por onde passa Dom Quixote.

O Projeto Portinari realizará a exposição das gravuras em lápis de cor criadas por Portinari para ilustrarem passagens do livro Dom Quixote que encontram-se hoje expostas no museu da Chácara do Céu. Essa exposição partirá depois para a Europa onde estará em Londres, Paris e Madri. O Instituto Cervantes tem orgulho de apoiar esta atividade que presta homenagens tanto ao maior artista plástico brasileiro como ao livro de maior importância da Espanha.

Antonio Olinto diz que Dom Quixote é um livro brasileiro já que na época em que foi publicado, Brasil, Portugal e Espanha estavam sob a união político-administrativa de suas coroas. Seu personagem principal com certeza teria gostado muito de se aventurar pelo Brasil (como o faz agora, por outros meios). Somos obrigados a concordar (pelo menos dessa vez) quando se diz que nesse país tudo acaba em samba e que o ano só começa de verdade depois do carnaval. Este ano a escola de samba vice-campeã do Rio de Janeiro, Unidos da Tijuca, aclamada (pelo público e crítica) por sua criatividade, trouxe como enredo os misteriosos mundos da imaginação criados pelos artistas. O carnavalesco Paulo Barros não viu personagem mais apropriado que Dom Quixote para introduzir a história do seu carnaval e se inspirou nele para criar sua comissão de frente, bem como fantasias de outras alas e importantes membros da escola. Não havia melhor maneira de começar o ano: homenageando-se Dom Quixote no que é chamado “o maior espetáculo da Terra”, fazendo-o ainda mais popular.