Edição

Pelo meio ambiente

31 de dezembro de 2010

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O juiz titular da Vara do Meio Ambiente e Questões Agrárias do Tribunal de Justiça do Amazonas, Adalberto Carim, encontrou uma maneira especial e criativa de promover mudanças na cultura da sociedade e desestimular a prática de crimes ambientais. Ele criou o projeto Arte Sequencial – que contempla histórias em quadrinhos e desenhos animados, por meio do quais ele dissemina informações sobre a legislação ambiental vigente em comunidades carentes e escolas.
Carim é um especialista em trabalhar com conciliação e entende que a mudança cultural não se resume apenas a intermediar conflitos. Nesse sentido, ele defende a criatividade para tentar evitar que os conflitos nem aconteçam. O juiz utiliza uma pedagogia inovadora: os próprios infratores são instrumentos disseminadores da cultura ambiental. Suas sentenças resultam na reparação do dano, na construção de espaços do conhecimento e na produção de material didático para educação de crianças e jovens quanto ao bom uso dos recursos naturais.
O projeto conta com o apoio de empresas que investem em responsabilidade social. Também já foram impressas e distribuídas cerca de 30 mil cartilhas ilustradas sobre a convivência harmônica do homem com a natureza.
A Vara do Meio Ambiente do Amazonas é a única do Brasil que utiliza o princípio da descarbonização. Isso quer dizer que toda a energia consumida é revertida em arborização de áreas para compensar o desgaste ambiental. Confira abaixo a entrevista.
Como surgiu a ideia desse projeto?
Adalberto Carim– Tivemos uma série de situações que criaram no imaginário popular uma noção de que as questões ambientais se interpõem ao progresso e que a criação de um modelo da justiça ambiental poderia significar para o jurisdicionado mais um óbice ou obstáculo ao progresso. Desde o princípio, entendíamos que o perfil do infrator ambiental é diferenciado – pode ser desde a dona de casa até o empresário que está prestando um serviço à comunidade ao gerar empregos. A gente entendia que faltava conscientização na área ambiental. A própria Constituição Federal, no artigo 225, diz que incumbe ao Poder Público promover a conscientização ambiental. O Poder Judiciário não pode se afastar dessa realidade. Se estamos efetivamente vivendo no Estado de Direito Ambiental, e isso é o que se pressupõe pela leitura do artigo 225, não podemos limitar o conhecimento da legislação ambiental, restringindo-o apenas aos operadores de Direito. Daí o Arte Sequencial, projeto voltado para a legislação ambiental. Desde o início entendíamos que os quadrinhos seriam uma ferramenta aparentemente simples, mas extremamente poderosa para conscientizar a ecocidadania do jurisdicionado.
E como tem sido o reconhecimento desse trabalho?
AC – No ano de 2007, o projeto ganhou menção no Prêmio Innovare. Ele também ganhou o Prêmio Chico Mendes. Recebeu, ainda, destaques muito interessantes. Recentemente, foi selecionado no mundial Guiness Justice ao ser escolhido como o trabalho mais criativo e mais inovador da pesquisa que eles fizeram no mundo inteiro.
Como esse trabalho é realizado?
AC – São histórias em quadrinho. Cada edição contém um aspecto da legislação ambiental vigente. Temos, por exemplo, uma história totalmente dedicada à Lei nº 9.605. Tem outra dedicada totalmente à Constituição Federal, ao artigo 225. Há outra dedicada somente àLei nº 9.433, que trata dos recursos hídricos, e outra dedicada somente à Lei nº 9.985. Então, cada aspecto da legislação ambiental é tratado em quadrinhos. É uma arte sequencial. E isso começou com quadrinhos. Depois, começamos a trabalhar com desenho animado – temos, também, alguns desenhos animados.
Onde esse trabalho é desenvolvido?
AC – A gente visita comunidades com o Juizado Volante Ambiental. Temos um ônibus, que é o nosso meio de condução, com o qual visitamos semanalmente as comunidades periféricas. Pelo menos uma vez ao mês a gente vai ao interior do Estado Visitamos essas comarcas do interior, vamos às escolas. Às vezes, vai também o promotor de Justiça para falar da importância de se atender à legislação ambiental vigente. Distribuímos esses quadrinhos da Arte Sequencial como forma de tornar mais claro o conhecimento do entendimento da lei. A Lei Ambiental é pouco compreendida, pois é densa até para os próprios operadores do Direito. Por isso, transformamos o conteúdo dessa legislação ambiental vigente em atividades da Turminha da Vara do Meio Ambiente. Estamos na 13ª edição.
Quem responde por esse conteúdo?
AC – Sou eu mesmo. Até a oitava edição, os desenhos eram comigo. Agora, tenho pessoas que me ajudam, mas continuo fazendo o storyboard. Esse cuidado, eu tenho. Faço isso aos finais de semana para relaxar um pouco.
Esse material é trabalhado apenas em escolas?
AC – O material é levado para diversas cidades. Temos introduzido esse material em todas as escolas, particulares e públicas, assim como em todos os eventos imaginados. Agora, recentemente, esses quadrinhos foram recomendados para serem utilizados em lugares como Nova Zelândia, Malásia e Jacarta. Estivemos lá abrindo o primeiro seminário de juízes e tribunais ambientais na Ásia, há três meses. Existem alguns países no mundo em que a lei fundamental e infraconstitucional é escrita em língua diferente da língua da população. Com esse tipo de material, conseguimos democratizar e socializar o que diz a lei.
Qual é o alcance desse projeto?
AC – Já distribuímos mais de 40 mil exemplares dessas histórias em quadrinho com a ajuda de patrocinadores. Há empresas com atuação na área ambiental que se associaram a esse projeto. Também contamos com a utilização desse material nas escolas pelos próprios professores, que discutem o conteúdo das histórias em quadrinho. Sentimos que esse é um trabalho de médio a longo prazo. Estamos educando o jurisdicionado. Entendemos que, quanto mais educado e consciente ele for, menos problemas ambientais teremos no futuro. Tratamos esse assunto de uma forma lúdica. Aparentemente, parece uma história em quadrinhos, mas todos os conceitos tratados na publicação constam os aspectos da legislação ambiental. Esses conceitos são tratados de uma forma menos maçante para o cidadão. É que não podemos restringir o conhecimento dessa matéria somente aos operadores de Direito.
Como o senhor se sente em relação a esse trabalho?
AC – Estou muito feliz agora, principalmente quanto ao congresso sul-americano sobre questões ambientais e mudanças climáticas. Uma das recomendações do evento para os países da América do Sul foi a difusão dessas histórias em quadrinho como forma de socializar e facilitar a aplicação da lei vigente. Isso é muito importante para a conscientização.