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Serviços de telecomunicações questões relativas à passagem de cabos em edificações

30 de setembro de 2006

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INTRODUÇÃO

Muito embora o homem venha realizando, desde a metade do século passado, avanços significativos em matéria de comunicação à distância, certo é que no campo das telecomunicações ainda estamos longe de prescindir da utilização de cabos e tubulações para o atendimento da demanda existente.

Talvez um dia a tecnolgia wireless1 nos permita a plena substituição dos meios atualmente utilizados, mas até lá continuaremos dependentes do uso de cabos ópticos ou metálicos. Assim sendo, o direito deve regular esta questão, pois é patente que deve haver equilíbrio entre o direito de propriedade ou dever de administração do patrimônio público e o direito das concessionárias de passarem seus cabos através de propriedades privadas ou públicas, a fim de instalarem os equipamentos e infra-estrutura necessários à prestação dos seus serviços.

Com relação à passagem de dutos e cabos através de bens públicos2 as concessionárias de serviços de telecomunicações devem interagir diretamente com outras concessionárias ou com o Poder Público. Quando é necessário acessar o interior de casas, condomínios edilícios ou shopping centers, a concessionária interage com os proprietários ou a respectiva administração, a fim de acessar a rede interna de dutos e condutos de telecomunicações, cuja existência é condição sine qua non para obtenção do “habite-se3”.

Do direito de passagem  de cabos de telecomunicações em propriedades privadas

Os serviços de telecomunicações são considerados essenciais por expressa disposição legal4 e a utilização de dutos e condutos para a infra-estrutura de telecomunicações já era prevista antes da privatização do “sistema telebrás5” através da Norma 05/79 (que somente veio a ser revogada pela Resolução Anatel nº 85/98, que por sua vez veio a ser revogada pela Resolução Anatel 426/2005):

“INGRESSO NOS LOCAIS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

31 – A Prestadora tem direito de ingresso, por seus empregados e prepostos devidamente credenciados, nos locais de prestação do serviço ou onde se encontrem instalações, aparelhos e equipamentos do sistema para efetuar vistoria, manutenção, reparo, desligamento ou retirada das instalações.

31.1 – A oposição infundada a esse ingresso por parte do Assinante ou Locatário, ou de seus representantes, faculta à Prestadora suspender a prestação do serviço por até 30 (trinta) dias e cancelar a assinatura ou locação, findo esse prazo.

31.2 – Os empregados e prepostos da Prestadora autorizados a ingressar nos locais de prestação do serviço são portadores de cartão de identidade específico, conforme modelo reproduzido na Lista Telefônica e com período de validade expresso.”

O direito de propriedade não é absoluto e sofre limitações diante do bem-estar comum e o interesse público.

A atual ordem constitucional deixa claro que a propriedade privada não é oponível ao Estado quando o intereresse público o exigir. O fundamento genérico para a possibilidade de intervenção do Estado na propriedade privada é a sua função social (artº 5º, XXIII da Constituição Federal).

Assim, o Estado pode impor limitações ao Direito de Propriedade através de obrigações positivas, negativas ou permissivas, sem impedir o uso normal do bem. São as chamadas Limitações Administrativas.

Neste sentido é a clássica lição de Hely Lopes Meirelles:

“Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública, condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social. As limitações administrativas são preceitos de ordem pública. Derivam, comumente, do poder de política inerente e indissociável da Administração, e se exteriorizam em imposições unilaterais e imperativas, sob a tríplice modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva (deixar fazer).

Em qualquer hipótese, porém, as limitações administrativas hão de corresponder às justas exigências do interesse público que as motiva sem produzir um total aniquilamento da propriedade ou das atividades reguladas. Essas limitações não são absolutas, nem arbitrárias. Encontram seus lindes nos direitos individuais assegurados pela Constituição e devem expressar-se em forma legal. Só são legítimas quando representam razoáveis medidas de condicionamento do uso da propriedade, em benefício do bem-estar social (Constituição da República, art. 160, III), e não impedem a utilização da coisa segundo sua destinação natural.

(…)

Além disso, para que sejam admissíveis as limitações administrativas sem indenização, como é de sua índole, hão de ser gerais, isto é, dirigidas a propriedades indeterminadas, mas determináveis no momento de sua aplicação. Para situações particulares que conflitem com o interesse público, a solução será encontrada na servidão administrativa ou na desapropriação, mediante justa indenização nunca na limitação administrativa, cuja característica é a gravidade e a generalidade da medida protetora dos interesses da comunidade”. (in Direito Administrativo Brasileiro, Ed. RT, 13ª. ed, pág. 530/532).

Havendo necessidade de uma restrição de uso, de caráter permanente, decorrente de uma obra ou serviço público delegado, como é o caso do serviço de telecomunicações, a hipótese é de servidão administrativa.

“Vê-se, pois, que a limitação administrativa difere tanto da servidão administrativa como da desapropriação. A limitação administrativa, por ser uma restrição geral e de interesse coletivo, não obriga o Poder Público a qualquer indenização: a servidão administrativa ou pública, como ônus especial a uma ou algumas propriedades, exige indenização dos prejuízos que a restrição acarretar aos particulares; por retirar do particular a sua propriedade ou parte dela, impõe cabal indenização do que foi expropriado e dos conseqüentes prejuízos” (op cit, pág. 537)

Nesta hipótese, diferentemente da Limitação Administrativa, haverá indenização sempre que houver prejuízo efetivo ou restrição ao uso do bem pelo particular.

Sobre o tema, lecionou o insigne mestre Caio Mário:

“Também o Direito moderno disciplina certas situações que estão a meio-termo entre a servidão e as restrições ao direito de propriedade, como os casos dos serviços administrativos (assentamento de esgotos e canalização de água), serviços de utilidade pública (eletroduto ou afixação de linhas elétricas ou telefônicas), implantação de oleoduto (lembrada por Washington de Barros Monteiro), para as quais reservamos a designação específica de quase-servidões, pelo fato de lhes faltar a característica peculiar da sujeição de um prédio a outro prédio, mas de ter o próprio prédio o ônus de suportar (pati) o exercício de uma faculdade que beneficia indiscriminadamente os prédios dos usuários.6

CONCLUSÃO

Como já visto, qualquer edificação deve apresentar dutos e condutos próprios para a passagem de cabos telefônicos, como uma das condições necessárias à concessão do habite-se pela municipalidade.

A existência de tal estrutura, como condição prévia à utilização do prédio, constitui-se em uma das espécies de Limitações Administrativas, notadamente de caráter permissivo.

Tal estrutura, nesta linha de raciocínio, ocupa uma área de domínio não útil para o proprietário, localizada no solo, subsolo, teto ou em espaço intraparedes, que só pode ser utilizada para este fim.

A utilização de tais dutos, decorrente de Limitação Administrativa não acarreta, de forma alguma, qualquer contrapartida ou indenização ao proprietário, já que não haverá qualquer restrição ao uso do bem. O proprietário somente fará jus à indenização quando a hipótese for de servidão administrativa, quando então deverá ser verificada efetiva perda, destruição ou embaraço ao uso normal do bem.


NOTAS
______________________________

1 “Termo utilizado para caracterizar sistemas de comunicação que utilizam ondas de rádio como meio de transmissão em contraposição à utilização de cabos com fios, coaxial ou óptico. Em português tem sido traduzido por sem fio” – definição encontrada no site http://www.teleco.com.br/glossario.asp?termo=wirelessacessado em 17/07/2006.

2  Código Civil – Art. 99. São bens públicos:

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

3 No Município do Rio de Janeiro – artº 83, §1º, “e” do RLF – Regulamento de Licenciamento e Fiscalização – disponível no site http://www.rio.rj.gov.br :

“Art. 83.  Depois de terminada a construção de um prédio, qualquer que seja o seu destino, para que possa ser o mesmo habitado, ocupado ou utilizado, deverá ser pedido o “habite-se” pelo titular do processo, por meio de requerimento apresentado ao órgão estadual competente. 

§ 1º  O requerimento do “habite-se” deve ser acompanhado dos seguintes documentos: 

(…)

e) certificado de instalação das tubulações telefônicas e de sua aprovação, e comprovante de pagamento do cabo interno ou documento de isenção; [Redação dada pelo Decreto n.° 1.774, de 20/9/1978].”

4 “Constituição Federal:

Art. 9.º

§ 1º – A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”

“Lei 7.783 de 28 de junho de 1989

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

(…)

VII – telecomunicações;”

5 O Sistema TELEBRÁS era composto por uma empresa holding, a TELEBRÁS; por uma empresa carrier (operadora de telecomunicações) de longa distância de âmbito nacional e internacional, que explorava também serviços de comunicações de dados e de telex; 27 empresas de âmbito estadual local – e por quatro empresas independentes, sendo três estaduais e uma privada.

A privatização do Sistema Telebrás resultou da Emenda Constitucional n° 8, de 15 de agosto de 1995, que alterou o inciso XI e a alínea “a” do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal vigente, com a seguinte redação:

Art. 21. Compete à União:

(…)

XI – Explorar, diretamente ou  mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”;

6 Pereira, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2005, 19ª ed., pág. 278.

7 Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.