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Tribunais adotam cultura da paz

30 de junho de 2010

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A conciliação incorporou-se de vez à cultura dos tribunais brasileiros. São diversas as cortes de Justiça que decidiram “incrementar” essa iniciativa criada pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão de fiscalização e estratégia do Poder Judiciário, para dar conta do número sem fim de processos que ocupam as prateleiras de juizados, varas, câmaras ou turmas de julgamento — isso em todos os ramos especializados do Direito, em qualquer grau de jurisdição. Dessa forma, o esforço para tentar fazer com que as partes resolvam seus conflitos por meio do consenso foi ampliado e não se restringe mais à Semana Nacional da Conciliação, coordenado pelo CNJ, sempre ao final de cada ano.

Exemplificam essa nova realidade as iniciativas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJEMG), que visam a permitir a conciliação em qualquer fase do processo e a qualquer dia do ano. Um dos projetos mais recentes é o Quero Conciliar, lançado em 24 de maio último. Trata-se de um canal, disponível no portal da corte na Internet (www.tjmg.jus.br), que tem por objetivo facilitar o agendamento de audiência de conciliação. Ali, qualquer cidadão que seja parte de um processo judicial, assim como seu representante legal (advogado), tem à disposição um formulário por meio do qual pode informar seu desejo de tentar entrar em um acordo.

O pedido da parte é encaminhado diretamente à vara judicial onde tramita o processo, para verificação da possibilidade de agendamento da audiência de conciliação. Cumprida essa etapa, a parte recebe uma notificação do respectivo juízo, com informações sobre data, local e horário de sua audiência. Segundo a Desembargadora Márcia Melanez, uma das responsáveis pela iniciativa, são muitos os benefícios deste novo canal. Para citar alguns, a simplificação do acesso à Justiça, a consolidação de mais um espaço de interação com a sociedade e a disseminação da cultura da conciliação e da paz social.

A vantagem mais importante, no entanto, está relacionada à razoável duração do processo, que esta iniciativa visa a garantir, em conformidade ao texto constitucional. Atualmente somam 70 milhões o número de processos judiciais em tramitação no País. Conjugada à burocracia e às leis que permitem a interposição de uma quantidade imensurável de recursos, em muitos casos que acabam sendo utilizados com fins procrastinatórios, a morosidade se tornou uma realidade difícil de ser combatida nos tribunais do País.

Esse quadro vem mudando com a realização de reforma nas leis. A comissão de juristas instituída pelo Senado para elaborar o anteprojeto de reforma do novo Código de Processo Civil, por exemplo, incluiu a conciliação como uma etapa obrigatória a ser cumprida antes do início do processo. O texto foi entregue pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux, ao presidente do Senado, José Sarney, em 8 de junho último, e agora será analisado pelo Congresso.

Junto às mudanças legislativas, destacam-se a adoção de medidas tais como a conciliação. E os tribunais vêm apostando nisso. No Tribunal de Justiça mineiro, a Desembargadora Márcia Melanez destaca outras iniciativas, além do canal Quero Conciliar, que têm por objetivo justamente promover a cultura da paz ou do consenso, ela destaca a Central de Conciliação, criada com o propósito de fornecer resposta rápida às demandas das partes, com redução do tempo de tramitação processual. A Magistrada cita ainda o Disque Conciliação, outro canal por meio do qual as partes também podem manifestar seu desejo de partir para esta via alternativa de solução de conflitos.

“Estamos investindo nessa forma alternativa de soluções de conflito. Os números mostram que o Judiciário está sobrecarregado, e a população insatisfeita. Muitas demandas em curso na Justiça poderiam muito bem ser resolvidas pelas próprias partes”, afirmou a Desembargadora, destacando que a conciliação tem permitido ao País romper com a excessiva cultura da judicialização, existente nos próprios tribunais.

“Considerando que estamos em busca da pacificação social, que o CNJ chama de Justiça da Paz, estamos realmente investindo na conciliação como solução alternativa do conflito. E para isso, temos que começar a romper paradigmas, mesmo entre nós, operadores do Direito. Então, fazem-se necessárias essas campanhas, para mostrar que é possível conciliar. Basta a pessoa adotar uma atitude positiva diante de seu problema e assumir responsabilidade por aquilo que se comprometeu”, completou.

Ao lado da conciliação, destacam-se os investimentos na área da mediação. É o caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJERJ), que no início de junho enviou uma delegação de magistrados a Buenos Aires, capital da Argentina, para conhecer o Programa Nacional de Mediação daquele país, um dos mais bem sucedidos do mundo. O grupo foi conduzido pela Desembargadora Marilene Melo Alves.

De acordo com a Desembargadora, a mediação se diferencia da conciliação. “A mediação é um procedimento que tem mais conteúdo da psicologia, sociologia e assistência social. O enfoque jurídico é mais em termos de procedimento. Um conflito é basicamente um desentendimento. Isso significa que, em determinado momento de suas relações, as partes não conseguiram fazer uma comunicação correta. A mediação visa a proporcionar um nível de entendimento entre as partes, restabelecendo os canais de comunicação entre elas”, afirmou.

E acrescentou: “Quando se propõe uma conciliação, em linhas gerais, propõe-se que as pessoas repartam seu prejuízo e parem de brigar. Na mediação, vamos tentar saber o que as pessoas querem com o conflito. Ou seja, na conciliação, encerramos o processo. Na mediação, quando bem sucedida, encerramos o conflito”.

A iniciativa ganhou forma no TJERJ, sobretudo a partir de dezembro do ano passado, com a criação de centros de mediação, com atuação maior nas varas de família e nos juizados especiais criminais de violência doméstica. Hoje são 17 em funcionamento na Região Serrana, Região dos Lagos e Baixada Fluminense. A iniciativa, que tem o apoio do Ministério da Justiça, conta com 200 conciliadores. Outros 90 estão em fase de formação.

“A mediação é um procedimento que instauramos e que está tendo muito sucesso. Recebi um oficio de uma juíza da vara de família, que em uma audiência de divórcio foi informada pelas partes que estavam desistindo do processo de guarda de filhos e alimentos. Elas tinham sido encaminhadas para a mediação e ali se reconciliaram. Então, a mediação estabelece esse nível de comunicação entre os contendedores, de modo a fazer que os conflitos não sejam tão arraigados”, comentou.

A Desembargadora destacou a importância da mediação para conter o crescente número de processos. De acordo com Marilene, a demanda do Judiciário aumentou diante do crescimento da população e, principalmente, devido à cultura no Judiciário de se ampliar o acesso à Justiça e do fato de as pessoas estarem mais conscientes de seus direitos. “O Judiciário se vê diante de um dilema: permitir o maior acesso à Justiça e, ao mesmo tempo, garantir a qualidade do serviço, que não deve se traduzir apenas em decisões rápidas, e sim justas e ponderadas”, destacou.

De fato, as vias alternativas de solução do conflito vêm mostrando-se eficientes. Em relação à mediação, segundo a Desembargadora, as estatísticas mostram o sucesso da iniciativa no Rio. A média é de pleno acordo em 70% dos casos. Do restante, uma grande parte desiste da ação e o conflito não tem prosseguimento. Outra opta pelo consenso de forma parcial.

No que diz respeito à conciliação, dados do CNJ também confirmam o êxito da iniciativa. Os 122,9 mil acordos firmados durante a quarta edição da Semana Nacional de Conciliação, promovida pelo Conselho em dezembro do ano passado, resultaram em homologações no valor total de R$1 bilhão. Em todo o País, foram agendadas 333 mil audiências pelos 56 tribunais das justiças Federal, Estadual e do Trabalho. Destas, 260 mil foram realizadas (78,1%) e 123 mil resultaram em algum tipo de acordo (47,2%).