1935, o dia em que o trem da revolução atrasou

5 de janeiro de 2005

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A teoria põe, a realidade dispõe. Os manuais estão cansados de repetir: quando a insatisfação popular se encontra com o ideal revolucionário, é sinal de que o trem da história se pôs em movimento e urge correr para não deixá-lo passar. A prática política, desconfiada do caráter volúvel das aparências, costuma recomendar a quem espera na plataforma a ficar bem atento na hora do embarque para evitar o desastre da troca de horários ou a escolha do trem errado. A experiência  ensina que o comboio do triunfo e do revés circularam nos mesmos trilhos, e todo cuidado é pouco para não confundi-los. No Brasil de 1935, a recessão, a insatisfação nas cidades, o estado permanente de rebelião no campo e o isolamento do governo, – que virara as costas para o País como pensava a oposição, erradamente, é certo – reuniu a esquerda e os liberais numa mesma estação. Havia pressa de conciliar o povo com a nação e empurrar estruturas arcaicas do século XIX para a modernidade. Restava saber a que horas passaria o trem e como identificá-lo.

“Ontem era cedo. Amanhã é tarde. É hoje”

A propósito, que horas são? Vamos verificar o relógio de Luís Carlos Prestes. Data: 26 de novembro de 1935. Local: um aparelho  no tranqüilo bairro carioca do Leblon, onde ele e o secretário-geral do partido Comunista, Miranda (Antonio Alves Bonfim), estão reunidos e dão os últimos retoques nos planos para insurreição das unidades militares no Rio, marcando dia e hora para a ação. Miranda hesita: ao contrário do que vinha afirmando desde a chegada de Prestes ao Rio de Janeiro, vindo de Moscou, considera o levante inoportuno. Principalmente por causa da desmobilização da classe operária. Prestes reage: lembra ao seu interlocutor que ele garantira a existência de sólidas bases nas Forças Armadas, além de ter informado que os operários já tinham, inclusive, instalado bombas nos postes da Light. Se era assim, por que recuar? A reunião duraria duas horas. Miranda cedeu.

Imediatamente, Prestes assumiu o comando das operações: assinou as ordens para o levante e despachou os estafetas do partido rumo às unidades militares. “ Ontem era cedo. Amanhã é tarde. É hoje”, decidira  Lenin em outubro de 1917, quando o comitê central dos bolcheviques se opôs veemente à idéia de insurreição.

Natal, 23 de novembro: fogos de artifício. Foi essa a primeira impressão do governador Rafael Fernandes quando percebeu que sucessivos disparos abafavam a voz dos oradores na solenidade de entrega, no Teatro Carlos Gomes, dos diplomas dos alunos do tradicional Colégio Marista.

Certo, a capital vivia um clima de guerra. Os partidários de Café Filho não se conformavam com  a derrota do interventor Mário Câmara, homem de confiança de Vargas, nas eleições estaduais e hostilizavam abertamente o novo governo empossado há 26 dias. Aspiravam à anulação das eleições, com a intervenção federal do Estado. Motivo:  abertas as urnas em outubro, a vitória foi reivindicada pelos partidários de Câmara e de Fernandes. A justiça eleitoral daria a vitória este último, apoiado pelo oligarca José Augusto Bezerra de Medeiros.

Paralelamente, nos círculos militares o confronto entre a oficialidade e os subalternos parecia inevitável.  Tradicionalmente, pelos regulamentos militares, os subalternos eram desligados após oito anos de serviços ou por limite de idade. A revolução de 30 anulou tal dispositivo, mas com a promulgação da nova constituição a exigência voltou. Os subalternos reagiram aderindo maciçamente à Aliança Nacional Libertadora  e se mobilizavam em todas as frentes para reconquistar o direito adquirido, lutando de arma em punho contra a República Velha. No Nordeste, aliancistas e comunistas tinham fechado a questão: reagiram a qualquer ameaça de expurgo dos subalternos. Mas naquele sábado nada parecia anunciar uma insurreição. A cidade transpirava tranqüilidade por todos os poros. Daí o governador confundir tiros com  o espocar de fogos.

Enganou-se. E só não foi imediatamente preso porque se apressou em fugir em busca de asilo numa corveta mexicana.

“Todo o poder à ANL”

A resistência foi débil, a princípio. Rapidamente os soldados do 21º Batalhão de Caçadores ocuparam os prédios públicos, fizeram um grande número de prisioneiros e, em nome de  Luís Carlos Prestes e da ANL, criaram um governo popular, o primeiro da história do país. Das oficinas do jornal A República, rebatizado com o nome de Liberdade, o programa do governo revolucionário sairia para as mãos da massa com o slogan-manchete: “Todo poder à ANL”.

Recife, 24 de novembro. Na Vila Militar de Socorro, precisamente às 9h20min, o tenente Lamartine levantou o quartel cumprindo ordens diretas de Silo Meirelles, comandante Militar do Comitê Revolucionário do Nordeste. Uma coluna de dois mil homens, muitos deles armados com metralhadoras, fuzis e granadas marcha sobre o centro de Recife. Há forte resistência. Combate sem tréguas nos quartéis e nas ruas. Rapidamente a rebelião se propaga por Moreno, Jaboatão e cidades vizinhas.

A adesão popular é espontânea. Em Pernambuco, como em todo o Nordeste, os cinco anos que se sucederam à Revolução de 30 foram pródigos na multiplicação de atritos. Os protestos populares seguiam sempre o mesmo roteiro: o governo tentando reprimir a massa de um lado, o exército procurando defendê-la de outro. Em inúmeras ocasiões, a tropa ora recusava a recorrer à violência para dissolver manifestações, como no caso da greve de Great-Western, a linha férrea, ora entrava em confronto com a força pública para impedir a repressão se desencadeasse. Por isso, ganhava força uma crença: qualquer movimento contra o governo que tivesse o exército como epicentro contaria com sólido respaldo popular. Um fato era fora de dúvida: Pernambuco se constituía num dos mais férteis terrenos para a pregação da ANL.

A estratégia da ação

Rio, 27 de novembro. 2h30m: o tenente Leivas Otero, responsável pela defesa do principal ponto estratégico do 3º. Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, deu uma rajada de metralhadora para o ar. Era o sinal. Imediatamente cada um dos integrantes da companhia do 3º Regimento de Infantaria, aliancistas e comunistas, aprisionaram os comandantes e oficiais subalternos, imobilizaram os sargentos e assumiram o comando da tropa, liderados pelo capitão Agildo Barata. Quase na mesma hora espocava o tiroteio na Escola de Aviação ao lado da Vila Militar.

Despojado do elemento surpresa, devido à prontidão, o plano do 3º. RI foi alterado na última hora. O fator surpresa foi substituído pelo fator ação. E nessa nova concepção estratégica, o tenente Otero jogava papel de essencial relevo. Não pela sua posição pessoal (Leivas era irmão do secretário particular de Vargas, Augusto Leivas Otero), mas pela sua posição de comando.

O quartel do 3º. RI não existe mais. Dos seus três imponentes pavilhões, sobreviveram apenas dois edifícios laterais. O resto foi destruído no tiroteio, pelos bombardeios e pelo incêndio na batalha que duraria até a manhã do dia 28. Mas naquela madrugada, hoje perdida nas brumas da história, o quartel do 3º. RI era uma construção sólida e suficientemente ampla para abrigar 1.700 homens, a maioria comprometida com o esquema do governo.

O núcleo aliancista era reduzidíssimo. Somado com a célula do Partido Comunista, contava com três dezenas de militantes. Daí o valor estratégico da ação de Otero. Ele estava de prontidão na balaustrada que separava o pátio do quartel. Três metros de altura por seis de largura, içados entre o morro da Urca e da Babilônia. Um local privilegiado para a instalação de armas automáticas. Quem o ocupasse, dominaria o movimento das tropas.

O comandante do 3o. RI, José Fernando Afonso Ferreira, não desconhecia a realidade. Escolhera Otero para o posto pelo seu parentesco com um funcionário graduado do Catete e dera ordens expressas: as tropas só poderiam sair dos alojamentos caso ele pessoalmente desse ordens. Assim, a ação do tenente Otero foi decisiva para que por dez minutos os revoltosos arrebatassem todos os comandos, quase sem encontrar reação.

Na escola de Aviação, também o fator ação seria vital. Os boatos em torno de um possível levante circulavam há dois meses e, cauteloso, o comandante Ivo Celso, excluíra da prontidão os militares suspeitos: os capitães Sócrates Gonçalves da Silva, Agliberto Vieira de Azevedo e os tenentes Ivan Ribeiro e Dinarco Reis. Todos os líderes do movimento conspiratório. Num Opel, com Sócrates ao volante, o grupo de oficiais furou o bloqueio, aproveitando-se de um descuido do sentinela e levantou a Escola. Dos alojamentos, grupos de aspirantes saíram disparando armas aos gritos: “Viva a revolução!”.

Falta de sincronia

O regime liberal é inegável, elastecera as liberdades públicas. Mas não resolveu o conflito entre o Brasil moderno, clamando por reformas, e o Brasil tradicional, insistindo em permanecer ancorado na primeira república. Então, a esquerda detectou a inviabilidade do entendimento.  E, ao difundir a palavra de ordem da insurreição, acreditava que o poder tinha se colocado ao alcance das mãos.

O tempo deu uma marcha rápida e triunfante dos quartéis do Rio de Janeiro sobre o Palácio do Catete. Assim imaginava o comando da rebelião. Teria razão? A hora de seus relógios coincidia com a hora marcada pelos ponteiros dos relógios dos operários e camponeses? Seria o mesmo momento registrado nos documentos da nova orientação da Internacional Comunista que pregava insurreições armadas em toda a América Latina?  As contradições da realidade indicavam ter efetivamente chegado a hora da tomada do poder ou não passavam de sinal de alerta? Enfim, estava em marcha o comboio da revolução ou do revés?

Os fatos. Operários e camponeses não foram convidados a tomar assento no comboio da insurreição. Estavam insatisfeitos, em estado de rebelião, mas só tomaram conhecimento de que o trem da história se atrasou quando leram nos jornais o noticiário da derrota na rebelião e viram desfilar pelas ruas de Natal, Pernambuco e Rio de Janeiro as tristes levas de prisioneiros fardados, sob pesada escolta policial. Aliás, não foi por falta de avisos que o comando revolucionário esqueceu de emitir tão preciosos  convites. Nas vésperas da rebelião, o jornalista Barreto Leite Filho conseguira fazer chegar a Prestes, seu velho conhecido, uma longa carta denunciando o conteúdo baluartista dos informes difundidos pela direção do partido.

Militante ativo, intelectual de sólida formação marxista, Leite Filho vivia angustiado com a revelação feita por um influente dirigente do partido no Rio: “Nós temos 50 mil camponeses armados, prontos para entrar em ação quando for necessário”.

Leite Filho conhecia Prestes desde a época da dissolução da Coluna. O entrevistara na Bolívia para O Jornal (1928). E se transformara em seu homem de confiança na imprensa: publicara seu manifesto de adesão ao comunismo no Diário da Noite (1930) e fora redator do manifesto de criação da efêmera Liga de Ação Revolucionária, criada e desfeita por iniciativa de Prestes.

Tantas credenciais o encorajaram a intervir quando soube dos rumores da insurreição. Reuniu um grupo de intelectuais do partido e, como porta-voz, resolveu escrever a Prestes num tom pessoal. A carta expressa várias preocupações-chaves: chama atenção para a profusão de conceitos em torno da revolução brasileira que em pouco mais de uma década foi agrária e antiimperialista, operária e camponesa e, por fim, nacional-libertadora; indaga sobre os elos de ligação entre as três formulações e as vias para transformá-las numa revolução proletária socialista; relativiza a força da ANL (“Como movimento de agitação, foi o maior que já  vi no Brasil, com o seu caráter. Mas este desenvolvimento deu sem nenhuma cristalização organizada, sem nenhuma consistência interior, sem nenhuma capacidade de resistir…”). E conclui com a inadequação dos fundamentos da linha do partido à realidade brasileira.

Palavras proféticas. Prestes não lhes deu ouvidos. Quando recebeu a carta, Leite Filho já tinha sido sumariamente expulso e seu nome divulgado no jornal do partido com o estigma de traidor.

Se os relógios dos camponeses e dos operários sequer foram ativados, a sincronização entre os militares não era perfeita. E quando a insurreição eclodiu, instaurou um clima de desencontro. Por avanço ou por atraso, a hora não coincidiu em todos os quartéis. A Vila Militar rebelou-se contra o movimento e não contra o governo. Foram seus homens que esmagaram o levante na escola de aviação e no 3ª RI. A Marinha ficou neutra. No Rio Grande do Sul e no resto do país a única voz a se levantar foi a dos conservadores, aproveitando a oportunidade para decretar o estado de sítio e calar por antecipação qualquer eventual reação operária.

Sem diálogo

A Aliança Nacional Libertadora era, a um só tempo, o produto da expansão, o pilar de sustentação e o problema dos comunistas. Graças à frente ideológica, deixara de viver na obscuridade e de atuar na órbita puramente classista para ser um partido de toda a nação brasileira. Seu raio de ação estava multiplicado infinitamente: penetrava desde campos supostamente exóticos para as condições da época, como a defesa dos índios e dos negros, até a luta intransigente em favor da democracia e do capital privado nacional.

Em contrapartida, a administração de alianças conflituosas era uma questão de vida ou morte. Voltava ao ponto de partida. Como ser aliado da burguesia e inscrever a ruptura com o sistema capitalista no seu programa?

Uma ambigüidade puxa outra. Em lugar de tirar do caos político uma aliança ordenada, concentrando o foco das suas energias no antifascismo, os comunistas se deixaram confundir pela miragem do seu próprio vigor e enredaram numa teia de equívocos. Substituíram a preocupação com a consistência teórica pela radicalização do discurso, o trabalho de massa pelo recrutamento nos quartéis e a análise concreta da realidade concreta pela realidade aparente. Assim desperdiçaram energia na luta prematura pelo poder, em lugar de reforçar a frente antifascista, o elo realmente forte da corrente de alianças.

Na raiz deste e de outros equívocos vai germinar e amadurecer a opção putchista. Aconteceu o seguinte: quando Vargas, num gesto ousado, resolveu passar à contra-ofensiva e ceifou o liame que unia a Aliança à legalidade, o partido viu na decisão uma declaração de guerra. Refluiu para a clandestinidade. Fez o divórcio do trabalho de massa e partiu para o ataque. Traçou uma estratégia de dupla orientação. No Nordeste, adotaria uma política insurrecional, respaldada pela forte penetração entre os militares subalternos, em especial no Recife e Natal, contando com a adesão espontânea do campesinato e da população das cidades.

No centro-sul, tentaria uma composição – como tentou – com os liberais, em especial o general Flores da Cunha, com legítimas ambições à Presidência da República.  E, também, com Pedro Ernesto, um político de rara popularidade. Como prefeito da Guanabara, então capital federal, revelara uma personalidade carismática e empreendedora, melhorando as condições de vida nas favelas cariocas, construindo escolas, hospitais e ambulatórios de clínica gratuita.

Teoricamente parecia dificílimo, mesmo o partido logrado, manter a aliança na legalidade e articular faces tão díspares de um processo de tomada de poder dessa natureza. No bojo de uma insurreição, o diálogo entre os dois fronts simplesmente não aconteceu. Houve um curto circuito e a revolta explodiu de forma descontrolada. O elemento surpresa volatizou nos primeiros momentos do levante de Natal e deu chances ao governo de tomar providências para se resguardar em todos os campos.

Por outro lado, propiciou a Vargas um pretexto singular para celebrar um armistício provisório com todos os seus adversários do círculo de poder. Posteriormente, um a um, seriam descartados, pois, derrotados os comunistas, ficou livre o terreno para a aproximação com os militares conservadores e a substituição do projeto democrático pela ditadura.

Junto com a esquerda, foram afastados os liberais. E logo a seguir, fechadas as cortinas de ferro do Estado Novo.

Além da retaguarda

O esquema defensivo fora premiado pela ingenuidade dos revoltosos, agindo no estilo dos levantes da década de 20: um dos oficiais aliancistas, o tenente Augusto Paes Barreto, foi preso quando tentava aliciar o comando das tropas que guarneciam o Ministério do Exército. Interrogado pelo general Eurico Gaspar Dutra, comandante da 1a. Região Militar, declinou os nomes conhecia.

Vargas poderia tê-los mandado prender. Preferiu deixá-los agir sob controle. Confiante, deitou para descansar antes da meia-noite e só acordou nas primeiras horas da madrugada, quando Filinto Muller ligou para o Catete avisando o estouro do levante. Agora sim, era o momento de correr na frente da História e, num movimento brusco, destruir seus inimigos principais e calar o coro oposicionista iniciado dentro das hostes governamentais. Politicamente, sua técnica lembra a guerra de guerrilha. Ou seja, fustigava o inimigo até levá-lo ao desespero e recuava, forçando-o a avançar muito além de sua retaguarda. Aí, atacava sem clemência.

Assim, a frente cerzida com os liberais enfraqueceu e os comunistas não viram. Estavam tão preocupados com o horário do trem da história que, na pressa, tomaram o assento no vagão errado. Tomaram assento ao lado do revés, viajando disfarçados com trajes revolucionários que lhe cobriam de honras. Quando perceberam o engano, era tarde. No dia 27, antes de ser fechado, “A Manhã” noticiou o acontecimento de forma sensacional: Carlos Prestes à frente da insurreição armada no Rio. Fora impresso precipitadamente e, portanto, desconhecia o trágico epílogo. Logo Prestes e todos os revoltosos estariam condenados a longuíssimas penas.

A polícia agia com poderes incontroláveis. Prendia, espancava e torturava qualquer pessoa suspeita de ser contra o governo. Em Natal e Recife mais de mil soldados, cabos e sargentos foram presos. No Rio, os presos foram tantos – mais de dois mil – que o maior navio do Lóide Brasileiro, o Pedro I, foi transformado numa imensa prisão flutuante. Operários, lavradores, soldados, escritores, professores universitários e políticos, todos eram diariamente submetidos a interrogatórios e torturas das mais bárbaras formas. Todo o comitê central do Partido Comunista Brasileiro foi preso, assim como toda a direção da proscrita ANL. Por pouco, o general João Gomes, ministro da Guerra, não fuzilou os revoltosos. Mas nenhum dos assessores do comintê escapou à tortura. Harry Barger foi torturado até a loucura e sua mulher, Elise Ewert, várias vezes seviciada na sua frente pelos homens da Polícia Especial, teve os seios cortados e foi mandada para um campo de concentração na Alemanha, onde morreu; Victor Allan Baron, especialista em comunicação foi morto; e Prestes, não foi torturado, mas passou dez anos em completa incomunicabilidade. Sua mulher, Olga Benário, foi deportada para um campo de concentração na Alemanha: lá morreu.

A onda de prisões alcançou também escritores, como Hermes Lima e Graciliano Ramos. Este último ficou mais de dois anos na cadeia, depois de ter sido detido em Maceió por causa de uma denúncia anônima de um integralista. Seu livro, “Memórias do Cárcere”, transformado em filme-denúncia por Nelson Pereira dos Santos, relata com fidelidade o drama dos presos de 35. Houve protestos na imprensa internacional, nos jornais brasileiros, no parlamento e nos meios intelectuais. De nada adiantaram. Uma revolução para transformar a sociedade precisa realmente acontecer. Em contrapartida, se fracassa e projeta só uma sombra, é o bastante para provocar o retrocesso e a contra-revolução. O partido sentiu a violência dessa cruel lei da História e como força política, o partido deixou de existir.

Presos os comunistas, abafado o pensamento liberal, era chegada a hora da noite autoritária. Foi assim em 1935. Foi assim no pós-64.  Mas o Brasil resiste a mudar. Não se dá conta como a pensamento conservador e autoritário é arraigado no País, e mesmo depois de duas décadas de democracia, esquerda e liberais ainda se enfrentam sem atentar para o desafio maior: a edificação de uma democracia autêntica, de massa, sem o cabo de guerra da exclusão social e a inércia das elites, sem o cabo de guerra do discurso e de uma prática que ignora a realidade. A novidade é que setenta anos depois da polícia de Vargas expedir ordem de prisão contra Castro Alves, perigoso agitador baiano, – morto em 1871! – vai ser muito difícil se deixar enganar pelas aparências. O anti-comunismo morreu. Um operário foi eleito presidente à frente de um partido de esquerda. Não se comemora mais nos quartéis a derrota da Intentona Comunista – uma espécie de conspiração – que, aliás, nunca existiu. O que ocorreu foi um levante de verdade. Faltou, sim, massa popular. Foi uma Comuna de Paris versão tropical. Não deu certo, mas deixou um ensinamento: é mito pensar que o brasileiro é passivo. Ou que a questão social pode ser jogada sob o tapete. Caso contrário, não teria tanta gente na plataforma em 1935 à espera do comboio da revolução que, infelizmente, não chegou. Mas que hoje promete chegar na hora certa para uma revolução de novo tipo. Pelo voto.