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OAB, 90 anos – Essencial para o Brasil

4 de dezembro de 2020

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Comemorar os 90 anos da Ordem dos Advogados do Brasil à frente da entidade é uma grande honra, e também enorme responsabilidade. Em um dos momentos mais sensíveis da história contemporânea, é mister saber honrar nossa história, manter a vigilância sobre o presente e ter os olhos no futuro.

A OAB foi criada pelo presidente Getúlio Vargas em 1930, em um dos primeiros atos do governo. Teve origem na nossa entidade irmã, o Instituto dos Advogados Brasileiros, que, por 87 anos, debateu a cultura jurídica nacional, exercendo um papel expressivo no conjunto da vida política do País. Rapidamente, a OAB tornou-se parte indissociável da trajetória brasileira de fundação e consolidação da nossa democracia. Transcendeu seu papel fundamental de defensora da advocacia e assumiu também posição como referência na proteção da sociedade e como voz constitucional da cidadania. Desde então, se firmou como a entidade indispensável para a advocacia, e instituição essencial para o Brasil.

Na exposição que conta um pouco dessa história de 90 anos da Ordem, hoje instalada no prédio do Conselho Federal em Brasília, é lembrada a gênese de um dos pilares fundamentais da nossa entidade: “Ciente da importância do acesso à Justiça, logo após a instalação do Conselho Pleno, em 1933, e cerca de meio século antes das Defensorias Públicas serem instituídas como órgãos oficiais, prestou assistência judiciária, promovendo a inclusão e assumindo papel central para garantir o acesso da população brasileira menos favorecida à Justiça. Aflorava desde muito cedo, portanto, a inclinação da OAB para aquilo que viria a se tornar uma de suas principais bandeiras: a defesa do direito de defesa.”

Desde então, a história da Ordem se confunde com os grandes marcos da história do País e no processo sempre inacabado de construção da nossa República. A OAB exerceu protagonismo em duas Constituintes, levantou-se no combate à ditadura militar, foi uma das entidades que se colocaram de pé na campanha das Diretas Já.

Como a voz daqueles impedidos de ter voz em períodos sombrios, a entidade levou a cabo iniciativas que entrariam para a história, especialmente em momentos de crise. Designou advogados para a defesa de presos políticos durante o Estado Novo, foi linha de frente na denúncia de arbitrariedades e torturas durante o regime militar. Em 1980, há exatos 40 anos, D. Lyda Monteiro, secretária do então Presidente Eduardo Seabra Fagundes, morreu vítima de atentado terrorista. No mesmo dia, foi criada de forma permanente a Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB. Nas palavras de Seabra Fagundes, “o atentado vinha dos quintais do governo”.

Com o fim da ditadura e a nova Constituição, promulgada em 1988, a advocacia alcança status constitucional. O art. 133 da Constituição Federal estipula que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, determinando a indispensabilidade do advogado por cumprir função essencial à concretização da Justiça. A inviolabilidade de que trata nossa Constituição atende aos princípios pétreos do Estado Democrático de Direito – a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal – direitos esses garantidos a todo cidadão e, por decorrência, ao advogado e à advogada no exercício de sua atividade em defesa da cidadania.

Na busca de garantir a indispensável dignidade ao exercício da advocacia, a OAB empreendeu grandes campanhas contra o aviltamento de honorários, conseguindo inscrever no novo Código de Processo Civil, o Código Fux, em 2015, regras claras para o estabelecimento dos honorários.

Chegamos, portanto, aos 90 anos, com grandes conquistas – os avanços da advocacia sempre foram acompanhados de avanços da democracia, do Estado de Direito. Ao contrário, toda vez em que se abalam os pilares democráticos da República, os ataques à advocacia, às suas prerrogativas e à OAB se apresentam.

Nas palavras do nosso patrono Ruy Barbosa, “a liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições”.

Aqui chegamos honrando as ideias de Ruy. O que acontece no Brasil e no mundo, com ondas de ataques às instituições, ameaças à democracia e a avanços civilizatórios, exige da sociedade civil vigilância e atitude para impedir retrocessos.

Apenas no período mais recente, em que o País enfrenta a epidemia da covid-19, a Ordem foi ao Supremo Tribunal Federal e garantiu, com sua ação, que fosse mantida a Lei de Acesso à Informação e o respeito aos princípios federativos que garantem que estados e municípios possam tomar medidas quanto à pandemia. Elaborou também parecer jurídico que rechaçou a tese de que o art. 142 da Constituição conferiria às Forças Armadas papel de “poder moderador”, com possibilidade de intervenção em caso de conflito entre os Poderes.

Essas ações mais recentes confirmam o papel histórico da Ordem na defesa dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e de expressão, do Estado Democrático de Direito. Papel que tem amplo reconhecimento da sociedade. Em pesquisa realizada em 2019 pela Associação dos Magistrados Brasileiros, em parceria com FGV e Ipespe, a Ordem aparece como a organização da sociedade com mais confiabilidade para a população.

O legado construído ao longo desses 90 anos tem como personagens centrais os mais de 1,2 milhão de advogadas e advogados brasileiros. A referência destes profissionais é instantânea na cidade mais longínqua do nosso imenso e desigual País. Seu trabalho e coragem para reivindicar direitos com maestria e competência é fundamental para o bem-estar social, mesmo padecendo de dificuldades básicas em labor, enfrentando muitas vezes estruturas precárias e reiteradas violações de suas prerrogativas, que são, em verdade, direitos dos cidadãos que defendem.

Uma advocacia em constante transformação certamente tem desafios para o futuro. A efetividade das prerrogativas do advogado; o necessário equilíbrio entre acusação e defesa; a regulamentação das novas formas de prestação de serviço; a coibição do exercício ilegal da advocacia; o debate de novos parâmetros de compliance fazem da Ordem o locus para a discussão e a definição dos rumos da categoria, de aperfeiçoamentos legislativos e da garantia dos seus direitos fundamentais.

A permanência e ampliação das nossas vitórias estão, como sempre estiveram, na permanência e ampliação dos avanços civilizatórios, da democracia e do respeito às leis.

A Constituição de 1988 incorporou o sentido de direitos humanos, indicando serem indissociáveis os direitos civis e políticos e os direitos sociais, econômicos e culturais. Ferir os direitos humanos do cidadão brasileiro, por qualquer discriminação por gênero, raça, credo, orientação sexual ou opinião, fere a Constituição.

Da mesma forma, a Carta Magna estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Quem causa danos ao meio ambiente ou se omite nas políticas públicas para sua preservação, portanto, agride esse bem comum, e agride a nossa Constituição.

O direito ao contraditório e à ampla defesa, consagrados na nossa Constituição, não podem ser apenas inscrições em folha de papel. São pilares do Estado Democrático de Direito. O enfrentamento indispensável às imperfeições e desvios de todo tipo da nossa sociedade nunca poderão ser feitos ao arrepio desses princípios constitucionais. Aquele que, sob qualquer pretexto, despreza o direito de defesa, estará desprezando nossa Constituição.

Assim, a OAB se situa onde sempre esteve, na defesa do Estado Democrático de Direito, ao seguir a trilha do antirracismo, da defesa do meio ambiente e do avanço da civilização. Honra nossos princípios ao reagir a cada tentativa de cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa, combater a propagação de notícias falsas, a desinformação, em especial nas redes sociais, com o seu efeito nefasto para a democracia.

Ao celebrar os 90 anos da Ordem dos Advogados do Brasil, homenageio as advogadas e os advogados que constroem nossa entidade, batalham por Justiça e honram seu juramento de “exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

Esse compromisso é a argamassa que une a advocacia, garante a relevância de sua atuação, e mantém seu o olhar para o futuro, vigilante, ciente de que que não existe direito assegurado que não possa ser violado. Daí a necessidade da advocacia forte, respeitada e valorizada como guardiã de cidadãos e cidadãs. Os próximos 90 anos começam agora.