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Constitucionalidade, atualidade, representatividade, governabilidade

31 de agosto de 2006

Presidente do Conselho Editorial e Consultor da Presidência da CNC

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Pelo lado político, essa decantada ingovernabilidade é um argumento que não se põe de pé. Por algumas razões inarredáveis. A pri-meira delas é que o presidente da República, à época da promulgação da Cons-tituição, era o hoje senador José Sarney, que concluiu o seu mandato em 15 de março de 1990, data em que assumiu o novo presidente eleito, Fernando Collor. Este, afastado pelo “impea-chment” teve o restante do seu mandato cumprido pelo vice, Itamar Franco. A se-guir, os oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso e, agora, há mais de três anos, o do presidente Lula.

Ora, se o País fosse ingo-vernável – só para citar o período Collor – o vice Itamar Franco não teria assumido, como aconteceu com o vice Pedro Aleixo. Vale dizer: deve-se à Constituição de 1988 a vivência de um período democrático, sem paralelos, no Brasil.

Creditar à Constituição todos os equívocos – como se faz na atualidade – é esquecer o instante histórico em que ela foi elaborada, quando participaram da sua feitura políticos cassados, guerrilheiros, banidos, re-vanchistas etc., que, sem dúvida, contribuíram para o detalhismo condenável, como se vê nas relações de trabalho e o papel do Estado na economia. Sem contar, à época, com a chamada dico-tomia entre os regimes capitalista e comunista.

Por outro lado – e essa é a validade que se tenta esconder – apesar de ser o Brasil uma Federação, as principais decisões sempre foram tomadas pelo governo central. Com a Constituição de 1988, a Federação ficou restabelecida, inclusive com a possibilidade de o Estado membro legislar concorren-temente sobre uma série de matérias e, o que é digno de destaque, dispor de recursos para pôr em prática sua administração.

Foi com a Constituição de 1988 que se deu ênfase à descentralização adminis-trativa, comprovando que o melhor governo é o que governa mais perto do ci-dadão, o qual poderá recla-mar os seus direitos direta-mente à Prefeitura ou ao governo do Estado, com a facilidade de que jamais dispôs em Brasília.

Essas críticas, portanto, não procedem em relação à Constituição Federal. E é por isso que me filio à corrente daqueles que, sensatamente, defendem uma mudança radical no Pacto Federativo e não na Carta Magna de 1988.

Miniconstituinte ou novo pacto constituinte

Já surgiram numerosas declarações sobre a convocação de uma Constituinte restrita ou miniconstituinte, às quais – com o respeito que os seus defensores merecem – é necessário, senão indispensável, fazer algumas oposições. –

Qual a semelhança entre o Brasil de hoje e o de 1964?

Vamos retroagir um pou-co no tempo.

No primeiro semestre de 1964, sob os impulsos de um movimento popular, fruto ou não de equívocos, as Forças Armadas, com o apoio, manipulado ou não, de significativa parcela da classe política (parlamentares, governadores e prefeitos), destituíram o presidente da República e operaram lesões na ordem político-institu-cional vigente através dos chamados atos institucionais.

Depois de um período de convivência da Constituição de 1946 com os Atos Institucionais, o Congresso Nacional foi chamado a institucionalizar o quadro jurídico resultante, através da elaboração da nova Constituição, que foi promulgada em 24 de janeiro de 1967 e entrou em vigor em 15 de março do mesmo ano.

Durou pouco e, no curto espaço de tempo de sua vigência, ouviram-se as pri-meiras vozes em favor da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, idéia que, informalmente, foi defendida, desde abril de 1964, pelo saudoso Senador pela Bahia, Aluísio de Carvalho Filho. A idéia não prosperou, uma vez que  em 13 de dezembro de 1968 o estamento militar impôs ao presidente da República a edição de Ato Institucional n° 5, promovendo a completa ruptura político–institucional.

Eis aí o motivo forte de então para a convocação da Assembléia Nacional Cons-tituinte: a completa ruptura político-institucional. E dela decorreram todas as ações políticas que tiveram curso no País.

Como pois, no momento atual – apesar dos problemas econômicos – quem pode negar a existência de um tempo excepcional de liber-dade e da plenitude do Estado de Direito?

É o que me leva a adotar opinião contrária ao cha-mado novo pacto cons-tituinte.

Ademais, a doutrina con-siste em ver a Constituição como lei fundamental, onde se resguardam, acima e à margem das lutas de grupos e tendências, alguns poucos princípios básicos, que uma vez incorporados ao seu texto tornam-se indiscutíveis e insuscetíveis de novo acordo e nova decisão. Como não é todos os dias que uma comunidade política adota um novo sistema cons-titucional ou assume um novo destino, cumpre extrair da Constituição tudo o que permite a sua virtualidade, ao invés de, a todo instante, modificar-lhe o texto, a reboque de interesses meramente circunstanciais.