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A arbitragem comercial internacional na Itália: Um panorama sintético

3 de janeiro de 2019

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A arbitragem é atualmente uma das formas de resolução de controvérsias mais utilizadas no âmbito do comércio internacional, graças às diversas vantagens que apresenta, por exemplo, com relação ao processo estatal: celeridade, possibilidade de escolher os árbitros e relativa competência e especialização, caráter sigiloso, entre outros. Em origem destinada somente a questões de alto valor econômico, hoje a arbitragem é utilizada inclusive em litígios menores e tem ampla difusão em praticamente todos os continentes.

As empresas italianas também utilizam frequentemente tal mecanismo, como demonstram as recentes estatísticas de alguns dos maiores centros internacionais especializados nesta tipologia de solução de disputas. O grande intercâmbio comercial entre o Brasil e a Itália e a presença empresarial italiana no Brasil determinam o interesse em conhecer os traços principais da arbitragem internacional italiana, vista a possibilidade de escolha do direito italiano para a sua regulamentação e ainda que tal procedimento seja realizado fisicamente alhures.

A disciplina da arbitragem interna e internacional italiana é contida no Livro IV, Título VIII, do Codice di Procedura Civile, especificamente nos arts. 806 a 840, tendo sido objeto de reformas em 1983, 1994 e 2006. O ordenamento jurídico italiano aplica idêntica disciplina tanto às arbitragens nacionais quanto às internacionais, adotando, portanto, um modelo monista, com exceção de alguns aspectos
relativos às consequências da anulação do laudo,
que são submetidas a uma disciplina específica.

O sistema jurídico italiano apresenta a peculiaridade de conter duas formas de arbitragem, a arbitragem ritual e a arbitragem irritual (também conhecida como arbitragem imprópria). A arbitragem ritual, regulada pelos arts. 806 e ss. do CPC produz um laudo cujos efeitos podem ser equiparados à sentença judicial, podendo inclusive converter-se em título executivo após a homologação do juiz. É a forma amplamente mais utilizada na prática.

Além da arbitragem de direito comum, o Direito italiano também prevê formas de arbitragens específicas em tema societário (disciplinada pelos arts. 34 a 36 do Decreto Legislativo no 5, de 17 de janeiro de 2003), trabalhista (regulamentada pela Lei no 183, de 4 de novembro de 2010); e em matéria de “obras públicas” (regida pelo Decreto Legislativo no 163, de 12 de abril de 2006).

Em 2017, algumas propostas normativas em tema de arbitragem foram elaboradas pela assim chamada Comissão Guido Alpa, presidida pelo renomado jurista e nomeada pelo Ministério da Justiça italiano. Entre tais propostas, salienta-se, pela pertinência com a arbitragem internacional, a introdução da possibilidade de um “recurso per saltum” à Corte Suprema de Cassação italiana nos casos de ação anulatória para a impugnação do laudo arbitral inválido ex lege (sem necessidade de transitar pelo segundo grau de juízo, que tem competência originária para a eventual ação de anulação), e a extensão dos poderes do árbitro de conceder medidas cautelares em caso de arbitragem administrada, antes inexistente. Tais propostas, todavia, ainda não foram aprovadas pelos órgãos legislativos.

A Itália também faz parte de diversas convenções internacionais a respeito do tema, que constituem, portanto, lex especialis, entre elas a Convenção de Nova York, de 10 de junho de 1958, sobre o reconhecimento e execução de laudos arbitrais (em vigor desde 1o de maio de 1969), a Convenção de Genebra de 21 de abril de 1961 sobre a arbitragem comercial internacional, em vigor desde 1o de novembro de 1970 e, em tema de arbitragem de investimentos, a Convenção de Washington de 18 de março de 1965, em vigor desde 28 de abril de 1971.

Além do aspecto estritamente normativo, cabe salientar que a arbitragem, enquanto modelo de resolução de controvérsias na Itália, também se beneficia de uma mudança cultural favorável: nos últimos anos tem se verificado um posicionamento bastante flexível e respeitoso por parte da justiça estatal, com amplo reconhecimento dos laudos estrangeiros. Da mesma forma, os arbitralistas não constituem mais um grupo consolidado e fechado, concentrado nas duas principais cidades italianas – Roma e Milão; atualmente o setor atrai cada vez mais jovens em todo o território nacional.

No que concerne à prática da arbitragem, em 1987 foi criada a Câmara Arbitral Nacional e Internacional da Câmara de Comércio de Milão; esta instituição, muito ativa no estudo e na promoção dos métodos ADR em geral, experimenta, ultimamente, uma constante expansão nas arbitragens internacionais, que chegaram a representar 19% do total dos processos realizados em 2017. O seu regulamento foi reformado em 2010, a fim de garantir uma ampla liberdade das partes no que concerne à escolha de diversos aspectos da arbitragem administrada (sede, lei aplicável, língua, etc.) e, ao mesmo tempo, uma presença da câmara arbitral a fim de garantir elementos quais a independência e imparcialidade dos árbitros e da duração dos procedimentos.

Tradicionalmente ativa no setor também é a Associazione italiana per l’Arbitrato – AIA, fundada em 1955 e com sede em Roma. Dentre as principais atividades desempenhadas pela mesma, salienta-se a publicação quadrimestral, a partir de 1990, do periódico especializado Rivista dell’arbitrato, que contém análises doutrinárias e da jurisprudência, ordinária e arbitral, italiana e estrangeira, além de trazer documentação e notícias atuais sobre o tema em geral.

Para concluir, se no passado o sistema jurídico italiano pode ter sido visto como pouco liberal e não especialmente eficaz no que concerne a disciplina (lato sensu) da arbitragem comercial internacional, esse quadro tem mudado rápida e radicalmente. Este sistema-país pode hoje colocar-se entre as mais reconhecidas praças no setor. Ao mesmo tempo, a complexidade dos problemas que a matéria em si apresenta, em termos de fontes, relação com o poder judiciário e elementos de internacionalidade, entre outros, requer um específico conhecimento do instituto e do ordenamento por parte do operador jurídico interessado.

Pátio interno do Palazzo F. Turati

Palazzo F. Turati, sede da Camera di Commercio di Milano e da relativa câmara arbitral

 

Notas___________________________________

1 Segundo as estatísticas da Câmara de Comércio Internacional de Paris, em 2017 as empresas italianas encontravam-se em sexto lugar na classificação com base na nacionalidade das partes das arbitragens realizadas em tal instituição, precedida, nesta ordem, pelos EUA, Alemanha, França, Brasil e Espanha. Segundo a London Court of International Arbitration, em 2017 a Itália foi o quarto país europeu quanto ao número de arbitragens com sede em tal instituição.

2 O relatório anual publicado pela Embaixada da Itália no Brasil revela que, em 2016, a Itália ocupava a quinta posição entre os principais países exportadores para o Brasil e a nona posição enquanto destinatário das exportações brasileiras. Cfr. Ambasciata d’Italia, Brasile (a cura di), Infomercati esteri, Brasile, p. 2.

3 A Itália é o sexto país em termos de investimentos diretos no Brasil (sendo superada somente pela Espanha, na zona do Euro), com mais de 2,7 milhões de dólares em 2016. Cfr. Idem, ibidem.

4 Para um exame pontual veja-se Radicati di Brozolo, Luca, Requiem per il regime dualista dell’arbitrato internazionale in Italia? Riflessioni sull’ultima riforma. In: Rivista di diritto processuale, 2010, no 6, p. 1267 ss.

5 Commissione di studio per l’elaborazione di ipotesi di organica disciplina e riforma degli strumenti di degiurisdizionalizzazione, con particolare riguardo alla mediazione, alla negoziazione assistita e all’arbitrato, nomeada em conformidade com o Decreto Legislativo do Ministério da Justiça italiano, de 7 de março de 2016. O documento final encontra-se disponível no endereço web https://www.giustizia.it/giustizia/it/mg_1_36_0.page?facetNode_1=1_9(2016)&contentId=COS119700&previsiousPage=mg_1_36

6 Com relação a tal possibilidade que, como é sabido, foi introduzida no Brasil através da reforma atuada pela Lei no 13.129 de 26 de maio de 2015, havia se pronunciado em sentido favorável lamentando, ao mesmo tempo, a diversa situação italiana Briguglio, Antonio, Prospettive d’indagine e spunti comparatistici considerando la “Legge sull’arbitrato” brasiliana anche dopo la novella del 2015. In: Rivista dell’arbitrato, no 1/2016, p. 33 ss.

7 Como é sabido, este importante instrumento, ratificado pelo Brasil em 2002, regulamenta duas questões centrais do processo arbitral, ou seja, a derrogação da jurisdição estatal e o reconhecimento do laudo no exterior. Sobre o estado atual das ratificações, que supera o número de 159 Estados, consulte-se http://www.uncitral.org/uncitral/es/uncitral_texts/arbitration/NYConvention.html

8 Conforme constata Azzali, Stefano, Introduction, in The European, Middle Eastern and African Arbitration Review, 2013, p. 1.

9 Cfr. https://www.camera-arbitrale.it/it/index.php

10 A versão em língua portuguesa do Regulamento encontra-se disponível junto ao endereço web http://www.camera-arbitrale.it/Documenti/cam_rules_2010_pt.pdf