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A arte como meio de recuperação

31 de dezembro de 2011

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Uma iniciativa que visa estabelecer o diálogo entre detentos e a sociedade tem, de fato, mudado a realidade na Penitenciária José Parada Neto, na cidade de Guarulhos, em São Paulo. Idealizado pelo juiz da Vara de Execuções Criminais daquela comarca, Jayme Garcia dos Santos Júnior, o projeto “Como vai seu mundo?” oferece uma série de oficinas relacionadas a teatro, capoeira, artes plásticas, literatura, música e comunicação.

A primeira fase do projeto, de janeiro a julho de 2011, foi realizada em parceria com o Coletivo Peso, grupo organizado que promove ações de transformação social, e o Instituto Crescer para a Cidadania, organização não governamental que desenvolve projetos com foco em educação e cidadania. No período, foram promovidas 14 oficinas com a participação de 120 reeducandos, que produziram peças teatrais, vídeos, programas de rádio, exposição fotográfica e músicas. A iniciativa também conta com a colaboração do rapper Dexter, Marcos Omena, que cumpriu pena na penitenciária.

“Atualmente o comprometimento é total, diferente de quando começamos. Toda iniciativa pioneira, logicamente, enfrenta um pouco de resistência, até pelo desconhecimento sobre o real objetivo dela. Com o passar do tempo, no entanto, a percepção dos sentenciados mudou e hoje a adesão é muito grande”, afirmou o magistrado.

Nesse segundo semestre, presos da unidade estão passando por treinamento para atuarem como monitores de oficinas, responsáveis pela implantação de atividades culturais. “Como o projeto já está no seu segundo semestre, pudemos colher dados a respeito dos sentenciados que receberam algum tipo de benefício liberatório: passaram para o regime semiaberto, obtiveram o livramento condicional ou mesmo conseguiram sair do cárcere por conta das experiências vividas no projeto”, explicou o juiz, destacando que os resultados foram positivos. A meta para o próximo ano, segundo ele, é estender a iniciativa ao regime fechado.

Confira a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – Como surgiu o projeto “Como vai seu mundo?” e há quanto tempo ele é realizado?
Jayme Garcia dos Santos Júnior – A ideia surgiu quando soube que o rapper Dexter (Marcos Omena) havia cumprido pena na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos. Conhecia o trabalho dele, a mensagem que procurava passar através de suas letras no sentido de que a vida que ele tinha, voltada para a prática do crime, não o havia levado a nada. Dentro do cárcere, o rapper enxergou opções que poderiam propiciar sua inserção social e permitir que levasse uma vida harmônica na sociedade. Por conta disso, eu o convidei a realizar um projeto com os sentenciados em regime semiaberto, um projeto que tivesse por objetivo justamente despertar nestes a consciência de que eles poderiam, mesmo no cárcere, vislumbrar outras opções de vida. O projeto tem o objetivo de mostrar o cárcere para a sociedade, de forma a estabelecer um diálogo com o sentenciado. Convidei o Dexter, expus a minha ideia e ele aceitou desenvolver o projeto.

JC – Como o projeto é desenvolvido?
JG – O Dexter procurou o Instituto Crescer para a Cidadania, oferecendo uma série de oficinas culturais no presídio, e a organização tornou-se nossa parceira, nos ajudando a desenvolvê-las. A Secretaria de Administração Penitenciária também é outra grande parceira. Iniciamos o projeto, em janeiro deste ano, com um show dos sentenciados, a partir do qual as oficinas foram se desenvolvendo. Por meio dessas oficinas culturais, representantes da sociedade civil organizada ingressaram no cárcere e estabeleceram diálogo com os sentenciados, de forma a mostrar a estes que, também para eles, como seres humanos, pode ser vislumbrado outro estilo de vida. O interessante é que pessoas que participam das oficinas percebem que têm histórias de vida muito próximas às dos sentenciados.

JC – Como o senhor avalia o comprometimento dos detentos?
JG – Atualmente o comprometimento é total, diferente de quando começamos. Toda iniciativa pioneira, logicamente, enfrenta um pouco de resistência, até pelo desconhecimento sobre o real objetivo dela. Com o passar do tempo, no entanto, a percepção dos sentenciados mudou e hoje a adesão é muito grande.

JC – O projeto também conta com a ajuda de voluntários?
JG – Todos os participantes são voluntários. Eles foram recrutados pelo Instituto Crescer para a Cidadania após terem tomado conhecimento do projeto e acreditado nele como sendo importante para mudar o sistema carcerário brasileiro. O resultado é tão bom que hoje cinco sentenciados que colaboraram no projeto no primeiro semestre estão participando, às segundas-feiras, de um curso de capacitação no Instituto. Ou seja, eu autorizo esses sentenciados a deixarem o estabelecimento carcerário para que participem do curso de formação e possam atuar no cárcere como agentes multiplicadores.

JC – Quais são as oficinas oferecidas?
JG – As oficinas são na área de cultura, educação e arte; temos oficinas de fotografia, que propiciam o sentenciado a interagir e a se integrar com a sociedade. É por meio da arte que o sentenciado se predispõe a dialogar, de forma franca e direta, expondo suas expectativas, angústias, esperanças, sonhos e planos.

JC – O projeto prevê a profissionalização do detento no mercado de trabalho?
JG – Não, esse não é um projeto de capacitação profissional. Temos outras iniciativas de capacitação profissional nos estabelecimentos carcerários de Guarulhos, inclusive participei há pouco de uma reunião com o Fundo de Assistência Social do Município e diretores da Secretaria de Administração Penitenciária, para firmamos um projeto de capacitação profissional. O projeto “Como vai seu mundo?” não tem foco na capacitação profissional. O foco é aprimorar o diálogo entre a sociedade e o cárcere, principalmente por parte do sentenciado, então refratário à comunicação.

JC – Como é possível mensurar se o projeto tem contribuído para a ressocialização do preso?
JG – O projeto já está no seu segundo semestre. Dessa forma, já pudemos colher dados a respeito de sentenciados que receberam algum tipo de benefício liberatório: passaram para o regime semiaberto, obtiveram o livramento condicional ou mesmo conseguiram sair do cárcere por conta das experiências vividas no projeto. Eles conseguiram, de uma maneira mais fácil e menos dolorosa se reintegrar, ao aprender a dialogar e a se posicionar junto à sociedade, de forma a mostrar que estão dispostos a escolher outras opções de vida.

JC – A humanização do cárcere, por meio de iniciativas como essa, é realmente eficaz para a ressocialização dos presos?
JG – Não é só necessária como indispensável para o processo de reinserção do preso. Não gosto muito do termo ressocialização, parece que o cárcere é uma realidade distinta e desvinculada da sociedade. Prefiro usar o termo reinserção, porque os sentenciados já são socializados, aliás desde quando nasceram, só que hoje, eles estão excluídos do convívio social. Assim sendo, todas essas iniciativas são importantes para o processo de reinserção do sentenciado na sociedade.

JC – O sentenciado pode ter a pena reduzida ao participar do projeto?
JG – Sim, a cada 12 horas de participação ele tem direito ao abatimento de um dia da pena, com a remissão. Então, há consequências diretas para o cumprimento de pena sua.

JC – Quantas pessoas participam hoje do projeto?
JG – De 70 a 80 sentenciados, em média. Temos uma oficina por semana, todas as quartas-feiras.

JC – O que mais o senhor pode destacar sobre a iniciativa?
JG – O término do projeto, nesse segundo semestre, está previsto para o dia 11 de dezembro, mas já temos o compromisso do Instituto Crescer para a Cidadania de retomarmos a iniciativa em janeiro, ainda voltada para sentenciados em regime semiaberto. O Instituto, inclusive, já sinalizou no sentido de ampliarmos o projeto em relação a sentenciados em regime fechado.