A babel tributária

5 de julho de 2005

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Quando chegaram à Mesopotâmia, os descendentes de Noé, por orgulho, vaidade e grandeza, resolveram construir uma torre cujo topo deveria chegar ao céu. Para castigá-los e forçá-los a se espalhar e povoar toda a Terra, Deus introduziu entre eles as diversas línguas, de modo a que um não compreendesse a voz do outro. Confusos e divididos, eles se espalharam por todas as regiões (Gênesis, 11). Desse modo, a Torre de Babel tornou-se símbolo da confusão e da divisão entre os homens.

Ainda amargando o insucesso no Congresso Nacional, com o repúdio à Medida Provisória nº 232/04 (a “MP do Mal”) – que aumentava a carga tributária e a burocracia fiscal para as empresas do comércio de bens, serviços e turismo, a par de cercear o direito de defesa nos Conselhos de Contribuintes -, o governo expediu uma nova MP, agora para beneficiar alguns setores empresariais – indústria, exportação, construção civil, operações imobiliárias, pesquisa tecnológica -, além de reduzir o imposto de renda sobre ganhos de capital na venda de imóveis residenciais, permitir o reingresso no Simples de micro e pequenas empresas dele excluídas, estender alguns prazos de pagamento do IR e do IOF e criar, na previdência complementar, fundos de investimento, com patrimônio segregado. Por essas razões, a MP nº 252 vem sendo chamada de “MP do Bem”, para distingui-la de todas as outras, em matéria tributária, que seriam, com raras exceções, MPs do Mal. Ainda assim, há na MP uma gota de maldade: compensação compulsória – e inconstitucional – entre créditos do contribuinte e da Fazenda.

O comércio de bens, serviços e turismo só pode aplaudir a iniciativa do governo quanto à redução de tributos, mesmo limitada a alguns setores. Todavia, os redatores da MP nº 252 devem ter se inspirado no tema bíblico da Torre de Babel, para lançar os contribuintes em estratosférica confusão e promover a divisão entre a minoria beneficiada e a maioria preterida.

Com 283 novas regras tributárias, tidas como urgentes e relevantes e dispostas em 74 artigos, 113 parágrafos, 65 incisos, 26 alíneas e 5 itens, a MP modifica 31 diplomas legais (27 leis, duas MPs e um decreto-lei), assim dificultando, extremamente, a compreensão de suas normas pelos contribuintes que deverão cumpri-las, advogados que deverão interpretá-las, juízes que deverão aplicá-las e parlamentares, que deverão aprová-las ou rejeitá-las. É uma babel tributária.

A concessão de isenções e reduções de tributos é benéfica, mas poucos setores foram beneficiados. Na realidade, o que todos os contribuintes aguardam e a Nação exige são medidas de caráter geral, para reduzir a carga tributária, sem preferências e exclusões. Por exemplo: extinção da Contribuição ao PIS/Pasep, que há muito deixou de constituir patrimônio dos trabalhadores, e da Cofins, CSLL e CPMF, esdrúxulas, anti-econômicas e anti-sociais. A perda de receita poderia ser compensada por reajustes no imposto de renda e no IPI e, sobretudo, por forte redução da despesa pública.

A atual tributação dos ganhos de capital, na venda de imóveis, é, incontestavelmente, confiscatória – e, portanto, inconstitucional -, uma vez que o imposto de renda não incide sobre o ganho real, mas sobre o ganho fictício, em face da vedação à atualização monetária do valor de aquisição (custo) do imóvel. Esse absurdo, como é público e notório, tem desestimulado a construção de imóveis e os investimentos privados em imóveis para locação. Todavia, em lugar de corrigir esse monstrengo fiscal, como dispõe o projeto do deputado Francisco Dornelles, em curso na Câmara dos Deputados, a MP cria uma módica redução do ganho de capital fictício apurado, mantendo um confisco parcial. Já a isenção do IR na venda de imóveis residenciais, sob a condição de que o respectivo produto seja aplicado em seis meses, na compra de outros, é medida justa e oportuna.

Em tais condições, o empresariado do comércio de bens, serviços e turismo, que congrega cerca de 4,5 milhões de empresas e 20 milhões de trabalhadores, ao tempo em que apóia os benefícios fiscais concedidos a alguns setores, reclama, mais uma vez, a concretização de uma ampla reforma que reduza a carga tributária, socialmente injusta e nociva à atividade econômica, e simplifique e desburocratize todo o sistema.