A base de cálculo do ITBI e a autoridade da decisão do STJ

24 de outubro de 2022

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O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) inter vivos, de competência dos municípios, tem como critério material (fato gerador) a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis.

Com efeito, dispõe a Constituição Federal:

Art. 156. Compete aos municípios instituir impostos sobre:

(…)

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

Sua base de cálculo foi determinada no art. 38 do Código Tributário Nacional (CTN): “A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”. Mas, para a determinação da base de cálculo do ITBI, o que seria o “valor venal”? “É o valor de venda, ou o valor mercantil, isto é, o preço por que as coisas foram, são ou possam ser vendidas”.

Para Hugo de Brito Machado, o valor venal é aquele que o bem alcançaria se fosse posto à venda, em condições normais. “O preço, neste caso, deve ser o correspondente a uma venda à vista, vale dizer, sem incluir qualquer encargo relativo a financiamento.”

Entende-se, pois, como base de cálculo do ITBI o valor do bem transmitido, que, em última análise, significa o valor de mercado bem. Ou seja, a base de cálculo desse imposto deve refletir e corresponder ao valor real da venda ou o valor do imóvel em condições normais de mercado.

E, a base de cálculo de um tributo tem suma relevância. Alfredo Augusto Becker considerava-a o núcleo em torno do qual gravitam os demais critérios formadores do fato jurídico tributário:

Resumindo, o espectro atômico da hipótese de incidência da regra de tributação revela que em sua composição existe um núcleo e um, ou mais, elementos adjetivos. O núcleo é a base de cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo.

Os elementos adjetivos são todos os demais elementos que integram a composição da hipótese de incidência. Os elementos adjetivos conferem a espécie àquele gênero jurídico de tributo.

Vários municípios brasileiros, porém, passaram a adotar como base de cálculo do ITBI valores diversos. De início, ignoram as informações prestadas pelos contribuintes quanto aos valores envolvidos nas transações imobiliárias. Desrespeitando as normas constitucionais e legais voltadas ao ITBI, os poderes executivos municipais criaram procedimentos e pautas fiscais, estabelecendo o “valor venal” para o ITBI de ofício. Criaram, pois, base de cálculo fictícia, amparando-se em critérios discricionários, sem qualquer fundamento técnico.

Quase sempre, esses “procedimentos” acabam por elevar o “valor venal” acima do valor real da transação imobiliária, o que implica na majoração ilegal da base de cálculo do ITBI. Essa situação acaba por gerar grave conflito entre os contribuintes e os fiscos municipais. Nesse caso, razão assiste aos contribuintes. Como já dito, a base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de mercado. Os municípios não podem criar, ex officio, tabela de valores para definir a base de cálculo do ITBI.

Diante do desrespeito às normas constitucionais e legais que tratam desse imposto pelos municípios, os contribuintes passaram a buscar o afastamento dos valores estabelecidos pelas prefeituras, por meio da tutela jurisdicional.

De fato, milhares são os processos judiciais tramitando que têm por objeto a base de cálculo do ITBI estabelecida ex officio pelo Poder Executivo municipal.

Chamado a exercer sua competência constitucional, o Superior Tribunal de Justiça julgou Recurso Especial Repetitivo representativo da controvérsia (RESP 1.937.821/SP – DJe 03.03.2022), por meio de sua 1ª Seção, sendo relator o Ministro Gurgel de Faria.

Nele, ficou decidido que: 

Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN).

Quanto à tabela de valores determinada pelas prefeituras, o STJ decidiu ser esta ilegal, por violação ao art. 148 do CTN. Disse a Corte Superior: 

A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN, pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo.

O STJ firmou as seguintes teses: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

Contudo, no dia 14/9/2022, o portal Jota publicou notícia de que os grandes municípios como São Paulo e Rio de Janeiro não têm obedecido à decisão do STJ.

Os argumentos dos municípios, explanados por meio da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) são: 1) a decisão do STJ valeria apenas para o caso de arrematação de imóveis em hasta pública, já que o processo analisado como repetitivo trata deste tema; 2) não há trânsito em julgado, uma vez que pende de julgamento o Recurso Extraordinário interposto objetivando a reforma do acórdão proferido no RESP 1.937.821/SP.

Há de se destacar, aqui, a fundamentação do acórdão proferido pelo STJ no RESP 1.937.821/SP. Esta diz respeito à base de cálculo do ITBI. Não se limita apenas aos casos que envolvam arrematação. Foi realizado o exame da legislação nacional para se concluir pela ilegalidade das pautas fiscais estabelecidas pelos Municípios, para fins de definir a base de cálculo do ITBI.

No mais, após a decisão do STJ, não há qualquer questão constitucional envolvida. O Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, decidiu ser a questão da base de cálculo do ITBI matéria infraconstitucional. Inclusive, em 2018, decidiu, a respeito, o Tema 993 da Repercussão Geral (ARE 1.122.122/SP).

Confira-se sua Ementa:

Recurso extraordinário com agravo. ITBI. Base de cálculo. Princípio da legalidade. Súmula 636/STF. Interpretação da legislação local. Súmula 280/STF. Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral.

É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à base de cálculo aplicada ao ITBI fundada na interpretação da legislação local, no Código Tributário Nacional e no princípio da legalidade.

Afastada a questão constitucional, nada mais resta a ser decidido.

A postura dos municípios em não observar a decisão do Superior Tribunal de Justiça implica em grave desrespeito à autoridade de suas decisões. Ora, se a Administração Publica deve obedecer aos “princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, conforme determinado no art. 37 da Constituição, deve, também, observar e obedecer à decisão proferida pelo STJ, cuja missão constitucional é, justamente, dar a última palavra em matéria infraconstitucional.

Notas___________________________

1 De Plácido e Silva. “Vocabulário Jurídico”. Rio de Janeiro, Forense, 28ª edição, 2009, p. 1.449.

2 MACHADO, Hugo de Brito. “Curso de Direito Tributário”. 28ª edição, Malheiros, São Paulo, 2007, p. 412.

3 In Teoria Geral de Direito Tributário. Saraiva, São Paulo, 1993, pp. 338.

4https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/itbi-grandes-municipios-nao-estao-aplicando-precedente-favoravel-14092022

5 Vide, por exemplo, RE 74.169, ARE 883.352 AgR e RE 644.563 AgR, dentre outros.