A desinformação e os ataques à democracia

2 de fevereiro de 2023

Luiz Tadeu Feitosa Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Ceará

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Escrevo este artigo ainda estarrecido com os episódios dos ataques aos edifícios dos três Poderes por terroristas, no último dia 8 de janeiro de 2023, um ano que já se inicia pautando as ações conjuntas que os organismos nacionais e seus parceiros terão de empreender no combate à desinformação e seus desdobramentos para a defesa inalienável da democracia e do Estado Democrático de Direito.

Que fique bem claro que os eventos terroristas em lide não promoveram ataques apenas aos patrimônios, bens públicos e artísticos de Brasília. Foi um ataque frontal e anunciado à democracia brasileira, urdido e planejado por uma horda de terroristas financiados por golpistas inimigos dela e das benesses democráticas que ela proporciona. Assim, como já prenunciado pelos encaminhamentos e desdobramentos das ações desencadeadas desde 2021 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o seu Projeto de Combate à Desinformação (PCD) – do qual participo com orgulho – reitero que, sem informação não há democracia e não duvido que a vertiginosa propagação de mentiras, fake news e ódio pela Internet, principalmente pelas redes sociais, tenham feito esse complexo fenômeno de desinformação sair das ambiências digitais para as ruas.

Este artigo não objetiva analisar a complexidade do que está nos muitos contextos desse ataque em Brasília, senão discutir brevemente as relações entre os fenômenos da desinformação e suas consequências contrárias ao Estado Democrático de Direito. Assim, voltando-se para o objetivo já anteriormente delineado para o que decidi abordar nesta edição, analiso sob a ótica do novo governo democraticamente eleito em 30 de novembro de 2022 os discursos do Presidente Lula e do Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Alexandre de Moraes durante a cerimônia de diplomação do presidente eleito, sobre o papel da informação num País democrático e as faces nefastas da desinformação e os seus respectivos combates.

Mais voltado para sua trajetória política e aos agradecimentos pela atual votação, Lula trouxe no seu discurso aspectos gerais da sua defesa à democracia – proferido por ele 19 vezes – e dos perigos que ela sofreu nos últimos anos. Na esteira dos ataques à democracia, o presidente citou a mentira (sete vezes) e o ódio (quatro vezes), defendendo que a verdade (citada quatro vezes) prevaleça. No entanto, ainda que realçando “o ataque sistemático às instituições democráticas”, Lula só pronuncia a palavra informação uma única vez, quando afirma que “jamais renunciaremos à defesa intransigente da liberdade de expressão, mas defenderemos até o fim o livre acesso à informação de qualidade, sem mentiras e manipulações que levam ao ódio e à violência política”.

Fica apenas implícito no discurso do presidente eleito que a desinformação precisa ser combatida numa relação direta com a defesa da democracia, o que deixa nas entrelinhas que seu governo apoiará toda e qualquer demanda de combate à desinformação, como prenunciada no PCD do STF, cujas ações vêm se espraiando pelo Brasil, com o apoio e práticas já em desenvolvimento por vários organismos nacionais, principalmente por muitas universidades, cujas capilaridades com a sociedade são mais notórias.

De sua parte e com ênfase e realces ao fenômeno da desinformação e outras práticas de informações fraudulentas que aviltam os princípios democráticos, o discurso do Ministro Alexandre de Moraes é mais enfático quanto as relações que se pode estabelecer com as diretrizes do mesmo programa acima realçado e estrategicamente pautado por ações concretas de combate à desinformação.

Assim, a fala do ministro entrelaça o fenômeno da desinformação (citada cinco vezes) com os princípios democráticos que devem puni-la sob o regime duro da lei, com vistas à defesa intransigente do Estado Democrático de Direito e da democracia (realçados, respectivamente, nove e dez vezes). Ancorados na “observância fiel à Constituição”, as ações democráticas têm, portanto, no livre acesso à informação, na liberdade de expressão e no combate à desinformação – como reiterado muitas vezes no PCD do STF – a garantia do “pleno funcionamento das Instituições”.

Na maioria de suas falas a respeito do caos estabelecido pelos processos de desinformação, o Ministro Alexandre de Moraes os associa àqueles que buscam criar um regime de exceção. Não por acaso, o ministro cita no contexto das causas antidemocráticas o ódio e o ataque (respectivamente, seis e sete vezes), pronunciadas no seu discurso quando da diplomação de Lula e Alckimin. Para ele, “fruto de um pensamento antidemocrático e extremista, a utilização em massa das redes sociais foi subvertida para disseminar a ‘desinformação’, o discurso de ódio, as notícias fraudulentas, as fake news”.

Como pesquisador há anos dos fenômenos infocomunicacionais na graduação de pós-graduação, vejo aumentar no mundo acadêmico e científico as preocupações com os processos de “desinformação”, o que pode ser comprovado pelo respectivo aumento do volume de publicações nacionais e internacionais sobre o tema. Na síntese das problematizações, os aspectos contemporâneos das contradições em curso. Assim, observando os discursos de Lula e de Alexandre de Moraes, volto a refletir sobre a aparente obviedade de que não se pode mais adiar as discussões e os estudos desses fenômenos de produção, circulação, difusão, recepção e apropriação de informações fraudulentas, sem os quais não podemos garantir fenômeno informacionais íntegros e à serviço da democracia e do Estado Democrático de Direito.

Chamo de contradição o fato de, no auge do acesso à informação, não sabermos lidar com ela. No contexto exacerbado de consumo informacional, não sabemos consumir. No ápice da oferta de informação, não sabemos separar o joio do trigo. De modo igual, no frenesi das ondas dos fluxos informacionais digitais, não sabemos navegar. Vivemos a profusão de textos, imagens, códigos e signos, somos arrebatados pelas múltiplas visões que isso possibilita, sem sabermos enxergar de fato os seus sentidos. Temos ao nosso acesso um mar de possibilidades de leitura e não conseguimos extrair daí as práticas leitoras para a complementação e compreensão dos sentidos das letras, das imagens, das coisas e do mundo.

As contradições não param por aí, mas não cabe discuti-las neste artigo. O que mais merece problematização é o fato de vivermos sob a égide da informação e da simultânea massificação dos processos de desinformação, processos que vêm se sofisticando a passos largos. De posse das linguagens e estruturas discursivas do jornalismo, das características das informações digitais e da simultaneidade e instantaneidade de suas difusões, dos recursos imagéticos dos memes, emogis e suas simbologias de sentido, os novos produtores de mensagens nos contextos da Internet e das mídias sociais vêm falseando também os estilos e as estéticas de seus canais/fontes difusores, confundindo uma sociedade ainda inábil na leitura e interpretação de mensagens, informações e comunicações digitais.

É nesse contexto que se enquadra mais uma vez o discurso de Lula. Para o presidente, “precisamos de coragem”. Para ele, “a democracia só tem sentido, e será defendida pelo povo, na medida em que promover, de fato, a igualdade de direitos e oportunidades para todos e todas, independentemente de classe social, cor, crença religiosa ou orientação sexual”. Isso vale também para uma educação inclusiva e crítica, já há muito defendida por pesquisadores sobre uma educação para a mídia; uma literacia informacional e midiática; da necessidade de processos, técnicas e metodologias para uma mediação da informação; estudos e métodos para a competência em informação; estudos de recepção e de apropriação da informação; estudos de comunidades e usuários da informação; estudos de práticas e culturas informacionais, reiteradamente pautadas pelas pesquisas contemporâneas nos campos da Ciência da Informação e Ciências da Comunicação.

Voltando ao discurso de Alexandre de Moraes, ele enfatiza que “a utilização das redes sociais como instrumento democrático de acesso a livre manifestação de pensamento – surgido principalmente nas famosas ‘primaveras democráticas’ – foi desvirtuada por extremistas, no intuito de desacreditar as notícias veiculadas pela mídia tradicional”. O acesso livre à informação e o excesso de informação em fluxos é outra das contradições que temos que, conjuntamente, problematizar. Leia-se por conjuntamente os três Poderes da República, as universidades e institutos de pesquisa e a sociedade, para citar apenas estes.

Sobre os contextos dos fenômenos informacionais, o excesso pode não garantir a informação. É preciso, como afirmei acima, ações mediacionais que desatrelem o verbo informar do desinformar, porque é sob as bases da informação que se fortalece uma democracia e seus feitos democráticos, inclusive as possibilidades de, como pontuou Moraes, não permitir que “grupos extremistas, criminosos e antidemocráticos, a partir da ‘desinformação’” possam “desacreditar a própria democracia”.

É no contexto dessas explicações e sugestões que as várias representações das universidades públicas e privadas aceitaram o chamamento do STF para a discussão e promoção das ações nacionais, regionais e locais de combate à desinformação, nos termos do importante e necessário PCD do STF.