Edição 249
A eficiência da mediação online no Judiciário
9 de junho de 2021
Caroline Somesom Tauk Juíza Federal no Rio de Janeiro
Clarissa Somesom Tauk Juíza de Direito do TJSP
Apostar na tecnologia para aumentar a adesão e a eficiência da resolução consensual de conflitos. Esta é a postura que vem sendo defendida por muitos estudiosos no Brasil e no mundo como um dos caminhos para a desjudicialização e foi acolhida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao editar, em dezembro de 2020, a Resolução n° 358, que regulamenta a conciliação e a mediação online pelo Poder Judiciário, determinando aos tribunais que disponibilizem um sistema informatizado para esta tarefa. Pretendemos destacar brevemente neste texto razões pelas quais ferramentas tecnológicas podem tornar a autocomposição mais atraente.
A primeira razão decorre diretamente de uma constatação da nossa realidade e exige que olhemos para trás: os mecanismos de resolução consensual de disputas, como a mediação e a conciliação não informatizadas, embora tenham tido uma adesão maior em determinadas matérias, não trouxeram a adesão e a eficiência esperadas nos últimos anos.
Os litígios previdenciários são representativos desta situação. O INSS é o maior demandado em todo o Judiciário brasileiro e, em 2019, em apenas 12,48% dos casos houve acordo. Este baixo percentual está dentro da série histórica do índice de conciliação em juízo no Brasil.
Da afirmação acima decorre a segunda razão, desta vez com o olhar voltado para frente. A aceleração na virtualização da Justiça, que já se observava em 2019, precisa ser acompanhada de inovação também nos sistemas de resolução consensual de disputas. A tendência é mundial. Na China, autoridades do Judiciário e do Ministério da Justiça vêm enfatizando a importância da via consensual online para solucionar os conflitos decorrentes da pandemia e ajudar a colocar a economia de volta nos trilhos. No Brasil, da mesma forma, o ajuizamento excessivo de demandas que está por vir pode gerar um “colapso do sistema judicial”, na expressão do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão e dos juízes Daniel Carnio e Valter Schuenquener, o que produz efeitos econômicos negativos, como ocorre nas causas de insolvência de empresas, a exigir uma mudança na forma de tratamento dos conflitos. Mudar é difícil; não mudar é fatal.
O processo de recuperação judicial da Oi/SA é um exemplo bem sucedido de inovação. Com mais de 65 mil credores, cerca de 70 bilhões de reais de dívidas e interessados nacionais e internacionais, foi desenhado um sistema de solução de conflitos com uma fase prévia de habilitação e negociação dos créditos por mediação em plataforma digital, em substituição ao procedimento judicial.
O professor Richard Susskind, ao tratar do futuro dos sistemas judiciais, afirma que a Justiça não pode mais ser um lugar, ela é um serviço (justice as a service). As pessoas não desejam estar presentes fisicamente nos tribunais para resolver um conflito. Elas desejam o resultado que os tribunais trazem, seja ele disponibilizado num ambiente físico ou virtual.
Aqui entra a terceira razão para a defesa de que ferramentas online teriam maior adesão dos litigantes. Como ensinam os professores Orna Rabinovich-Einy e Ethan Katsh, a necessidade de se desenvolverem novas estruturas de solução e prevenção de conflitos vem originando as chamadas online dispute resolution (ODR, em inglês).
A experiência começou na iniciativa privada, para resolver problemas de compras realizadas na página eletrônica do eBay, por meio de um sistema que informa as partes sobre seus direitos e, se não houver acordo, emite uma decisão com o uso de inteligência artificial. O serviço é um sucesso: a plataforma online do eBay resolve mais de 60 milhões de casos por ano, com taxa de satisfação próxima de 90%.
No setor público, o primeiro tribunal online do mundo, destinado a pequenas causas, foi o Tribunal Civil Administrativo do Canadá, que segue modelo similar ao do eBay.
No Brasil, o site Consumidor.gov.br é um serviço público e gratuito que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas para buscar um acordo em conflitos de consumo pela Internet, embora não haja emissão de decisão. O CNJ vem integrando a plataforma ao processo judicial eletrônico (PJe), dando às partes a opção de utilizá-la ao iniciar o processo.
A quarta razão se refere à estrutura das plataformas: além de fornecer novos recursos para a comunicação, muitas vêm avançando para priorizar, também, o processamento de dados, o que permite não apenas uma melhor gestão do conflito, mas, também, antecipar e evitar novos, inclusive por meio do uso da inteligência artificial.
A quinta razão para acreditarmos na maior adesão dos litigantes aos sistemas informatizados se refere às vantagens destes em relação à autocomposição tradicional. As plataformas permitem acessibilidade e baixo custo para as partes, por meio da “negociação com troca de mensagens síncronas e/ou assíncronas”, como diz a Resolução nº 358 do CNJ, e não estão limitadas pelo princípio da confidencialidade (art. 166 do Código de Processo Civil), de modo que os dados podem ser usados para obter padrões entre os casos e prevenção.
A preocupação persiste, no entanto, em relação ao acesso à justiça de grupos vulneráveis. Embora haja o acesso amplo à Internet no Brasil, a falta de infraestrutura, como computadores, não pode ser desconsiderada quando se pretende a adoção generalizada de uma plataforma online. Além disso, os dispositivos móveis possuem franquias de internet com quantidade limitada de dados, o que impacta na qualidade dos acessos.
Uma mudança sincera de cultura exige que as pessoas, as sociedades empresárias e a Administração Pública adotem o compromisso de tentar resolver de forma amigável os conflitos que se originaram de relações jurídicas de que façam parte. Ao se tornarem participantes ativas da decisão de seus próprios problemas, as pessoas se sentem empoderadas e aumentam sua capacidade de negociar, alcançando uma solução mais desejável que a imposta em uma sentença judicial, que gera a insatisfação de um dos envolvidos. Assim, a via consensual se aproxima de uma postura “contribua-para-resolver”, em oposição à tradicional postura “resolva-para-mim”.
Notas_____________________
1 Disponível:<https://www.law.com/international-edition/2020/03/19/china-pushes-for-increase-in-online-dispute-resolution-as-it-reboots-economy/>.
2 SALOMÃO, Luis Felipe; CARNIO, Daniel; SCHUENQUENER, Valter. “Achatar a curva de crescimento das ações judiciais”. 09/06/2020. Disponível: <https://oglobo.globo.com/opiniao/achatar-curva-de-crescimento-das-acoes-judiciais-24468398>.
3 CURY, Cesar. “Um modelo transdisciplinar de solução de conflitos: direito e tecnologia no processo de recuperação judicial no leading case OI S/A”. In: NUNES, Dierle; WOLKART, Erik Navarro; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Orgs.). “Inteligência artificial e direito processual: os impactos da virada tecnológica no direito processual”. JusPodvm.
4 SUSSKIND, Richard. “Online Courts and the future of Justice”. Oxford University Press.
5 RULE, Colin; ALED, Davies. “Modria – The Operating System for ODR Mediator – Colin Rule”. Disponível:< https://www.judiciary.uk/wp-content/uploads/2015/02/colin_rule_modria_os_for_odr.pdf>.
6 Civil Resolution Tribunal. Home. Disponível: < https://civilresolutionbc.ca/>. :
7 BRASIL. Acordo de Cooperação Técnica nº 016/2019; MAIOLINO, Isabela; SILVEIRA, Flávia de Carvalho; TIMM, Luciano Benetti. “A plataforma consumidor.gov.br como alternativa para a solução de conflitos”. In: “30 anos do CDC – Evolução e Desafios no Relacionamento com o Cliente”. Editora Foco.