25 anos da Lei de Arbitragem

9 de novembro de 2021

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Evento promovido em parceria com a Fecomércio-RJ discute os desafios para a expansão da arbitragem no Brasil 

Desde a sua promulgação, há 25 anos, a Lei da Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) enfrentou uma série de desafios para firmar-se enquanto meio de solução de disputas no Brasil – da arguição da pretensa inconstitucionalidade do texto original, indeferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2001, à lei que ampliou seu escopo em 2015. Hoje, diante de sua eficácia, celeridade e flexibilidade, a arbitragem é prestigiada como nunca, tendo o Poder Judiciário – sobretudo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – contribuído significativamente para o seu desenvolvimento, com
a garantia da segurança jurídica e da previsibilidade.

Para discutir essa trajetória e os próximos passos para o aperfeiçoamento do procedimento arbitral, a Revista Justiça & Cidadania realizou em outubro o seminário “25 anos da Lei da Arbitragem”, que contou com o apoio da Fecomércio-RJ e foi coordenado pelos ministros do STJ Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Ricardo Villas Bôas Cueva.

A nova edição do projeto Conversa com o Judiciário contou com a participação de magistrados, juristas, expoentes da arbitragem e do Direito Empresarial. Foi prestigiado ainda pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Desembargador Henrique Figueira, e pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz – além de dois de seus mais ilustres antecessores, o advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho e o Senador Bernardo Cabral, ambos membros do Conselho Editorial da Revista, sendo Cabral o seu Presidente de Honra.

“A arbitragem é uma ferramenta eficiente para a solução de conflitos, que desafoga o Estado e, mais especificamente, o Poder Judiciário, mas que não só por isso tem valor. É também, principalmente, o caminho de uma sociedade que pretende evoluir para o diálogo, com confiança e respeito, com um resultado sempre voltado à pacificação social. (…) O conflito é uma consequência da vida em sociedade, mas isso não quer dizer que não saibamos nós mesmos solucioná-lo. Deve servir de aprendizado e para a pavimentação de relações melhores, transparentes, verdadeiras e, por isso, contínuas, pontuou na abertura o Presidente da Fecomércio-RJ, Antônio Florêncio de Queiroz Júnior.

A evolução da arbitragem – O primeiro painel foi sobre a evolução da arbitragem no Brasil e no mundo, com destaque para a participação do Ministro Ribeiro Dantas, que apresentou aprofundado estudo sobre a trajetória da arbitragem desde a antiguidade, passando pelo Direito romano e lusitano, até atingir os marcos atuais no Brasil. Já o Ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro focou na incidência constitucional da arbitragem, desde as primeiras constituições republicanas, além de apresentar um apanhado jurisprudencial sobre a evolução do instituto no País.

No mesmo painel, o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, destacou pontos sensíveis como a questão dos precedentes vinculantes, além de propor uma reflexão sobre o monitoramento da atividade da arbitragem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a exemplo do que hoje já ocorre em relação à prestação de serviços extrajudiciais pelos cartórios.

Carvalho e cipreste – Participaram do segundo painel os ministros do STJ Antonio Saldanha Palheiro e Luiz Alberto Gurgel de Faria, que comentaram a jurisprudência sobre o tema da arbitragem na Administração Pública e as dificuldades para sua aplicação, como a questão da escolha do árbitro e a necessária flexibilização dos conceitos de Direito Público que regulam a relação entre os particulares e o Estado.

O painel foi mediado pelo Ministro do STJ Marco Aurélio Bellizze, que invocou seu time de coração, o Fluminense F.C., para opinar que não é necessário haver um “Fla x Flu” entre a jurisdição oficial e as soluções adequadas de conflitos. Sobre este ponto, acrescentou o Ministro do STJ Luis Felipe Salomão: “É como na passagem bíblica do cipreste e do carvalho. Crescem juntas e juntas florescem. Não temos condição de dizer que a arbitragem cresceu porque o Judiciário não funciona. Não é verdade. Ao contrário, é justamente porque o Judiciário funciona e, a partir da Constituição de 1988, tornou-se o canal para promover a afirmação da cidadania, o direito a ter direitos, a afirmação do Direito e do Judiciário”.

Judicialização – Mediado pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Desembargador Edilson Pereira Nobre Júnior, o terceiro e último painel contou com a participação do Ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva e do advogado, árbitro e professor Peter Sester, um dos maiores especialistas em arbitragem no mundo. Segundo o Ministro Cueva, “a história da arbitragem na jurisprudência do STJ é de constante, diária e sempiterna afirmação da higidez do procedimento arbitral”. Ao apresentar os aspectos da judicialização, o magistrado abordou a questão da assimetria entre as partes, que nem sempre conseguem suportar os custos dos procedimentos arbitrais.

“Após um amplo debate, com oscilação da jurisprudência, decidiu-se que é possível que as partes instaurem um procedimento arbitral para discutir litígios em relações de consumo, após a celebração do contrato, desde que haja a aquiescência expressa do consumidor. Ou seja, não se fechou a porta da arbitragem para essas situações em que há óbvia assimetria entre as partes, mas é absolutamente indispensável que haja a aquiescência. Por isso, manteve-se o equilíbrio que em alguns países foi perdido. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve queixas de juristas e de juízes sobre a expansão indevida da arbitragem às áreas de consumo e relações de trabalho sem levar em consideração essa assimetria, não apenas formal, mas real das partes mais vulneráveis, que quase nunca têm condições de suportar os ônus de um procedimento arbitral”, explicou o ministro.

Já o árbitro Peter Sester trouxe dados do Direito comparado para tratar das ações anulatórias de arbitragens. “Deveríamos analisar o problema à luz do risco admitido de anulação da sentença arbitral. Na Alemanha, meu país de origem, existe uma frase segundo a qual algumas coisas precisam ser pensadas a partir do final. De acordo com a Lei de Arbitragem (brasileira), a demanda de anulação da sentença arbitral segue as regras do processo comum. Essa opção do legislador, eventualmente, é o único ponto fraco da nossa Lei de Arbitragem, pelo menos em comparação com outras jurisdições que têm por objetivo fortalecer o instituto da arbitragem, porque no processo comum há três instâncias, o que faz com que uma ação anulatória só acabe após decisão do STJ em recurso especial. Países como a Suíça e a Áustria adotaram procedimentos específicos para decidir essas demandas em uma única instância do judiciário”, comentou o jurista.

Temas espinhosos – Coube ao Ministro Luis Felipe Salomão, que presidiu a comissão de juristas reunida pelo Senado Federal para elaborar o anteprojeto da Lei de Arbitragem, apresentar a palestra de encerramento. “Eu não cansava de falar com os meus colegas do STJ sobre a qualidade jurídica dos membros da comissão, na qual travamos debates aprofundados sobre diversos temas relacionados às bandeiras arbitralistas. (…) Tanto é que, é muito raro acontecer isso no parlamento, o projeto de lei que entrou foi o mesmo que saiu, com apenas dois vetos. Trabalhamos temas espinhosos, como a ampliação da arbitragem para a Administração Pública, as liminares no âmbito da legislação arbitral, a aplicação da arbitragem para as sociedades anônimas e outros. Foi um trabalho muito enriquecedor”, comentou o atual Presidente do Conselho Editorial da Revista.

Sobre a proposta apresenta pelo jurista Marcus Vinicius Furtado Coêlho de submeter as câmaras arbitrais ao controle externo do CNJ, como forma de reduzir a judicialização das sentenças arbitrais, o Ministro Salomão acrescentou: “Confesso que ainda tenho que refletir um pouco mais a respeito, porque a ideia central da arbitragem é a de que ela é fruto do acordo de vontades. É justamente porque as partes convencionam fazer o procedimento fora do sistema convencional que a arbitragem existe e é um caso de sucesso. Colocá-la sob algum tipo de ingerência de órgão estatal ou oficial é algo que precisamos realmente refletir um pouco mais”.