A opinião pública e a Justiça

23 de novembro de 2022

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Lendo sobre o tema objeto deste artigo, deparei-me com carta escrita por Machado de Assis, por meio da qual, vestindo o chapéu de jornalista iniciante, se dirige à opinião pública, como se estivesse apresentando-se a uma autoridade suprema, a uma rainha.

A reverência com que o bruxo do Cosme Velho se dirige à opinião pública – ele a trata por V. Exa. – é reflexo de seu respeito e, talvez, mais do que isto, de seu temor. Sim, aqui uma verdade. Muitos temem a opinião pública. E a seguem não porque com ela concordem, mas por receio, constrangimento de expressar-se livremente e, assim, contrariá-la.

Reconheço que não é fácil se opor à rainha. Seus fiéis súditos estão em todos os lugares. Muitas vezes até dentro de casa, no trabalho, nas ruas, clubes, enfim, são onipresentes. Opor-se à opinião pública requer resiliência, paciência e, em casos extremos, muita coragem. Especialmente quando a opinião pública é aliada do Poder constituído.

E esse temor, até justificável para um pacato cidadão, se torna nocivo, quando domina aquele que tem o dever, a obrigação legal de zelar pelas leis e as instituições. Já se anuncia, neste breve introito, o que se pretende dizer nestas curtas linhas… 

A opinião pública não se aprofunda no exame do caso sobre o qual se manifesta. É, em geral, baseada em rumores, preconceitos e paixões. Não quero e não posso afirmar que esteja sempre errada. Acredito verdadeiramente que não. A rainha acerta e erra como qualquer ser humano. 

O julgador, contudo, como sabido, não pode ser guiado por rumores, preconceitos e paixões. Deve, quando exerce seu ofício, examinar o caso a ele submetido em seus detalhes com técnica e absoluta isenção. A formação da opinião de um magistrado decorre de método, definido segundo critérios científicos, estabelecidos em regra legal.

Embora o entendimento de um magistrado posso coincidir com à opinião pública – e não há nada de errado nisto – sua formação se dá por caminho bem diverso, de modo a assegurar ao jurisdicionado um julgamento justo, equidistante. O que não pode é o convencimento do juiz se consolidar a partir e por influência da opinião pública.

Há um grande risco para a Justiça quando o julgador adota, como régua de seu convencimento, o que se diz nas ruas ou na mídia e não aquilo que revela o cuidadoso exame do caso e expressa a lei e a Constituição Federal. Há inúmeros exemplos históricos.

O caso de Jean Calas, o protestante francês, que viveu no Século XVIII, em uma França dominada por um fervor católico radical, é lembrado até hoje. Condenado à pena capital, sem qualquer prova, pela morte de seu filho – apesar dos protestos isolados de Voltaire, que acreditava em sua inocência – por um tribunal que preferiu atender ao clamor das massas que ocupavam as ruas, foi martirizado e depois atirado na fogueira ardente. Não muito tempo depois, descobriu-se sua inocência.

O Julgamento de Alfred Dreyfus foi outro exemplo. Militar judeu, também francês, em uma época, final do Século XIX, em que o sentimento antissemita era profundo na sociedade francesa, foi condenado à prisão perpétua, com forte apoio da opinião pública, incentivada por uma imprensa preconceituosa, sob a falsa acusação de espionagem. Ao final, foi perdoado e reintegrado as forças armadas – sendo de se destacar a contundente defesa de Émile Zola a seu favor – após passar anos na cadeia, ser expulso do exército e humilhado publicamente.

No Brasil, nos dias de hoje, a opinião pública continua a interferir – ou pelo menos tenta – na atuação do Judiciário. À toda hora se veem magistrados sendo endeusados ou escrachados pela mídia ou pelas redes sociais, o que, eventualmente, pode influenciar na formação de sua convicção sobre determinado caso.

Não é incomum ver magistrados, especialmente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), cujos rostos são mais conhecidos do que os dos jogadores da Seleção Brasileira de Futebol, serem hostilizados nas ruas por pessoas que divergem de suas opiniões ou decisões.

E neste contexto, destacou-se, sem qualquer favor, a figura do Ministro Gilmar Mendes, magistrado que tem legado um exemplo de coragem e independência, no exercício da magistratura. Já se posicionou, em julgamentos relevantes na Suprema Corte, em sentido favorável e contrário à opinião pública. Claramente, para o Ministro Gilmar Mendes não é opinião pública que pauta suas decisões. Já foi exaltado ou execrado por parte da mídia e ofendido nas ruas, sem que tais fatos resultassem em qualquer mudança em seus firmes e fundamentados posicionamentos.

É fundamental para o equilíbrio do sistema democrático um Judiciário independente e corajoso, capaz de formar seu posicionamento, sem se deixar levar pela opinião pública, ainda que a ela esteja aliado o Poder constituído.