A ouvidoria como espaço de participação social

7 de dezembro de 2021

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Na 340ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em outubro passado, a Conselheira Tânia Reckziegel foi eleita pelo plenário e designada pelo Presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luiz Fux, para exercer a função de Ouvidora Nacional de Justiça. A Conselheira ainda acumula outras atribuições no Conselho – como a de coordenadora do Comitê Gestor Nacional Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas – além de sua atuação como Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Nessa entrevista à Revista & Cidadania – concedida a bordo de viagem do projeto Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Amapá, em atendimento a comunidades ribeirinhas do estado – a magistrada fala sobre seus planos para, a partir do papel central de articulação da Ouvidoria Nacional, contribuir para o aprimoramento e fortalecimento das ouvidorias de Justiça de todo o País.

Revista Justiça & Cidadania – Quais são os projetos que pretende implantar e os objetivos que pretende alcançar à frente da Ouvidoria do CNJ? Está animada para o desafio?
Conselheira Tânia Reckziegel – Muito me compraz poder exercer a função de Ouvidora Nacional de Justiça e espero poder contribuir para o aprimoramento dos serviços das ouvidorias de Justiça, de forma a ampliar o acesso ao Poder Judiciário e a qualidade dos serviços prestados pelo órgão. Compreendo a ouvidoria como um espaço de participação social e de construção da democracia, que permite a cooperação ativa dos cidadãos no controle da qualidade dos serviços públicos.

Assim, além das atividades características de seus serviços, como os de orientar, transmitir informações e responder às demandas do cidadão, as ouvidorias de justiça, em verdade, as ouvidorias públicas de forma geral, possuem função central na gestão dos tribunais e devem atuar como tal, junto à alta administração.

Nesse sentido, a fim de se garantir o contínuo aprimoramento das atividades em face da crescente demanda perante às ouvidorias judiciais, a Ouvidoria Nacional, em atenção ao seu papel de articulação e desenvolvimento de um sistema integrado, vem desenvolvendo uma série de ações e projetos visando fortalecer e reforçar a efetividade do atendimento ao jurisdicionados. Destaco, por ora, três deles: O acompanhamento dos e suporte aos tribunais para implementação da recém aprovada Resolução CNJ nº 432/2021, que dispõe sobre as atribuições, a organização e o funcionamento das Ouvidorias dos tribunais, da ouvidoria Nacional de Justiça; O fortalecimento dos canais de atendimentos às demandas relativas aos Direitos Humanos, Violência contra a Mulher e Meio Ambiente; O lançamento do Curso EAD em Ouvidorias Judiciais, que tem o potencial de proporcionar um debate crítico e atual sobre questões e desafios das ouvidorias de justiça.

 RJC – O Conselho aprovou uma resolução que revisou as atribuições da Ouvidoria. Quais foram as principais mudanças?
CTR – Sob a gestão do Conselheiro André Godinho, meu antecessor à frente da Ouvidoria, em 25 de agosto de 2021 o Conselho Nacional de Justiça publicou a Portaria nº 205, que instituiu grupo de trabalho destinado ao estudo e à elaboração de propostas voltadas à organização e à gestão das ouvidorias do Poder Judiciário e à revisão da Resolução CNJ nº 103/2010. Com a participação e a contribuições dos ouvidores de tribunais, dos colégios de ouvidores dos diversos ramos da Justiça e de ouvidores dos tribunais superiores, foi possível, construir nova normativa atenta aos desafios atuais pertinentes aos trabalhos do órgão.

A Resolução nº 432/2021 contemplou as ouvidorias como importantes instrumentos de participação social, de efetivação dos direitos humanos, de transparência institucional, voltada para a conscientização do cidadão do direito de obter serviço público de qualidade. A resolução tratou ainda da forma de escolha do ouvidor, que deverá ser realizada por eleição, pelo pleno ou pelo órgão especial. Em respeito à autonomia dos tribunais, permitiu-se que a indicação para a função possa ser feita pelo presidente naqueles tribunais que já tenham essa previsão em seus respectivos atos normativos internos.

A relevância das ouvidorias está bem representada nos artigos 3º e 4º, sendo órgãos independentes em sua atuação, integrantes da alta administração dos tribunais, e essenciais à administração da Justiça, com estrutura permanente e adequada ao atendimento das demandas dos usuários.

Interessante observar que a resolução trata dos canais essenciais (ou mínimos) de atendimento, e incorpora os meios modernos de comunicação que ganharam maior relevância na pandemia (como o Balcão Virtual), trata da facilitação do acesso à unidade, pela situação preferencialmente no térreo, e da acessibilidade dos usuários com deficiência ou mobilidade reduzida, além de observar as regras do CNJ pertinentes ao usuário em situação de rua.

Ponto de inovação, em relação à Ouvidoria do CNJ, o art. 17 regulamentou os recentemente criados de canais de acesso específicos para atendimento das demandas relativas aos Direitos Humanos, Violência contra a mulher e Meio Ambiente.

RJC – Qual é o balanço que a senhora faz de sua atuação até agora?
CTR – Embora seja um período curto desde a minha designação como Ouvidora Nacional, pouco mais de um mês, destaco os nossos esforços para o estreitamento da comunicação com os jurisdicionados no intuito de aprimorar a prestação do serviço público e de nos permitir o conhecimento da qualidade do produto que entregamos à população. É inequívoco que em tão pouco tempo os resultados esperados ainda não tenham sido revelados integralmente, mas com o apoio dos tribunais e a conexão das ouvidorias judiciais avulta-se o aprimoramento do ambiente de intercambiaridade e cooperatividade entre os órgãos jurisdicionais e assim estamos tendo um conhecimento mais amplo dos desafios relacionados à prestação jurisdicional de qualidade. A partir daí, estamos estudando e trabalhando quais as medidas mais efetivas deverão ser adotadas para reduzir, e porque não eliminar, a ocorrência dessas inadequações.

RJC – De que forma a senhora pretende ampliar a integração entre a Ouvidoria do CNJ e as demais ouvidorias judiciais do País? Pretende incorporar e/ou difundir experiências bem-sucedidas de outras ouvidorias?
CTR – A construção de um trabalho integrado entre a Ouvidoria do CNJ e as demais ouvidorias judiciais do País é prática que já permeia a atuação do órgão desde sua criação. Mais recentemente, destacamos o trabalho em parceria com os vários colégios de ouvidores da Justiça – Cojud (Colégio Nacional dos Ouvidores Judiciais); COJE (Colégio de Ouvidores da Justiça Eleitoral); Coleuv (Colégio de Ouvidores da Justiça do Trabalho). Assim, ao longo dos anos, temos atuado de forma integrada e cada vez mais sinérgica, por meio da interlocução cotidiana com cada ouvidoria de justiça, ou ainda por meio de sua atuação colegiada, representada pelos colégios de ouvidores da Justiça, em seus variados ramos.

Desse trabalho desenvolvido a várias mãos, agora ganha um reforço significativo, com a criação da Rede de Ouvidorias de Justiça, outra inovação presente na recém aprovada Resolução CNJ nº 432/2021, prevista em seu art. 12. A tarefa de instituição da Rede agora recai sob minha responsabilidade à frente da Ouvidoria Nacional de Justiça. A Rede deve funcionar como espaço amplo e permanente de discussão sobre os desafios, troca de experiências e boas práticas relativos ao cotidiano das ouvidorias de justiça e nosso planejamento é de que no início do ano que se aproxima, possamos realizar o primeiro encontro desse fundamental fórum.

RJC – Acredita que a suspensão do atendimento presencial tenha prejudicado de alguma forma o acesso do cidadão às ouvidorias judiciais? O que eventualmente pode ser feito para mitigar o problema?
CTR – Infelizmente, a suspensão do atendimento presencial foi necessária em razão das medidas sanitárias impostas pela pandemia de covid. Todas as demais modalidades de atendimento ao jurisdicionado foram mantidas ou mesmo ampliadas, de forma a não prejudicar os serviços prestados aos jurisdicionados. Como todas mudanças, ainda que planejadas, importam em um período de adaptação, o acesso à Justiça, e não só às ouvidorias, passou por isso e teve que adaptar. Mas o que se percebeu, por exemplo, na Ouvidoria do CNJ, foi o aumento da demanda, acolhida pelos outros canais de recebimento de demandas. Assim, a título de exemplo, até a primeira quinzena de outubro deste ano, a demanda já se encontrava 5,3% maior que a de 2020; e em 2020 a demanda foi 7,2% maior que de 2019 (período pré-pandemia). Com a retomada das atividades em condições sanitárias adequadas, esperamos retomar essa modalidade de atendimento ao jurisdicionado tão logo possível.

RJC – A senhora tem reconhecida trajetória relacionada à afirmação dos direitos das mulheres e ao combate à violência doméstica. Acredita que isso de alguma forma terá reflexos em seu trabalho à frente da Ouvidoria do CNJ?
CTR – Sem dúvida o trabalho em relação aos direitos das mulheres e ao combate à violência doméstica são parte marcante de minha trajetória, inclusive dentro do próprio Conselho. Os pontos de convergência entre a Ouvidoria e essas políticas são vários e serão ampliados sempre que possível. Já de antemão, entendo que a nova Resolução nº 432/2021, em seu art. 17, §2º, trouxe importante avanço ao institucionalizar e ampliar os canais de recebimento de manifestações relacionadas à defesa dos direitos da mulher na Ouvidoria Nacional. Isso permitirá que as ouvidorias funcionem de maneira mais eficiente e com mais assertividade no tratamento das demandas dessa natureza. Espero ainda levar essa discussão às demais ouvidorias dos diversos tribunais, de forma a ampliar essa rede de proteção e resposta à violência doméstica.

RJC – O que pode ser dito nesse mesmo sentido em relação à exploração do trabalho infantil e ao trabalho análogo à escravidão?
CTR – Essas duas práticas ainda são, infelizmente, temas que permeiam nossa sociedade e devem receber, além de nossa repulsa, toda atenção necessária das instituições. Conquanto o CNJ não possua atribuições diretas para apuração de denúncias relativas aos dois temas, os recém-criados canais de atendimento na Ouvidoria do CNJ destinados aos Direitos Humanos, sempre que receberem demandas dessa natureza, podem e devem orientar o cidadão sobre os órgãos de apuração competentes. Sem dúvida nossa atenção estará voltada para essas questões e ainda que fora de nossa competência direta para apuração das denúncias, iremos efetuar o encaminhamento aos órgãos competentes e acompanhar seu desfecho.