A proposta indecorosa da OCDE ao Brasil

31 de julho de 2022

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A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) trouxe recentemente a público, por meio do relatório “Regulatory Reform in Brazil”, diversas recomendações relativas ao exercício e à regulamentação da advocacia no País. Ainda que tenha sido elaborado com o intuito de contribuir com o aperfeiçoamento da profissão, o conjunto de oito recomendações disruptivas se caracteriza pelo completo desconhecimento histórico da evolução da advocacia em nosso País e ignora as especificidades e particularidades do Sistema de Justiça brasileiro.

O documento da OCDE foi elaborado como parte do processo de negociações visando a entrada do Brasil na Organização. O relatório não tem caráter vinculante, mas de recomendações de práticas. Ou seja: seu cumprimento não é obrigatório para que o Brasil ingresse na OCDE. Caso o quadro se modifique, será imperativo à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) atuar de forma contrária à proposta, pelos inúmeros prejuízos que as sugestões trarão para a advocacia e a sociedade brasileira.

O relatório da OCDE propõe absurdos, começando pela sugestão de que se reavalie a obrigatoriedade da inscrição na OAB e que o Exame de Ordem Unificado (EOU) para exercício da advocacia seja feito por entidade pública. Como é do conhecimento de todos, existem, no País, pouco mais de 1,9 mil cursos de Direito, aptos a formar 365 mil bacharéis por ano. Desses, apenas 11% tiveram a qualidade aprovada pelo selo OAB Recomenda.

Sem o filtro do EOU e sem a inscrição no Sistema OAB, quais serão as garantias do cidadão, de que o profissional reúne os atributos mínimos para atuar com a efetividade necessária? A ausência desses requisitos traria insegurança jurídica inaceitável para qualquer democracia moderna.

Em toda Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, países que, inclusive fazem parte da OCDE, o exame para ingresso na profissão é feito pela entidade da advocacia. Não há justificativa para promover diferenciação em relação ao Brasil. A sugestão é contraditória no âmbito da própria organização, que possui caráter liberal e desburocratizante, mas recomenda estatizar a seleção de advogados.

Fiscalização e controle – Ainda, é evidente que desobrigar a inscrição na OAB para o exercício da advocacia enfraqueceria os mecanismos de controle e fiscalização de profissionais pela sociedade. A partir da recomendação, como seria o processo para impedir a atuação de profissionais que incorrerem em ilegalidades? A via Judicial?

Da mesma forma, é absurda a recomendação de que profissionais de outros países possam exercer a advocacia no Brasil sem passar pelo EOU, pois a liberação nem sequer encontra reciprocidade nos outros países integrantes da OCDE. Por esse princípio, inclusive, advogados internacionais já podem advogar no Brasil na forma de consultoria em Direito estrangeiro, sem necessitar validação de diploma e de prévio exame.

Mais adiante, o relatório também recomenda a desregulação completa referente a honorários, sob o pretexto de que isso aumentaria o nível de competitividade nas cobranças pelos serviços prestados. Evidente que o resultado de tal sugestão teria como resultado um quadro extremamente danoso à qualidade do serviço prestado.

Isso também se evidencia em outra sugestão, de desregulamentar as restrições a anúncios e propagandas na advocacia. Sem cláusulas éticas, nem procedimentos que coíbam propaganda enganosas e danosas à sociedade, seria a completa mercantilização da profissão. Qual seria a proteção institucional ao jurisdicionado?

Mesmo efeito ocorreria caso seja levada a sério a recomendação sobre permitir a associação entre advocacia e outros tipos de empreendimento comercial. A liberação vai contra a essência da própria advocacia e promoveria a contaminação de interesses e a quebra de sigilo entre profissional e cliente.

Conforme disposto no art. 133 da Constituição Federal, “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Ocorre que as recomendações da OCDE para a advocacia ignoram completamente o texto constitucional. Atentam contra a própria soberania nacional. Desconsideram o caráter social da profissão, seus desafios, garantias e deveres, transformando uma função essencial para a concretização do Estado de Direito em atividade meramente comercial.

O Sistema OAB entende ser vital o aperfeiçoamento da regulamentação em torno do exercício da advocacia no País. Novas tecnologias e realidades demandam mudanças na legislação, em qualquer setor. Por isso, a entidade está sempre aberta ao diálogo pelo seu aprimoramento institucional. Não há qualquer justificativa atual, no entanto, para promover uma disruptura completa no sistema brasileiro, sem quaisquer salvaguardas para a sociedade. A ninguém interessa transformar a advocacia em uma terra sem lei.