Sobre advocacia e tecnologias disruptivas

12 de julho de 2023

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Desde a popularização do ChatGPT, as possibilidades da inteligência artificial (IA) têm sido debatidas intensamente, para o bem e para o mal. A ferramenta parece ser capaz de redigir contratos, elaborar petições e, por último, mas não menos importante, passar no Exame de Ordem. Não à toa, tem feito muitos advogados questionarem se correm o risco de serem substituídos por ela. Ocorre que a advocacia, feita de forma cuidadosa e competente, vai além da técnica de escrita oferecida pelo ChatGPT. O advogado ou a advogada são insubstituíveis. Saber utilizar e explorar os recursos de IA, no entanto, se anunciam como diferenciais para a advocacia no futuro.

Lançada em novembro de 2022, a ferramenta de geração de texto por IA da startup OpenAI possibilita a criação de textos por meio de um comando escrito. Ou seja, basta pedir “redija um contrato de locação de imóvel” ao robô que, em poucos segundos, ele apresentará a minuta. Ela faz isso ao processar informações disponíveis na Internet. É prático, mas pode ser também assustador.

Entretanto, o ChatGPT não foi construído como uma fonte de pesquisa científica ou consulta profissional. Os textos que a ferramenta entrega são elaborados a partir de uma base limitada de informações. Ou seja, ela não tem a expertise de um advogado para analisar plenamente um caso concreto, aplicar adequadamente a lei, elencar estratégias, propor teses de defesa.

O ChatGPT pode responder a uma consulta sobre um tema jurídico, sem dúvida. Mas é preciso ter em mente que, há muitos anos, a clientela tem à disposição a busca do Google, e é muito comum que faça pesquisas nessa ferramenta antes de ir para a consulta em um escritório. E nem por isso deixa de procurar os nossos serviços.

A tecnologia faz parte do dia a dia da sociedade e, no Judiciário, não seria diferente. Tribunais superiores já fazem uso da automação na gestão de demandas repetitivas, por exemplo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem o sistema Athos para triar casos com potencial de serem resolvidos por meio de precedentes qualificados. O Supremo Tribunal Federal (STF) usa o sistema Victor para análise de admissibilidade recursal. Com o volume de processos com os quais a Justiça brasileira lida, medidas como essa colaboram para acelerar a prestação jurisdicional e não devem ser recusadas.

Casos de mau uso da inteligência artificial por parte de advogados, no entanto, ganharam o noticiário e se mostram preocupantes. Em abril, o Tribunal Superior Eleitoral multou um advogado que fez pedido de ingresso como amicus curiae em petição escrita por meio do ChatGPT. Na peça, ele observa que os argumentos ofertados ao TSE em favor da procedência da ação “podem não ser os melhores”. E afirma usar o robô como forma de “protesto” contra o uso da tecnologia no Direito.

Relator do caso, o Ministro Benedito Gonçalves negou a intervenção e aplicou multa de R$ 2,6 mil por litigância de má-fé. Há ainda o alerta de que o valor será duplicado em caso de reincidência. O caso foi motivo de acionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para regulamentar a matéria. De fato, o Direito precisa acompanhar as mudanças e se adaptar a elas da melhor forma possível.

O ChatGPT é, de novo, um modelo de linguagem. Gera respostas coerentes de acordo com o contexto da pergunta. Isso não significa que sejam corretas ou precisas. Nem mesmo as mais atualizadas. Ele foi treinado até setembro de 2021. Há, ainda, questões sobre acesso a dados pessoais e segurança de dados. É uma ferramenta com pouca idade e, portanto, deve ser olhada no seu potencial, mas com cautela. Ainda há muito o que compreender a respeito dela. 

Como qualquer nova tecnologia, merece atenção. Afinal, é inexorável o avanço da sociedade no sentido do aprimoramento das ferramentas. Aqueles que forem capazes de manejá-lo, como um instrumento para indicar caminhos ou dar suporte à redação de documentos e, assim, poupar tempo para a reflexão jurídica propriamente dita, terão, indubitavelmente, um diferencial.

Mas é um acréscimo à formação tradicional, à experiência do dia a dia, às habilidades de leitura, interpretação e conexão de fatos e textos legais. Comunicação, criatividade e inteligência emocional também são qualidades de um bom profissional. A inteligência artificial carrega a promessa de ser disruptiva para a advocacia, como outras tantas tecnologias já o foram. Dominá-la será um diferencial, mas nada substituirá o advogado ou a advogada.