A regulação da atividade seguradora e os desafios com o mercado ilegal da proteção veicular

7 de novembro de 2023

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O mercado de seguros automotivos no Brasil enfrenta desafios significativos, muitos decorrentes da falta de informação adequada e do uso de práticas abusivas, ambos fatores de judicialização. Especialistas e estudiosos na área concordam que o cenário ganha contornos ainda mais complexos quando se trata de um País como o nosso, no qual praticamente metade dos domicílios possuem carros – 36,9 milhões de residências com carros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O histórico do arcabouço normativo sobre o tema e a forma como os tribunais o interpretam foram abordadas durante o seminário “A regulação da atividade seguradora e o mercado ilegal da proteção veicular”, 127a edição do programa Conversa com o Judiciário, promovido pela Revista Justiça & Cidadania.

Realizado na sede da Escola de Magistratura Federal da 1a Região (Esmaf), em Brasília (DF), o evento contou com a participação do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gurgel de Faria; do coordenador de Fiscalização de Conduta de Seguros Massificados, Pessoas e Previdência da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Gabriel Costa; e do diretor Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF), Marcelo Nascimento.

Também estiveram presentes o vice-presidente do TRF-1, Desembargador Marcos Augusto de Sousa, e as desembargadoras Gilda Sigmaringa Seixas e Daniele Maranhão, diretora e vice-diretora da Esmaf, respectivamente.

Competências – Em sua apresentação, o Ministro Gurgel de Faria abordou o aspecto econômico das atividades reguladoras. Relembrou do impacto das crises mundiais recentes e creditou à “regulação firme” do setor bancário e securitário brasileiro evitar os reflexos mais dramáticos da crise de 2008. Ao longo dos anos, segundo ele, a preocupação recaiu também sobre o setor veicular, especialmente a partir da atuação de entidades que se autodenominam associações, mas que operam sem as autorizações necessárias. Como consequência, mais e mais ações com pedidos de indenização chegam à Justiça.

De acordo com Gurgel de Faria, sem uma lei no âmbito federal para disciplinar o tema, muitos setores começaram a trabalhar de maneira diluída pelos estados para buscar a aprovação de leis que regulamentem a atividade associativa de proteção veicular. Foi o caso de leis de Goiás, Rio de Janeiro e Minas Gerais, todas declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano (ADIs no 6.753, no 7.151 e no 7.099).

As leis estabeleciam normas de proteção dos consumidores filiados às associações de socorro mútuo. O entendimento do STF foi de que, ao atribuírem às associações características semelhantes às das seguradoras, as leis invadiram a competência privativa da União para legislar sobre política de seguros e sistemas de captação de poupança popular.

“Essas associações não podem atuar como se fossem empresas de seguro. Ao entrar na página dessas associações se verifica que o produto está sendo oferecido de forma indiscriminada, e não só para os associados, sem nenhuma autorização da entidade competente, que é a Susep”, afirmou Gurgel de Faria. Segundo o ministro, o tema vem sendo analisado da mesma forma pelo Superior Tribunal de Justiça.

Regulação – Coube a Gabriel Gosta apresentar um panorama do funcionamento da Susep na atividade regulatória e fiscalizatória. Vinculado ao Ministério da Fazenda, o órgão foi criado pelo Decreto-lei no 73/1966, sendo responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguros, previdência privada aberta, capitalização e resseguros.

“A regulação do Estado existe no sentido de garantir que as empresas dos mercados de seguros tenham a capacidade de honrar os compromissos com os seus clientes, com os seus segurados”, afirmou Costa. De acordo com o especialista, o objetivo da regulação é fazer com que o mercado seja sólido e saudável, de modo a dar segurança à sociedade. “Quando contratamos um seguro, precisamos ter o produto do seguro”, defendeu.

Falta de transparência – Diretor do Procon-DF, Marcelo Nascimento comentou que o consumidor acaba ingressando em determinada associação como se fosse um cliente e só depois vai ter noção de que é um associado, especialmente “quando precisar efetivamente utilizar o serviço”.

A falta de transparência neste serviço resulta, segundo Nascimento, na violação da boa-fé objetiva, um dos princípios do Código de Defesa do Consumidor. “É quem realmente orienta todos os vínculos contratuais, não só na formalização do contrato, mas de forma prévia, durante e posterior àquele contrato que está sendo entabulado. Orienta de forma sintética que, nas relações de consumo, as partes, o consumidor e o fornecedor, têm a obrigação de agir com lealdade, transparência e confiança”, afirmou.

“O consumidor tem o direito de receber e o fornecedor o dever de informar. (…) E o direito à informação é relevante na medida em que mitiga a vulnerabilidade informacional do consumidor”, defendeu o especialista.

Segundo Nascimento, a percepção quanto às associações vai na contramão da transparência, em direção a propagandas massivas e chamativas para os consumidores. O argumento comumente usado é o de que o preço é mais atrativo do que o oferecido pelas seguradoras convencionais. Perde-se, assim, o que uma seguradora convencional pode oferecer, como as garantias de solvência, de transparência e de análise de risco.

É unânime entre os especialistas na área que o cenário demanda a atuação conjunta para coibir práticas que fogem da legalidade no setor de seguros e para garantir a proteção do consumidor.