A relação entre os direitos fundamentais e a justiça administrativa

13 de janeiro de 2020

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Os direitos fundamentais da primeira geração e a Justiça Administrativa

Da mesma maneira que tivemos uma evolução do sistema constitucional, a justiça administrativa também teve sua evolução através dos tempos.

A partir desse contexto histórico, percebe-se que a primeira geração, vinculada ao Estado Liberal pós-absolutista é centrada na individualidade ideologicamente de resistência e oposição ao Estado-opressor.

No Brasil, pós 1988, a Constituição garantiu no artigo 5o os seguintes direitos: de petição; inafastabilidade do Poder Judiciário; devido processo legal; contraditório e ampla defesa; duração razoável do processo no âmbito administrativo e judicial e os remédios constitucionais: mandado de segurança e habeas data, dentre outros.

Nosso sistema, como que numa mutação constitucional, sofreu influência do direito comparado. Em se tratando de matéria processual, o país inicialmente estava vinculado a civil Law e, posteriormente foi sofrendo grande influência dos países da common Law, alterando o regime processual, de forma a fazer um sistema híbrido.

A Justiça administrativa se insere nessa situação passando também por todas essas influências externas dos outros países.

O sistema norte-americano da common Law de precedentes é completamente diferente do sistema francês da civil Law. Naquele sistema, para o caso ir a julgamento, primeiro deve-se provar que a questão alcança tamanha relevância a ponto de ser submetida à Corte, posteriormente, admitida a questão, a mesma é decidida e se torna um precedente. O precedente é uma regra, uma norma que não é mais questionada, que todos seguem sua orientação inclusive às instâncias administrativas. O sistema civil Law, de origem romana, trata de um sistema positivista, no qual a norma geral abstrata busca estabelecer uma moldura para determinados comportamentos da vida e casos futuros. Os conflitos são resolvidos através de uma subsunção dos casos a lei.

No Brasil, consagrou-se a garantia constitucional do acesso à jurisdição e os instrumentos que assegurassem acesso à justiça, com fito da paz social, ou seja, pacificação. Para que haja efetividade, não basta que seja assegurado o acesso à Justiça ou facilitado seu acesso. Faz-se necessário que as decisões, o julgamento e seu resultado sejam úteis e capazes da produção de efeitos práticos na vida social.

O direito de acesso à justiça constitui, portanto, garantia elementar da realização do Direito, da manutenção da paz social e da proteção do ser humano. Isso implica no dever estatal de assegurar justiça aos seus jurisdicionados, o que se obtém com a garantia de um devido processo legal, o qual culmina em decisões justas e efetivas a quem dele necessite e que proteja, na realidade social, direitos subjetivos, interesses e princípios gerais do direito – positivados expressamente ou decorrentes de derivação sistêmica – consagrados na ordem jurídica.

Seguindo essa linha de raciocínio, a jurisdição administrativa no Brasil, via de regra não tem um fim em si mesma. Isso quer dizer que da decisão do procedimento administrativo, mesmo que em última instância, caberá recurso para Poder Judiciário que, não poderá se furtar a conhecê-lo. Acresce-se o fato da decisão administrativa não fazer coisa julgada definitiva.

Verifica-se, portanto, uma dualidade de sistemas para análise dos atos Estatais, que acaba por acarretar num inchaço do Poder Judiciário. Nesse ponto, questiona-se se o Estado, através da justiça administrativa, não poderia realizar seu papel de forma definitiva garantindo os direitos a produção de provas e duração razoável do processo.

A Justiça Administrativa no Brasil em comparação com outros países

A jurisdição administrativa é a atividade que a Administração presta para solucionar conflitos entre particulares e o Estado. Já a Justiça Administrativa refere-se aos órgãos do Estado responsáveis por essa atuação Estatal.

No Brasil, os conflitos decididos pela Administração estão sujeitos a recurso na própria administração, muito embora não se revistam do caráter de definitividade nem coisa julgada. Trata-se de direito fundamental abarcado pelo artigo 5o, da Constituição Federal de 1988, que consagrou expressamente que toda lesão ou ameaça de direitos estão sujeitas ao controle jurisdicional. Ao contrário do que ocorre em outros países que a decisão administrativa é definitiva não cabendo recurso. Ademais, não possuímos um código próprio que trata de questões administrativas, sendo criticável a falta de independência das autoridades da Administração, quando em posição de julgador, o que retira em parte sua legitimidade.

Além desses fatores, o Poder Judiciário Brasileiro está abarrotado de processos, a maioria que poderiam ser decididos no âmbito da própria administração em razão da auto-executoriedade de suas decisões. No entanto, a própria Administração, muitas vezes para satisfazer suas pretensões recorre ao Poder Judiciário, por exemplo quando tem que retirar invasores do seu terreno esbulho ou mesmo a própria execução fiscal que, após constituída a CDA que, goza de presunção de veracidade e legalidade, precisa do Poder Judiciário para cobrança dos créditos. O professor Ricardo Perlingeiro cita o modelo de adjudicação administrativa dos Estados Unidos no qual a fase inicial da audiência é adversarial, permitindo que as partes produzam todas as provas enquanto que a revisão judicial é limitada, não cabendo ampla produção probatória.

Nos modelos da China, Argentina e Japão, a revisão judicial é aberta, a corte pode apreciar novas provas, inclusive, a decisão pode substituir a decisão da Administração quanto às questões de fato.

Nos modelos da França e Alemanha, a revisão é destacada do sistema judiciário, de competência comum e decide apenas questões de direito administrativo.

No plano internacional do âmbito da América Latina existe a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em São José da Costa Rica, é um órgão judicial internacional autônomo do sistema da OEA, com caráter contencioso e consultivo. No plano contencioso, sua competência para o julgamento de casos, limitada aos Estados Partes da Convenção que tenham expressamente reconhecido sua jurisdição, consiste na apreciação de questões envolvendo denúncia de violação, por qualquer Estado Parte, de direito protegido pela Convenção.

A Corte Internacional de Direitos Humanos tem jurisprudência no sentido de que é necessário garantir a jurisdição, não necessariamente garantir acesso ao Judiciário.

A experiência extraída dos países da common Law revela que a jurisdição não é atributo exclusivo do Poder Judiciário, podendo ser exercida por autoridades que integram o próprio Poder Executivo. Neste sistema, a solução do contencioso administrativo é retirada da autoridade envolvida no conflito e confiada a uma autoridade administrativa independente, perante a qual se desenvolve o devido processo legal.

No Brasil, essa tutela foi conferida ao judiciário, ao contrário de outros modelos, como o francês que distribui a função jurisdicional entre o Poder Judiciário e um Contencioso Administrativo.

Não há uma definição conceitual concreta da Corte Interamericana sobre o que é o direito de acesso à justiça. A Corte Interamericana de Direitos Humanos possui o entendimento de que a expressão “garantias judiciais”, contida no artigo 8o da Convenção Americana, não impede que outros órgãos estatais, não pertencentes ao Poder Judiciário, pratiquem atos jurisdicionais, observando-se a cláusula do devido processo legal sempre que haja restrições a direitos individuais. Segundo a Corte, esta atuação pressupõe a existência de um órgão dotado das características da independência e imparcialidade.

O modelo brasileiro de justiça administrativa de igual modo como o sistema judicial sofreu forte influência do constitucionalismo norte-americano, com a adoção do sistema judicial único (monista) no início de nossa República, em substituição ao modelo de jurisdição francês dualista até então vigente.

Alguns países adotaram o sistema de jurisdição administrativa propriamente dita, no qual há um juiz independente e imparcial que resolve os conflitos de maneira definitiva na medida em que só podem ser questionados a legalidade ou abuso de direitos perante o Poder Judiciário.

No modelo norte-americano, e de maneira geral nos dos demais países que seguem a common law (Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), a decisão administrativa é precedida de um procedimento contraditório, presidida por um juiz administrativo que não participou da fase de investigação e que é dotado de relativa independência. Assegura-se, ainda, a revisão da decisão inicial perante uma autoridade superior da própria agência ou perante um tribunal administrativo. A consequência da adoção deste modelo, que assegura contraditório prévio e efetivo na fase administrativa, é a redução do âmbito do controle judicial, em razão da deferência que é conferida às decisões proferidas por autoridades administrativas independentes e dotadas de conhecimentos técnicos específicos sobre a matéria em discussão. Assim, a revisão judicial fica limitada às hipóteses de ilegalidade ou ofensa ao princípio da razoabilidade. Em consequência, não há necessidade de investimentos de recursos na criação de uma estrutura judicial especializada, tampouco de regras processuais específicas para as causas administrativas, já que a fase judicial não é tida como a mais importante.

Conclusão

Conclui-se que a relação entre a Justiça Administrativa no Brasil e o Poder Judiciário é antiga desde a Constituição de 1988. Que os direitos fundamentais asseguram uma revisão da decisão administrativa pelo Poder Judiciário, importando num excesso de demandas na Justiça e infinidade de recursos, o que faz com que a pacificação social não seja alcançada em prazo razoável. Dessa forma, deveríamos reler a Justiça Administrativa, com olhos do direito comparado para que seja possível alcançar um sistema mais adequado a nossa realidade.

Referências Bibliográficas_____________________________

ASIMOW. Michael. Cinco modelos de adjudicação administrativa (Justiça Administrativa). Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol.4, n.1, p.129-165, jan/abr.2017. DOI:10.5380/rinc.v4il.50154.

Perlingeiro e Greco, 2009. Texto A Jurisdição Administrativa no Brasil.

Perlingeiro.Ricardo. Desafios Contemporâneos da Justiça Administrativa na America Latina. Curitiba. Revista de Investigações Constitucionais. Janeiro/abril 2017.

Perlingeiro.Ricardo; Blanke. Hermann-Josef. Código de jurisdição administrativa. (o modelo alemão).

Notas_________________________

1 Perlingeiro.Ricardo.Desafios Contemporâneos da Justiça Administrativa na America Latina. Curitiba. Revista de Investigações Constitucionais. Janeiro/abril 2017.

2 ASIMOW.Michael. Cinco modelos de adjudicação admnistrativa (Justiça Admnistrativa). Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol.4, n.1, p.129-165, jan/abr.2017. DOI:10.5380/rinc.v4il.50154.

3 Disponível em <http://file:///C:/Users/dlg/Downloads/SSRN-id3169613.pdf>.

4 Disponível em <http://file:///C:/Users/dlg/Downloads/SSRN-id3169613.pdf>.

5 Disponível em <http://file:///C:/Users/dlg/Downloads/SSRN-id3169613.pdf>.

6 Disponível em <http://file:///C:/Users/dlg/Downloads/SSRN-id3169613.pdf>.