A verdade sobre a PEC 37 – A PEC da legalidade

13 de maio de 2013

Compartilhe:

Esse tema, na verdade, foi ao longo do tempo, completamente desvirtuado. É preciso esclarecer a opinião pública que, lamentavelmente, diante de informações falaciosas, equivocadas, vem fazendo juízo de valor sobre esse tema, com premissas, muitas delas falsas, e consequentemente equivocando-se nas suas conclusões.

Vejo manifestações de pessoas que tem responsabilidade na nossa sociedade, formadores de opinião e que opinam, formando opinião de muitos, mas sequer conhecendo do que estão tratando, sobre o que estão opinando e esta campanha que se fez contra a PEC 37 tem um fundamento, tem uma razão de ser e é sobre isso que eu quero falar. Mas não sem antes, registrar que o Ministério Público, tanto estadual quanto federal, instituições que tanto respeitamos, são indispensáveis para a manutenção do Estado Democrático de Direito, instituições fundamentais para que possamos construir a Justiça. Instituições que, como a magistratura, como a advocacia, como as demais instituições, são colunas de sustentação de nossa Democracia e têm suas atribuições estabelecidas e limitadas em lei e a observância desses limites é que faz o Estado de Direito.

E a PEC 37 precisaria existir? Jamais. Nós não precisamos de emenda constitucional para dizer o que já está dito. Sobre a PEC 37, vejo tanta gente falando e eu pergunto se já leram o texto da proposta e me respondem que ainda não, mas que leram o que foi publicado pela imprensa. Mas o que saiu na mídia foi distorcido. As fontes para alimentar a mídia, muitas vezes, foram falaciosas. Assim sendo, a PEC 37 acrescenta mais um parágrafo, o décimo, ao Artigo 144 da Constituição Federal, o qual fala sobre segurança pública e estabelece, no parágrafo 1º, atribuição à Polícia Federal para apurar crimes de competência federal e no parágrafo 4º às Polícias Civis, ambas são dirigidas por delegados de polícia de carreira incumbindo-as, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária, que consiste na apuração de infrações penais, exceto as militares.

Basta ler para saber o que o legislador quis. Compete às polícias civis a apuração das infrações penais. Então quando nós lemos a Constituição Federal, nós não temos qualquer dúvida sobre o que pretendeu o legislador. Para o Ministério Público ele também foi claro e deu a atribuição da titularidade da ação penal e também a fiscalização da atividade realizada pela polícia judiciária. Isso está muito claro na Constituição. Nunca, em momento algum o constituinte autorizou o Ministério Público investigar diretamente infrações penais, o que se realizado consideramos flagrantemente ilegal.

Em um determinado momento histórico passou-se, em razão da possibilidade de o MP realizar o inquérito civil, expedir notificação para constituir prova em um inquérito civil (jamais criminal), estendeu-se esse entendimento e o próprio MP passou a advogar a tese de que podendo constituir elementos de prova para o inquérito civil poderia também fazê-lo para o inquérito criminal e tentou o MP, construir, pinçando pedacinhos de uma lei, mais um trecho de artigo doutrinário, além de regras criadas interna corporis, mais uma consideração acola, mais um julgado que não tem nada a ver com o tema central, formando uma verdadeira colcha de retalhos, tentou construir uma tese de uma atribuição de poderes de investigação criminal, que até hoje não tem solidez.

Não foi o legislador, em momento nenhum, que deu atribuição ao MP para realizar investigação criminal. Reiteramos jamais isso aconteceu. O legislador foi muito claro no que pretendia. Portanto, entre ficar com a construção da colcha de retalhos para uma tese que é muito frágil e uma leitura objetiva, clara, precisa do que quer o legislador, nós não temos opção. Intérprete da lei tem a obrigação de entender o texto como ele foi proposto, votado e sancionado, especialmente quando esse texto é o da Carta Magna. Assim sendo, está claro na Constituição Federal, sem deixar qualquer espaço para outra interpretação: o MP não pode realizar diretamente investigação criminal,  isso compete à Polícia Judiciária.

Então, a premissa é essa. O MP não tem poder para investigar crimes. Tudo o que vem depois é distorção, é falácia, é equívoco. Há quem diga que a PEC 37 vai retirar poderes do MP. Ora, ninguém retira o que o outro não tem. Isto está errado. O MP não tem poderes, portanto não se pode retirar dele o que ele não tem. A PEC vai limitar os poderes de investigação do MP. Não se pode limitar o que alguém não tem.

Assim sendo, esta construção da tese do MP, passou a ter algumas bases curiosas e outras perigosas. A construção da tese da investigação pelo MP ganhou um destaque maior com a realização de grandes operações feitas no Brasil pelas polícias civis estaduais e federal e com a participação do MP nessas operações. E esta articulação da tese veio em razão da prática ilegal de investigação criminal com coleta de algumas provas que foram sendo colhidas sem conhecimento da autoridade policial. Provas essas que possivelmente não chegavam a ser incluídas em inquérito policial. A partir daí o MP passou a realizar procedimentos investigatórios de maneira autônoma, inclusive criando regras internas para tal, o que jamais supre a vedação legal.

Quero lembrar que, já que não temos lei que autorize o MP a investigar, sustentam alguns que a mudança legislativa com tal previsão autorizadora resolveria o problema. Pergunto: é possível isso? É adequado para o Brasil? Não é. E por que não é? Porque precisamos de divisões e limitações para controlar o Estado. Montesquieu, para fazer com que um Estado todo poderoso, absolutista, pudesse ser controlado, dividiu esse Estado em três partes. A tripartição dos poderes do Estado, no legislativo, executivo e judiciário, foi uma forma direta e indireta de autocontrole do próprio Estado. Assim sendo, o fracionamento do Estado divide responsabilidades e  atribuições, e isso tem por razão o autocontrole. Não se pode super-fortalecer uma parte do Estado em detrimento de outra.

Da mesma maneira quando olhamos o espectro da apuração criminal no Brasil, nós vemos que o Estado quando avoca para si a investigação criminal,  a iniciativa da ação penal e a punição criminal, o faz pensando na necessidade do controle da atividade do próprio Estado, dividindo essas atribuições entre as partes do Estado, estabelecendo limites de atuação e o equilíbrio com o cidadão.

Então o Estado investe de autoridade pessoas preparadas, com formação jurídica, as quais compõem a polícia judiciária. Essa polícia é um pedaço do Estado com atribuições específicas de investigar crimes e não de promover a ação penal, nem tampouco de julgar. A polícia para exercer essa atribuição específica de investigar é preparada para isso, é formada para isso. E aqueles que ingressam nessa carreira, mediante concurso público, são vocacionados para isso. Nesse espectro citado, ao término da investigação realizada pela polícia judiciária, com a atribuição do MP de fiscalizar essa atividade investigativa, jamais de realizá-la diretamente, o MP recebe o resultado da investigação para fazer o seu juízo de valor e promover a  competente ação penal, atribuição exclusiva que lhe é conferida pela lei.

Quando se argumenta que a polícia, em alguns casos não consegue investigar adequadamente, considerando que o MP tem a obrigação de fiscalizar o trabalho da polícia, se conclui que também o MP não fiscalizou como devia. Se houve omissão da polícia, houve também do MP. Ora, se existem problemas e deficiências de ordem material ou financeira, que o Estado supra essas necessidades, para que a polícia cumpra seu papel constitucional.

De modo que de tudo que se tem falado em relação às limitações e fragilidades que a polícia possa ter, todas as afirmações são passíveis de solução. Basta que o Estado as promova. E quando se tenta dizer que há uma banda podre na polícia, que há corrupção, eu quero lembrar que isso não é privilégio de nenhuma instituição porque todas elas formadas por homens têm as mazelas e as vicissitudes das fraquezas e desvios de comportamento do ser humano. O que precisamos é reagir a isso. Se tivermos uma situação de corrupção, de desvio de comportamento dentro da instituição, há a possibilidade de reagir e extirpar aquilo que trouxe o desvio de comportamento. Assim a função fiscalizatória do MP sobre a polícia precisa ser realizada a contento e não o MP realizar tarefa para a qual não é incumbido pela lei.