Ação Rescisória

5 de junho de 2001

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Notas

Como se sabe, no curso do processo, as decisões judiciais podem ser impugnadas pelos recursos instituidos pela legislação processual e, ate mesmo, excepcionalmente, por mandado de segurança. A partir do transito em julgado, no entanto, a decisao que definiu o merito da lide ainda podera ser questionada, judicialmente, porem, atraves da ação em apreço, no prazo de dois anos, desde que ocorra, em tese, alguma das hipoteses inscritas no art. 485 e incisos, do CPC. Em seu art. 486, o mesmo preve, ainda, a chamada ação anulatoria para determinadas decisões homologatórias.

Como se observa, os meios legais, alargados pela jurisprudencia, diga-se de passagem, para se opor a uma decisão, sao varios, o que se constitui em importante e negativo fator a concorrer no sentido da notoria morosidade do Judiciario. Alem dos recursos, a previsao da rescisória – contida, inclusive, em preceitos da CF, artigos 102, I, j, 105, I, e, 108, I, b, etc. – denota a preocupação do legislador com o valor justiça, que deve constituir-se no substrato maior dos julgados.

Embora louvavel tal preocupação, tendo em vista a falibilidade dos julgamentos humanos, seja em que seara for, inclusive e obviamente na judiciaria, o certo e que, percorrido determinado procedimento, asseguradas todas as garantias processuais as partes, o processo ha de findar-se, resguardando-se, para o bem comum, a segurança e a estabilidade sociais, alvos maiores visados pela coisa julgada (CF, 5°, XXXVI).

Logo, os preceitos legais que autorizam o ajuizamento de rescisoria devem, tanto quanta possivel, ser interpretados e aplicados restritivamente, conforme preconizam, em geral, doutrina e jurisprudencia, pois tal ação se volta contra determinada situação social ja estabilizada pela decisao rescindenda. Alias, o inciso IV, do art. 485, reforça, em certa medida, tal convicção, ao prever a rescindibilidade da sentença que ofender a propria coisa julgada.

Quando a pretensão se fundar no inciso V, do art. 485 – violação de literal disposição de lei – preceito que tinha seu correspondente no inciso I, c, artigo 798, do CPC/39, o STF, sob vigencia daquele Codigo e competencia sua para interpretar e velar pela inteireza da lei federal, houve por bem em editar a Sumula 343, que diz: “Nao cabe ação rescisoria por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisao rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Em linha evolutiva, o então TFR editou a Sumula n° 134: “Nao cabe ação rescisória por violação de literal disposição de lei se, ao tempo em que foi prolatada a sentença rescindenda a interpretação era controvertida nos Tribunais, embora, posteriormente se tenha fixado favoravelmente a pretensao do autor”. Igualmente, o 1° TASP sumulou, verbete n° 03:

“Descabe o ajuizamento de ação rescisoria quando fundado em nova adoção de interpretação do texto legal”.

Regra, antiga e constante, e que o dissenso interpretativo entre tribunais, de norma legal, nao justifica aludida pretensao. Opta-se, mais uma vez, pela subsistencia dos valores sociais subjacentes a proteção da coisa julgada, ainda que jurisprudencia superveniente tenha se firmado em prol da tese sustentada pelo autor, significando dizer que, no plano interpretativo, a inteligencia encampada pela decisao nao foi a melhor, tanto que veio a ser superada, mas, por razões mais ponderáveis, deve prevalecer.

O entendimento estratificado em tais sumulas nao se aplica, contudo, se tratar-se de interpretação de texto da CF, conforme, por exemplo, a Sumula 63, do TRF da 4a Regiao:

“Nao e aplicavel a Sumula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias versando materia constitucional”.

A despeito de referencia a divergencia entre tribunais, na aplicação da lei, e razoável adaptar o sentido aí subjacente as hipóteses em que o dissídio, mesmo que sobre preceitos constitucionais, tenha surgido no ambito do próprio STF, de forma a inadmitir­se, em casos tais, a referida ação, embora este nao seja, ao que se infere do RE 89.108-GO, o seu posicionamento. Ainda que voto vencido, ponderáveis as razões expendidas, em tal acórdão, pelo saudoso Ministro CORDEIRO GUERRA, a saber: ” … Ora, na especie, a nomeação do terceiro colocado no concurso, de acordo com a lei entao vigente, e cuja constitucionalidade fora admitida pela Egregia 1ª Turma, a meu ver, nao pode ser desconstituida, pelo julgamento posterior de inconstitucionalidade. De qualquer modo, e evidente que este Tribunal só se decidiu em sua composição plenária pela inconstitucionalidade da norma aplicada quando esta ja havia produzido os seus efeitos. Embora a Sumula n° 343 se refira a divergencia na interpretação de normas legais, no caso em especie, tem ela aplicação, pois a inconstitucionalidade só foi reconhecida após o transito em julgado de uma decisao ate entao havida como nao infringente do texto constitucional. Houve, assim, mudança de criterio na apreciação da constitucionalidade da norma aplicada, e, por conseguinte, creio que nao foi desarrazoada a aplicação da Sumula n° 343 à especie” (RTJ 101/207).

A coisa julgada constitui garantia fundamental, de natureza petrea (arts. 5° , XXXVI e 60, III, § 4°, IV). O STF e o guardiao precípuo da CF – art. 102 -. Dessarte, tendo sua jurisprudencia sido divergente, em certa fase, sobre determinada materia de índole constitucional, quanta a compatibilidade ou nao de certa lei em face do texto magno, ainda que a mesma venha a se consolidar em sentido oposto ao da decisao rescindenda, dever-se-ia observar, no que tange ao cabimento da lide rescisória, tal recomendação sumular, levando-se em conta, ainda, que a Constituição e, tambem, uma lei, embora fundamental, basica e, no caso da nossa, de 88, com inumeras normas que tem aquele conteudo apenas formal, pois, materialmente melhor se prestariam a disciplina por lei ordinaria, em regra.

A perspectiva de ampliação das rescisórias, com espeque no inciso V, do art. 485, e grande e ja vem ocorrendo, uma vez afastados os óbices das sumulas, quando envolver materia constitucional, especialmente na seara do direito publico (Tributario, Administrativo, etc.), ramos nos quais tem sido comuns as declarações, pelo STF, de inconstitucionalidade de leis ou mesmo o oposto, cujas normas, muitas vezes, ja foram concretizadas, definitivamente, em varios feitos, estando as decisões acobertadas pela coisa julgada, sobrevindo o aforamento das rescisórias.

Varios fatores – estabilidade e paz social, agilidade do judiciario, resguardo da coisa julgada como principio, etc. – estao a recomendar que o tema seja alvo de muita reflexão, evitando­se a banalização, diriamos, da rescisória, que tem, por natureza, restrito campo de incidencia, o qual corre o risco de desmedido alargamento, se nao houver cuidado no seu manejo, o que parece nao ser bom para o instituto e, consequentemente, para a sociedade.

Embora antigo, o tema nao perde a atualidade ante sua importancia, na pratica. Vale refletir, trazendo a lume lições, como fez, por exemplo, a Profª. ADA PELLEGRINI GRINOVER, em trabalho publicado na “Revista Dialética de Direito Tributario”, vol. 8