Edição 63
Ao usuário o que é do usuário.
5 de outubro de 2005
Luiz Walter Coelho Advogado do Consórcio Eadi Salvador
O governo Luiz Inácio Lula da Silva questiona a amplitude da competência regulatória das agências reguladoras. Em certos momentos parecem existir conflitos com o ministério interferindo em questões próprias das agências. O exemplo da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, Antaq, é emblemático. Em agosto, a Agência determinou o fim da cobrança, pelos operadores portuários, de adicional da tarifa de movimentação de contêineres, conhecida como THC2 (da terminologia inglesa Terminal Handling Charge) no Porto de Salvador, mas a medida não foi executada. Motivo: o Ministério dos Transportes é favorável à taxa.
Foi o que levou a Companhia Docas da Bahia, CODEBA, administradora do porto, a ignorar a determinação da Agência, que é conclusiva – a THC2 é uma taxa indevida e, portanto fere a ordem econômica – , não cabendo mais recursos.
Uma taxa fora do lugar.
O litígio envolvendo a cobrança abusiva da chamada THC2 data de 2002 e envolve, principalmente, o Tecon Salvador, do grupo Wilson, Sons. Para melhor entendimento, vale explicar que por THC2 se convencionou chamar uma taxa cobrada do usuário para movimentar a carga desembarcada do navio até o portão do terminal. Isso ocorre sempre que o dono da carga não quer armazená-la no próprio Tecon, preferindo empresas de armazenagem alfandegada concorrentes.
Existe, portanto, a THC normal, atualmente no valor de R$213 por contêiner, e o adicional de R$213,00, apelidado de THC2, que onera em dobro o proprietário da carga. O fato que a Antaq observou é que a taxa não tem razão de existir, pois excede o valor máximo estabelecido no contrato de arrendamento entre o operador portuário e a Codeba. Em outras palavras, o valor contratual já contempla a tarifa de movimentação da carga no terminal. No decorrer do processo, houve amplo direito de defesa.
Em paralelo, o CADE julgou a cobrança da THC2 infração à ordem econômica, o que aconteceu em processo administrativo relativo ao Porto de Santos. A decisão do CADE não pode ser revista no âmbito da administração pública, o que veio a reforçar a visão da ANTAQ, no caso da Bahia.
Crônica de uma grave omissão.
Historicamente, os usuários reclamam da cobrança da THC2 desde maio de 2002, quando o Governo do Estado da Bahia encaminhou representação à ANTAQ solicitando o exame da matéria pelo órgão regulatório. No ano seguinte, em julho, a Antaq concluiu pela ilegalidade da taxa, uma vez que seus custos já estavam cobertos pelas tarifas previstas no contrato de arrendamento. O Tecon Salvador renovou sucessivos e sucessivos recursos.
Em setembro, o Cade divulgaria Nota Técnica concluindo que a conduta da Tecon Salvador era discriminatória e sugeriu a instauração de processo administrativo. Em 2004, nova vitória dos usuários. No mês de dezembro, decisão do Tribunal de Contas da União, concluiu que a Antaq deve “deliberar em definitivo sobre a legalidade da cobrança da taxa de serviço de entrega e movimentação de contêineres a outros recintos alfandegados, denominada Terminal Handling Charge”. Ficou decidido que caso fosse confirmada a improbidade da chamada THC2, a Codeba, no exercício de poder concedente e fiscalizador do Contrato de Arrendamento, viesse a exigir “a suspensão imediata da sua cobrança, sob pena das sanções contratuais e legais cabíveis”.
A ANTAQ confirmou a ilegalidade da cobrança. Em 30 de agosto deste ano, em sua 149a. Reunião Ordinária, a Diretoria Colegiada da Antaq rejeitou o último dos recursos e encerrou o processo. Encaminhou ofício à Companhia Docas do Estado da Bahia- Codeba, determinando “a adoção de providências para a imediata suspensão da cobrança por parte dos operadores portuários da taxa de segregação ou separação, liberação ou entrega de contêineres ou de qualquer outra a esse mesmo título, ao proceder a entrega das cargas destinadas à armazenagem em recinto alfandegado”.
A Codeba teima em permanecer na imobilidade, informando orientação do Ministério dos Transportes. Pratica omissão grave no exercício da competência de autoridade portuária. As companhias docas têm a obrigação de agir com presteza nos assuntos que envolvem a proteção ao usuário. O Ministério dos Transportes joga em sintonia com os interesses do arrendatário e subjuga a ação legal da sua controlada. O que está em jogo é o fortalecimento ou não do sistema de regulação.
Uma nova visão.
As agências reguladoras são órgãos técnicos. Atuam em sintonia com as visões construídas pelo órgão de proteção à concorrência e o Tribunal de Contas da União. Formam um sistema. Os processos administrativos são demorados, mas ricos de conteúdo. As decisões administrativas constituem atos que gozam de presunção de legalidade e devem ser cumpridas, salvo decisão judicial em contrário. De certa forma, é mérito administrativo. O Ministério dos Transportes parece que não está muito preocupado com esses aspectos.