Aposentadoria na magistratura, um novo olhar

12 de julho de 2023

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Estamos vivendo mais tempo, graças aos avanços do conhecimento científico, da medicina preventiva e das condições sanitárias em geral. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o número de pessoas acima de 65 anos, em 2050, será o dobro do atual, superando o de jovens com idade entre 15 e 24 anos.

O ritmo do envelhecimento populacional impacta todo o tecido social com demandas não só no sistema de saúde, mas também no mercado de trabalho, na educação e nos serviços, impondo novas práticas em nível mundial.

A velhice deixa de ser considerada etapa final da vida para ser ressignificada. A experiência do envelhecimento pode e deve ser vivida de forma positiva, ativa e saudável. Fala-se, hoje, em envelhecimento ativo, um conceito que supera a visão deste ciclo como fase passiva da existência, caracterizada pela necessidade de assistência e discriminação pelo etarismo.

Com esta perspectiva, cuidados e propósitos frente à transição demográfica constam dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) previstos na Agenda 2030 da ONU, nos seguintes termos: “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades” (Objetivo no 3).

Para alcançar e apoiar ações de construção de uma sociedade para todas as idades, a Assembleia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 2020, proclamou 2021-2030 como a Década das Nações Unidas para o Envelhecimento Saudável (Resolução no 75/131). Na base desta proclamação, entre outras razões, está o reconhecimento da imprescindibilidade da contribuição das pessoas mais velhas ao funcionamento das sociedades e à implementação da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

O anúncio da Década marca a importância do trabalho conjunto no sistema das Nações Unidas, de governos, da sociedade civil, do setor privado e da academia para assegurar qualidade de vida na longevidade. De acordo com a líder da equipe de Mudança Demográfica e Envelhecimento Saudável da Organização Mundial da Saúde, Alana Officer, este anúncio representa avanço e desafio, ao mesmo tempo em que é o culminar de muitos anos de colaboração com parceiros em todo o mundo.

Neste relevante contexto, é inadiável um novo olhar para o envelhecimento e aposentadoria na magistratura.

O Poder Judiciário no Brasil engloba cerca de 20 mil magistrados(as). Tradicionalmente, o ingresso na carreira representa uma escolha que é sustentada ao longo da vida produtiva de seus integrantes. A maioria alcança a terceira idade exercendo o ofício judicante e considerando a magistratura a sua mais marcante experiência na vida laboral. A despeito disto, a aposentadoria entre nós não tem merecido, até aqui, a atenção e o tratamento devidos.

Impõem-se, assim, urgentemente, reflexões e propostas para uma política de preparação e de valorização e inclusão dos magistrados aposentados.

Nos termos do artigo 40, II, da Constituição Federal, a aposentadoria é compulsória quando atingida a idade de 75 anos. Já a voluntária poderá ocorrer antes, desde que atendidos os requisitos legais. Mesmo na idade limite de 75 anos, é correto supor que o juiz a ser aposentado esteja com plena capacidade intelectual e produtiva. Muitos sofrem pela chegada deste marco limitador, pois se sentem em condições de prosseguir atuando. De outra parte, todos os conhecimentos e pesquisas acumulados no campo da medicina, da psiquiatria e das neurociências apontam o exercício das capacidades mentais como elemento essencial ao bem-estar no envelhecimento.

No nosso País, todavia, o Poder Judiciário está muito aquém das diretrizes para promoção do envelhecimento saudável, quer no que diz respeito ao acolhimento dos dilemas emergentes da decisão de aposentar, quer no que se refere às alternativas para a continuidade de participação dos magistrados aposentados. Há, no entanto, muito a oferecer. Estimular a aposentadoria sustentável e ativa traz consequências positivas não somente à instituição pública, mas para toda a sociedade. Assim, dois pilares fundamentais devem sustentar a construção de uma política institucional: o processo de preparação e a valorização e inclusão do magistrado aposentado.

A aposentadoria na magistratura contém extraordinário desafio. Com seu advento, encerra-se longo ciclo e uma atividade intensa, de relevante significado social, evanesce. Assim, é necessário que os magistrados e magistradas sejam preparados para este momento e possam vislumbrar outros e novos caminhos. A transição pode ser facilitada com adequado tratamento no contexto institucional. Um programa de caráter multidisciplinar, integrando conhecimentos médicos, psicológicos, sociológicos, econômicos e legais ensejará reflexão, amadurecimento e planejamento em relação ao futuro. Temas como ciclos vitais, significado do trabalho, planejamento financeiro, desenvolvimento de habilidades e cuidados com a saúde devem ser considerados para promover a conscientização do magistrado quanto às inevitáveis mudanças que enfrentará, bem como para subsidiar as escolhas para o novo tempo.

De outra parte, é manifestação recorrente entre os aposentados o esquecimento que lhes destina a instituição para qual dedicaram tantos anos. Sentem que ainda podem e querem participar, em alguma medida, da missão do Judiciário.

Com efeito, os membros do Poder Judiciário muito têm a contribuir após o ato de aposentadoria. Ao longo da caminhada, além de exercerem a função jurisdicional, muitos desempenharam funções administrativas nos tribunais ou na primeira instância, revelando e desenvolvendo outras competências. A experiência acumulada é notável, verdadeiro patrimônio imaterial, a ser vertido à instituição de origem e, consequentemente, para a sociedade. Basta lembrar a formidável contribuição que podem dar aos sistemas de conciliação, à justiça restaurativa, aos comitês, grupos de trabalho e comissões, para os quais o recrutamento de membros da ativa encontra restrições em função da alta demanda de trabalho a que estão submetidos. Além disso, a função de mentor de juiz vitaliciando, a ser instituída. Este prolongamento de atividades, perfeitamente viável e desejável, está afinado com excelência pelo conceito de envelhecimento saudável, propósito a que estamos comprometidos pela Agenda 2030 da ONU. Ademais disso, a presença ativa dos mais velhos possibilita a formação de vínculos e intercâmbios entre gerações, fator de enriquecimento nas práticas e na cultura institucional.

A aposentadoria não deve ser entendida como o ponto final de atuação na instituição. Estimular e possibilitar a continuidade de participação dos juízes, ainda quando aposentados, representará marco evolutivo de grande significado, não só no que diz respeito à trajetória de vida das pessoas envolvidas, mas, igualmente, aos reflexos no tecido social. Dará, ainda, o alcance devido à prerrogativa da vitaliciedade inerente à magistratura.

Esta visão foi compartilhada com o Conselho Nacional de Justiça, órgão de governança e gestão do Poder Judiciário em todo território nacional, nos termos do artigo 103-B da Constituição Federal, tendo recebido relevante encaminhamento. Sensível à importância da matéria, a Ministra Presidente, Rosa Maria Weber, instituiu grupo de trabalho, sob a coordenação do Ministro Conselheiro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, destinado à proposição de medidas de preparação à aposentadoria, bem como de inclusão e valorização dos magistrados aposentados (Portaria no 88 de 03/04/2023, DJe/CNJ no 72/2023, de 13 de abril de 2023).

Ao tempo em que se redige este texto, o referido grupo de trabalho, que honrosamente integramos, encontra-se em fase de elaboração de propostas. Oxalá nossa missão seja desempenhada proficientemente com o aporte de subsídios ao Conselho Nacional de Justiça para que a aposentadoria, bem como o papel dos magistrados brasileiros aposentados sejam submetidos a uma inédita e impostergável política institucional harmonizada com a promoção e valorização do potencial humano em todas as idades, de resto indispensável ao desenvolvimento social sustentável.