As prerrogativas da advocacia trabalhadora

3 de maio de 2022

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Advogadas e advogados, como integrantes de quaisquer outras categorias, têm direitos e deveres inerentes ao exercício profissional – prerrogativas que, no caso da advocacia, existem, primordialmente, para assegurar que os representados se postem perante o Estado em condições de igualdade, com acesso à ampla defesa e ao contraditório, indispensáveis ao devido processo legal. As prerrogativas resguardam, portanto, não a pessoa do advogado, mas a sua função na sociedade, que serve à concretização dos propósitos basilares do Estado de Direito.

Maio é o período propício para abordarmos o problema do trabalhador advogado. Em pleno 2022 ainda são correntes no Brasil violações de prerrogativas: casos que vão desde a restrição ao direito à sustentação oral até violências físicas propriamente ditas, perpetradas, inclusive, por autoridades públicas. É parte do nosso trabalho zelar pelos fundamentos que salvaguardam o escorreito desempenho do direito de defesa, sobretudo em situações de risco.

Com pesar, relembremos a história do colega Roberto Luís Caldart, que, em função da lida cotidiana, foi assassinado em Palhoça, na Grande Florianópolis – episódio que completará seis anos no dia 24 de maio e já resultou na condenação dos envolvidos. Podemos mencionar, também, a advogada Nayara Gilda Gomes, baleada por um cliente em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, no início de 2022: ela sobreviveu, apesar dos quatro tiros.

Outro advogado brutalmente espancado em serviço foi Orcélio Ferreira Silvério Júnior, de Goiânia, que, depois de algemado, levou tapas e socos e teve o pescoço pressionado contra o chão. O policial envolvido foi preso pouco depois – graças a esta que é uma parte essencial da atribuição institucional da OAB: trabalhar ativamente em casos de ofensa e transgressão, cuidando para que semelhantes tragédias não voltem a se repetir.

Enquanto advogados forem agredidos, moral e fisicamente, em decorrência do desempenho do ofício, a população brasileira se encontrará desamparada. Apenas profissionais livres e seguros podem executar, com eficácia, a assistência dos que estão às voltas com os tribunais, seja no polo ativo, seja no polo passivo das ações judiciais. A advocacia carece de independência para executar o seu papel constitucional – nada menos do que isso. 

Um dos objetivos precípuos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é a proteção da Constituição Federal (CF) e das prerrogativas da advocacia, em favor da democracia e da coletividade. Em respeito ao trabalho dos advogados, a Ordem não se deixa instrumentalizar, nem tem compromisso com ideologias ou partidos. Participamos de fatos históricos da vida nacional, mantendo a altivez e a relevância de nossa profissão. Atuamos contra injustiças e ilegalidades, compromissados apenas com a Carta Magna, o advogado e o cidadão.

Para se dimensionar a grandeza da nossa missão, somos uma das poucas classes profissionais mencionadas pela Constituição. O inciso 63 do art. 5o, que elenca as garantias fundamentais, estabelece, por exemplo, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Tal dispositivo exemplifica, com clareza, a imprescindibilidade da advocacia para a cidadania.

Já o art. 133 da CF pontifica que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Essa vinculação se mantém no arcabouço infraconstitucional, a começar pela Lei no 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da OAB. Não há ali qualquer prerrogativa que não tenha, como pano de fundo, a supremacia dos interesses dos cidadãos.

Com o mesmo espírito, a Lei no 13.869/2019, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade, tornou crime violações a prerrogativas dos advogados – conduta que visa, na realidade, preservar o devido processo legal e o direito que todos têm à defesa, independentemente da culpa que venha a ser assentada em juízo. 

Que a simbologia deste Mês do Trabalhador, aliada à memória de Roberto Caldart, guerreiro martirizado no campo de batalha, nos inspire a não abdicarmos de nenhuma garantia, a não esmorecermos diante do arbítrio, a não silenciarmos frente aos abusos. Guardiãs de Nayaras e Orcélios, as prerrogativas da advocacia constituem um pilar do regime democrático – e recuos abrem espaços para o autoritarismo. Sigamos fortes e resilientes.