Barbosa Lima Sobrinho – Um homem símbolo da cidadania

5 de fevereiro de 2000

Ministro aposentado do STF, membro da Academia Brasileira de Letras, presidente do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal

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De  Barbosa Lima Sobrinho se pode dizer que ele é hoje um homem símbolo no Brasil, por sua dignidade, por sua intrepidez, por sua cultura, por sua autonomia, por sua coerência. É uma figura emblemática, um padrão de honradez, escritor, decano da Academia Brasileira de Letras e do Pen Club, jurista eminente, jornalista que há 70 anos escreve no JORNAL DO BRASIL dos domingos, sempre familiarizado com os problemas da atualidade, presidente da Associação Brasileira de Imprensa, paladino defensor das riquezas nacionais, detentor da medalha Rui Barbosa, da Ordem dos Advogados do Brasil, e da Medalha Teixeira de Freitas,  do Instituto dos Advogados Brasileiros. Cidadão vigilante na defesa do interesse público e da moralidade na administração, foi, juntamente com Marcelo Lavenére Machado, autor do pedido de impeachment de Fernando Collor de Mello, presidente da República, por falta de decoro no exercício da função.

É um século de vida e uma unanimidade nacional. Ao admirar-lhe o estilo e as idéias, nas dezenas de livros que escreveu, ao absorver suas lições de patriotismo e sua clarividência, nos artigos semanais, ao aplaudir suas imprecações e sua indignação cívica contra uma política de alienação de bens e coisas da terra, que não se renovam, ao ouvir a clareza dos seus conselhos, o vigor e a energia de seu sincero nacionalismo, ao sentir a pureza de sentimentos que o inspira, vem à lembrança o clássico diálogo de Marco Tullio Cícero, intitulado Catão Maior ou da Velhice. O elogio da idade aí está quando se pergunta  “a que fim se disse tantas coisas e louvores a Quinto Fábio Máximo e se respondeu:  “Disse-o em verdade para que vísseis que seria mal dito se disséssemos tal velhice ser pesada, nem triste” , pelos seus feitos e triunfos nas guerras da terra e do mar… “Também a idade passada quieta, pura e virtuosamente, é alegre e doce”… Platão escrevendo e estudando sempre, morreu de 81 anos”… e Sócrates que de 94 anos escreveu um livro… e depois de o ter escrito viveu cinco anos; cujo mestre Leontino Gorgias viveu 107 anos e nunca deixou de ensinar e estudar,  qual perguntado para que queria viver tanto, respondeu: porque não tenho coisa nenhuma de que possa acusar a velhice. Gentil resposta e digna de um homem tão sabedor”… “Os grandes feitos não somente se fazem com a força e destreza do corpo, mas ainda com o conselho, a autoridade e o juízo, das quais coisas a velhice não tão somente nunca é privada, mas antes mui abundosamente acompanhada e ornada”.

Parece que o antigo livro, falando de Scipião, está se dirigindo ao nosso homenageado: “Como, e se este homem que já vivera 100 anos, tivera a velhice por má? Ou pesara-lhe com ela? Certo é que se não aproveitaria de correr ou saltar, ou de lançar longe uma lança, nem ferir com uma espada de perto, mas de conselho, razão e juízo, as quais coisas se não houvesse nos velhos não chamariam os nossos antepassados ao senado sumo e grande conselho”.

Objeta-se que nos velhos desfalece a memória. Responde o velho autor: “É verdade, se não a exercitarem ou se forem de natureza desmemoriada”.

Eis aí, estamos diante de um idoso cuja sabedoria se acumula a cada dia. A vida passada é uma sucessão de afazeres e glórias. Foi governador de seu estado  – Pernambuco –, foi deputado, é escritor e jornalista. Ninguém lhe aponta um senão, um deslize, uma transigência, uma fraqueza, uma acomodação, nos eminentes cargos que desempenhou ou nos princípios e convicções que norteiam a sua fé na democracia, a sua fidelidade na defesa do interesse público e a sua inquebrantável vigilância na preservação das riquezas nacionais, contra a cobiça dos vorazes interesses capitalistas. Procurador do então município do Rio de Janeiro, capital da República, travou luta judiciária intensa na causa famosa que ficou conhecida como  “a questão dos bens reversíveis da Light”.  Seus arrazoados revelam o jurista culto e ilustrado, assim como o advogado talentoso e brilhante, empenhado na proteção do erário.

Faceta de relevo da personalidade de Barbosa Lima Sobrinho é a do escritor, que publicou mais de 50 livros. Destaco o historiador quando escreve a história da Revolução de 1930, o ensaísta, na presença de Alberto Torres, no Problema da imprensa, o polemista, no Japão, a capital se faz em casa. O homem público não foi apenas governador de Pernambuco, ou no exercício de funções parlamentares, ou na direção do Instituto do Açúcar e do Álcool, mas tem sido sempre o mesmo  – modelar e exemplar – no curso da vida inteira como jornalista, como presidente da Associação Brasileira de Imprensa e como cidadão.

Outro traço particular desse cidadão insigne é o de seus conhecimentos jurídicos. Nem todos sabem que Barbosa Lima Sobrinho, logo que diplomado pela legendária Faculdade de Direito do Recife, pretendeu dedicar-se ao magistério e já se preparava para conquistar a cátedra, quando sofre grave decepção. Por injunções extra-universitárias, outro foi escolhido para ocupar a cadeira e reger a disciplina. Essa a razão de sua mudança para o Rio de Janeiro e sua dedicação ao jornalismo.

Apesar da desilusão sofrida, Barbosa Lima nunca abandonou os seus estudos e é autor de livros notáveis e numerosos, que estão anotados em sua rica bibliografia, como, por exemplo, o Regime dos Bens dos Súditos Inimigos, A Ilusão do Direito de Guerra, Questões de Direito Eleitoral, As Transformações de Compra e Venda, A Constitucionalidade do Imposto de Cessão, Sistemas Eleitorais e Partidos Políticos, Cuba e o dever do Brasil, A Autodeterminação e a Não-intervenção, A Nacionalidade da Pessoa Jurídica, Liberdade de Imprensa e Estado de Direito, Direito de Informação, A Imunidade de Deputado Estadual.

Nos grandes momentos de nossa evolução política, ei-lo pronto a se entregar à luta e ao sacrifício pessoal, em defesa do interesse público. No caso do impeachment  do então presidente Fernando Collor de Mello, esteve presente, nos instantes mais graves e importantes daquele processo, no Senado da República. A sua presença infundia respeito e os conselhos e observações de sua experiência eram um rumo seguro para os advogados enfrentarem e conseguirem desalojar da direção do país, com a ajuda do clamor do povo, um governante que se tornou indigno e sem decoro para o exercício do poder. Se vivesse na Grécia estaria retratado nas Vidas Paralelas, de Plutarco.

E continua na liça, defendendo a soberania nacional, inspirado nas lições nacionalistas de Alberto Torres, e lutando para o nosso povo alcançar as metas do Brasil e não as metas do FMI.