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Brasil amplia intercâmbio com Espanha em simpósio jurídico

20 de novembro de 2017

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No início de outubro, integrantes do Poder Judiciário brasileiro tiveram mais uma oportunidade de ampliar o intercâmbio com magistrados de outros países. Desta vez, a nação anfitriã foi a Espanha, que reuniu especialistas e operadores do Direito no IV Simpósio Internacional de Direito Consinter 2017, realizado nos dias 4, 5 e 6, na Universidade de Barcelona, com o tema “O Direito perante os desafios da globalização”.

A abertura do simpósio foi realizada pelo professor doutor Xavier Pons, decano da Faculdade de Direito e Catedrático em Direito Internacional Público, e pelo professor doutor David Vallespín, Catedrático de Direito Processual, que apresentou um histórico dos eventos e dos temas que foram abordados ao longo dos anos, além de Montserrat Figuera, magistrada da seção de Contencioso Administrativo do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha.

Com o início dos trabalhos, o primeiro a se pronunciar foi José María Asencio Gallego, juiz de primeira instância e doutor em Direito Processual, que foi seguido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Antonio Dias Toffoli, que fez um agradecimento em nome da delegação brasileira. “Nesses tempos de globalização, de toda essa transformação da democracia contemporânea, que é colocada diante das demandas sociais através das novas tecnologias, o direito e, em especial, a magistratura são chamados cada vez mais a decidir sobre questões que vão muito além dos casos individuais, intersubjetivos, entre duas partes litigantes. A magistratura hoje é chamada, no mundo ocidental, e no Brasil em particular, a decidir as grandes crises que o meio político não consegue resolver em razão de um déficit de legitimidade entre a sociedade e o sistema representativo”, declarou o ministro. Ele destacou que o intercâmbio internacional, como o que o simpósio promoveu, é extremamente importante para ampliar os horizontes e pensamentos na busca de soluções para os problemas comuns e também para promover esta interação entre o Poder Judiciário e a universidade.

A palestra magna foi proferida por David Valespin Pérez, que tratou do tema “A polêmica práxis judicial do divórcio contencioso”. Na sequência, teve início a mesa de debates com o tema “Proteção dos direitos e interesses coletivos e difusos – com especial referência à proteção do meio ambiente”. O primeiro a se apresentar foi o professor doutor Francisco Ortega Pérez, titular da cadeira de Direito Processual da Universidade de Barcelona, que falou sobre “A proteção processual dos interesses difusos e coletivos”. Na sequência, o doutor Luis Alonso, catedrático de Direito Financeiro e Tributário da Universidade de Barcelona falou sobre “As cláusulas do solo”; enquanto a doutora Montserrat Casanelles, professora titular da mesma cadeira e instituição, abordou a “Tributação da água”.

A participação brasileira se deu com a palestra do ministro Dias Toffoli, que falou sobre “Métodos alternativos de soluções de conflitos”. Ele começou abordando o crescente aumento da judicialização e, portanto,  a necessidade da utilização de meios diferenciados de resolução de conflitos, a fim de não sobrecarregar o Judiciário, alcançando-se a verdadeira pacificação social. “Nesta perspectiva, temos que fazer uma reflexão, porque, no caso brasileiro especificamente, as faculdades preparam seus alunos para o processo de litigioso e não ensinam a resolver os problemas. Apenas mais recentemente é que as escolas de Direito passaram a ter essa disciplina e a enfocar a necessidade de preparar seus alunos também a respeito dos meios alternativos de resolução de conflitos”. Dias Toffoli lembrou que o Brasil é um país muito grande, com mais de 200 milhões de habitantes, 26 estados e um Distrito Federal – portanto, com uma administração pública bastante complexa. “Tive a oportunidade de estar à frente da Advocacia Geral da União e lá me deparei exatamente com essa cultura do conflito”, comentou antes de revelar um pouco sobre como foram introduzidos os instrumentos da conciliação, mediação e arbitragem na administração pública.

“Em 2007, quando eu era advogado-geral da União, um levantamento feito revelou que, apenas no STF, havia cerca de 400 processos entre entes da União. Assim, criamos, na AGU, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal”, revelou, acrescentando que, já no primeiro ano, foi possível colocar fim à metade desses casos, sendo que muitos tramitavam havia vários anos. “Hoje, nosso grande desafio é conscientizar todos os envolvidos, capacitar operadores do direito a pensar as soluções através desses mecanismos alternativos de resolução dos conflitos em todo o território nacional”, concluiu.

Na sequência, o advogado Luiz Rodrigues Wambier, professor do Programa de Mestrado do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP) apresentou o painel “A proteção do meio ambiente, a ponderação de valores e o Código Florestal”. Ele começou mencionando as alterações climáticas e as consequências de geração desgovernada e inconsequente de resíduos. “Por isso mesmo é cada vez mais premente a necessidade da manutenção do meio ambiente equilibrado para esta e as futuras gerações. É por essa razão que me permito trazer para a discussão neste simpósio ideias sobre como o Direito pode tutelar estas questões e equilibrar dois aspectos aparentemente antagônicos, que seriam a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico”. Depois de citar algumas das principais convenções ambientais acordadas por diferentes países desde pelo menos a década de 1970, ele mencionou o novo Código Florestal Brasileiro, promulgado em 2012, em substituição à legislação de 1965.

Direito de família
Falando sobre o tema “Alguns aspectos do Direito de família na jurisprudência brasileira”, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão apresentou um panorama dos processos que tramitam hoje no Judiciário brasileiro. “Em 1988, ano de promulgação de nossa Constituição, havia 350 mil processos/ano para todos os segmentos de Justiça no Brasil. Em 2016, nós saltamos para 30 milhões de novas causas por ano, ou seja, temos uma média de 70% de taxa de congestionamento de processos”. Ao abordar o tema de seu painel, o ministro afirmou que no “caso específico do direito de família, este é  talvez um dos segmentos onde se percebe com muita nitidez a evolução advinda dos tribunais, notadamente do STJ, a partir da Constituição de 1988”.

Em seguida, o ministro Salomão destacou alguns temas centrais no direito de família. “A partir de 1988, nós introduzimos um novo parâmetro; a família foi constitucionalizada, passou a ter acento na Constituição. E, como disse o legislador, não se vislumbra mais a família apenas pelo ângulo do casamento como era da nossa tradição cristã. A Constituição rompeu com essa ideia e, depois, surgiram arranjos diferentes, como é o caso da união estável e até das uniões de pessoas do mesmo sexo”, comentou, falando também sobre as perspectivas atuais para adoção de crianças e outros tipos de uniões possíveis hoje, graças à jurisprudência construída pelo STJ.

Dando continuidade ao tema, a palestra do ministro João Otávio de Noronha, do STJ, versou sobre “Questões controvertidas do Direito de Família no Brasil”. Ele fez uma breve análise histórica para revelar os grandes avanços alcançados. “Essa evolução se deu às custas dos julgados nos tribunais, ou seja, a jurisprudência sempre esteve à frente do legislador. E assim tem de ser em matéria de Direito de Família. Nós não podemos deixar o jurisdicionado esperar a passo longo a modificação legislativa”, disse ao relatar alguns casos relevantes, como o de indenizações em situação de abandono de família.

“Até bem pouco tempo, a legislação brasileira tinha uma tendência altamente discriminatória contra a mulher. Basta lembrar que até 1932 a mulher não votava. Depois, até meados dos anos 1960, a mulher era tida como relativamente incapaz. Mesmo depois de algumas conquistas femininas, o legislador continuou discriminando a família não formal. Os filhos nascidos dessas relações eram tidos como espúrios e sequer num primeiro momento podiam ajuizar ação de investigação de paternidade”, declarou o ministro. “Com a Constituição de 1988 e o novo Código do Processo Civil desapareceu do direito brasileiro a discriminação de filho ilegítimo ou adulterino; filho é filho e todos têm o mesmo tratamento segundo a Constituição”, acrescentou. Ele lembrou, ainda, que o legislador deixou de lado a “hipocrisia legal para considerar as situações de fato, em si mesmo e pelas consequências sociais que delas são derivadas; houve uma valoração dessas relações, tendo em conta o princípio da dignidade humana.”

Direito Penal
A primeira palestra sobre o tema do Direito Penal foi apresentada por Jordi Nieva Fenoll, Catedrático de Direito Processual da Universidade de Barcelona, que falou sobre “A influência de ensaios paralelos e penalidades nos processos penais”. Em seguida, o professor doutor José Laurindo de Souza Netto, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, apresentou o painel “O crime organizado e o sistema carcerário brasileiro”. Ele começou tocando na questão do elevado número de mortes, com centenas de vítimas da violência promovida pelo crime organizado, comparando-a à principal tragédia do nosso século, a guerra da Síria. Depois de analisar o tema a partir de uma perspectiva histórica, o magistrado ressaltou as características que, até hoje, estão presentes na criminalidade organizada. “Vamos encontrar sempre elementos com uma carga de violência muito grande, a conexão com o poder público, a relação de submissão e vassalagem imposta à sociedade, a crise do Estado com a perda de sua soberania, a perda da capacidade de impor vontade em nome do bem, a incapacidade desse modelo administrativo solucionar os problemas individuais na sociedade, e, sobretudo, vamos encontrar na crise do direito, a perda da condição do Estado de Direito”, declarou.

A “Lei Anticorrupção Brasileira” foi o foco da apresentação do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ. Ele começou declarando que o tema é extremante relevante no Brasil do momento, pois suscita algumas questões interessantes. “Já tínhamos, no âmbito penal, legislações que preveem a punição tanto de quem corrompe, quanto de quem é corrompido. Mas não havia uma lei específica para a corrupção no âmbito administrativo”, explicou, mencionando a iniciativa histórica dos Estados Unidos para combater a ação de funcionários públicos que corromperam funcionários do Japão e da Itália. “Isso fez com que fosse criada uma lei de eficácia extraterritorial, punindo todos aqueles que corrompessem dentro ou fora dos Estados Unidos. Foi um marco importante no que se refere à tolerância mundial à corrupção. Mas não podemos esquecer que, até a década de 1990, países como a Alemanha, por exemplo, toleravam operações internacionais que envolviam o pagamento de propina, que era relacionada como ‘despesa operacional’”.

De acordo com o ministro, a lei brasileira, que entrou em vigor em 2013, praticamente forçou o País a adotar o sistema de combate à corrupção semelhante ao criado pelos Estados Unidos e que também é empregado por países da Europa – até por ser signatário de diferentes convenções internacionais neste sentido. “Os números brasileiros relativos à corrupção são alarmantes. Nos índices da transparência internacional, o País ocupa a 69a posição em uma lista de 175 nações. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo calcula que cerca de 2,5% do Produto Interno Bruto nacional sejam perdidos com corrupção. Isso obviamente tem impacto no índice de desenvolvimento humano e na eficiência geral das empresas. A discussão é tão importante que se cogita até categorizar o direito a uma sociedade sem corrupção como um direito humano. Claro que a corrupção não é, em si, uma violação de um direito fundamental, mas ela, indiretamente, acaba por contribuir com a violação de direitos fundamentais”, declarou, passando a elencar as principais inovações da Lei Anticorrupção Brasileira. “Em primeiro lugar, a responsabilização em nível administrativo das empresas, ou pessoas jurídicas em geral, pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira. Isso tem sido importante, graças às ramificações dos escândalos que comprovaram que a corrupção no Brasil, infelizmente, tem sido exportada para vários países da América Latina. A responsabilidade objetiva das empresas também é uma inovação importante, pois independe, portanto, de comprovação de culpa. Um terceiro ponto são as multas bastante elevadas, que podem chegar a 20% do faturamento. Outro é a adesão a alguns mecanismos importantes de governança corporativa, programas de conformidade de compras ou de integridade, que passam a ser um instrumento essencial para que a lei possa funcionar. E, ainda, outro elemento fundamental é adoção de acordo de leniência com possibilidade de redução de até dois terços das multas aplicadas à empresa.”

O tema abordado pelo ministro foi finalizado com a palestra de Joan Queralt, Catedrático de Direito Penal da Universidade de Barcelona, que falou sobre “Public compliance, boa governança e boa gestão”. O evento, que teve coordenação científica do professor David Vallespín Pérez, foi encerrado com o pronunciamento do professor doutor Antônio César Bochenek, Juiz Federal e diretor do Instituto Brasileiro de Administração da Justiça, que fez o agradecimento a todos os patrocinadores e participantes, anunciando o próximo simpósio, que será realizado em Madri, no outubro de 2018.

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ; Ministro Dias Toffoli, vice-presidente do STF; Ministro João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça; Prof. Dr. David Vallespín Pérez; Desembargador José Laurindo de Souza Netto, do TJPR; e o Juiz de Direito do TJSP Carlos Vieira von Adamek durante o I Encontro de Cortes Superiores Brasil – Catalunha

I Encontro de Cortes Superiores Brasil – Catalunha
Nos dias 4 e 5 de outubro, com o objetivo de fomentar a integração e a aproximação institucional das Cortes Superiores do Brasil com a Corte Superior de Justiça da Catalunha, o Instituto Justiça & Cidadania realizou, também na Catalunha, o I Encontro de Cortes Superiores Brasil – Catalunha, do qual fizeram parte, entre outros, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli; o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Gilmar Mendes; o Corregedor Nacional de Justiça e membro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro João Otávio de Noronha; e o Presidente do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TJSC), Juiz Jesús María Barrientos, além de diversos magistrados das cortes catalãs e brasileiras, acadêmicos, advogados e membros do Ministério Público. O encontro foi realizado com o apoio da Itaipu Binacional.