Catilinárias à brasileira

12 de maio de 2022

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No terrível ambiente político em que o Brasil está vivendo, onde ninguém é mais de ninguém (com um gueto extremamente raro de pessoas públicas que ainda se salvam), vê-se que temos de repensar o País de ponta a ponta. Que partido se salva? Quem se salva? Na maioria das vezes, a coisa pública é tratada de forma irresponsável, visando somente a si próprio, através de conchavos, parcerias, lobbies, negociatas, entre tantas outras formas de obter vantagem ilícita com aquilo que é do povo.

O jogo político no Brasil é pesado. Pessoas que hoje se odeiam amanhã se amam. Pessoas que hoje se amam amanhã se odeiam. O tapete é puxado em milésimos de segundos logo após o tapa nas costas. Temos visto que o descaramento de alguns agentes públicos foi tamanho que, mesmo condenados, continuaram a agir. E aqueles que se favoreceram por meio da compra de interesses ou de pessoas também não tinham pudor, nem medo da lei e da justiça. Impressionante. Mas, parece que estamos em novos tempos. Assisto a discursos inflamados no Congresso Nacional, seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado Federal. A cada discurso que ouço, não sei se começo a rir ou a chorar. Mas, em cada um deles, eu fico a pensar nas Catilinárias de Cicero (In Catilinam Orationes Quattuor), os quatro discursos proferidos por ele no Senado de Roma contra Lúcio Sérgio Catilina, desmascarando seu brutal plano de quedar a República e tomar o poder.

Leio e releio os belíssimos discursos do então cônsul Marco Túlio Cícero e penso como ele é atual. Vou além: O que Cícero diria ao Congresso Nacional da República Federativa do Brasil exatamente no dia de hoje? Creio que ele diria as mesmas palavras que foram ditas a Catilina. Adaptemos as palavras de Cícero, à brasileira: Até quando, políticos do Brasil, vocês abusarão da nossa paciência? Por quanto tempo a vossa loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitarem as tuas desenfreadas audácias? Nem a guarda das cidades, nem a ronda da Polícia Federal, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem esta Casa tão bem protegida para a reunião do Congresso, nem a expressão do voto dos brasileiros, nada disso conseguiu perturbar-vos? Não se dão conta de que os seus planos foram descobertos? Não veem que a suas conspirações têm já dominado todos que a conhecem? Quem, dentre nós, pensam vocês que ignoram o que fizeram na noite passada e na precedente, onde estiveram, com quem se encontraram, que decisão tomaram? Oh tempos, oh costumes!.

Cícero que me perdoe, mas acho que a adaptação é mais ou menos por aí. Para quem não sabe, Catilina, que se recusou a renunciar ao mandato de senador mesmo denunciado – olhem só a semelhança – é o pai dos políticos demagogos. Como parlamentar, fazia discursos inflamados em defesa do povo, mas pairavam sérias dúvidas sobre o seu caráter, sobretudo quando surgiram rumores de ter assassinado o próprio filho. Cheio de ambição e ganância, aliou-se à pior escória de Roma e tramou contra o seu povo e contra a democracia romana. Descoberto, usou dos mais baixos subterfúgios para tentar se defender – olhem só de novo! Sem sucesso. Alguma coincidência com o ambiente político atual do Brasil? Alguma coincidência com a estrutura e a formação de alguma maioria dos nossos eleitos? Todas e mais algumas.

Toda a história da crise provocada pela conspiração corrupta de Catilina e a intervenção inteligente de Cícero serviram de espelho à situação em nossa República brasileira. Talvez, por esta razão, uma das operações judiciárias desencadeadas para busca e apreensão de pessoas e documentos, envolvendo casa, escritórios e bens pessoais do então presidente da Câmara Eduardo Cunha, bem como de senadores e outros agentes públicos, tenha tido o nome de “Catilinárias”, operação deflagrada em 15 de dezembro de 2015.

Não está sendo fácil para o sofrido povo brasileiro passar por tudo isso. Assistir aos nossos eleitos sendo denunciados, sendo réus, alvos de sérias ilicitudes, delações, prisões. São sonhos de uma ideologia que caem por terra em fração de segundos (nas pessoas de bem). Sim, pois nas pessoas do mal, que mantêm o interesse político do próprio umbigo, isso não tem nenhuma importância. Votarão nos mesmos políticos de sempre. Não é uma seita ou uma facção, como muitos falam por aí. É falta de caráter e de moral mesmo. Para estes, o cômico é que as suas teorias não são as suas práticas e vice-versa. São os energúmenos da cidadania.

Após o quarto discurso de Cícero, Catilina e seus conspiradores foram condenados à morte, mas recusaram-se a se entregar e morreram no campo de batalha, na cidade de Pistóia, em janeiro de 62 a.C, inspirando uma frase do historiador e amigo do imperador Adriano, Públio Aneu Floro: “Bela morte, assim tivesse tombado pela Pátria”. Ah, a Pátria! Pátria amada, Brasil!