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CNJ faz história ao destinar 20% das vagas para negros em concursos do Judiciário

15 de julho de 2015

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O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no último dia 9 de junho, durante a sua 210a Sessão Ordinária, a criação de cotas de 20% para negros e pardos autodeclarados em concursos do Judiciário. A nova regra vale para cargos de servidores de todos os tribunais e também para todos os concursos da magistratura. A ideia surgiu por intermédio do Ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Conselho e do Supremo Tribunal Federal (STF), que já havia demonstrado interesse em inserir as cotas raciais no Judiciário um mês antes, durante palestra na Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo. Naquela ocasião, o presidente do STF declarou à imprensa que as cotas raciais nas universidades “foram um primeiro passo importante” e que deveriam ter continuidade “para conseguirmos a integração social, étnica e cultural no País”.

No decorrer da sessão no CNJ, Ricardo Lewandowski ressaltou recente pesquisa que mostrou que apenas 18% dos cargos mais importantes no Brasil são ocupados por negros. “Estamos diante de um momento importante, pois é a primeira vez que um dos poderes da República reservará uma cota para cidadãos oriundos de mais de 50% da população que não têm acesso aos cargos de poder no Brasil”, disse Lewandowski. “Estamos contribuindo para a pacificação neste País e, de certa forma, reparando um erro histórico em relação aos afrodescendentes”, concluiu.

O sistema se aplica para os servidores do CNJ, para os cincos Tribunais Regionais Federais do País, Tribunais do Trabalho, eleitorais, militares e também Tribunais Estaduais e do Distrito Federal. Como o STF não se submete ao CNJ, o Supremo não é obrigado a adotar a resolução. Além do STF, os demais tribunais superiores (STJ, TST e TSE) não farão parte da medida, pois as vagas de seus ministros não são preenchidas por concurso, mas por indicação da Presidência da República.

Judiciário mais plural e diverso

Nas palavras do relator da proposta, o conselheiro Paulo Teixeira, o Judiciário se tornará mais “plural e diverso” após a sua aprovação. “Isso é a recuperação da história e de conquista que se estabeleceu em razão de um regime em que os negros nunca tiveram acesso ao mínimo de educação e saúde, e hoje o País passa por uma política de valorização desses segmentos e de reconquista desse espaço na sociedade”, disse. O CNJ também decidiu que, de acordo com as peculiaridades regionais, cada tribunal terá autonomia para aumentar a reserva de vagas ou para criar políticas afirmativas complementares.

A medida considerada histórica pode ser justificada pelos números mais recentes divulgados pelo Censo do Judiciário, organizado pelo CNJ. Por esses dados, é possível constatar, por exemplo, a homogeneidade presente na magistratura, uma carreira predominantemente branca, 86,5%, enquanto negros representam menos de 2% dos magistrados. Outros dados do censo: dos 17 mil juízes em atividade hoje no Brasil, apenas 36% são mulheres. E 14% se declaram pardos, 1,4% negros e 0,1% se assume como indígena. Conclusão do estudo: o juiz brasileiro é um homem branco e heterossexual de 45 anos, casado e com filhos.

Vanguarda

Organizações como a Educafro, Conectas e JusDh comemoraram a decisão. Para Frei David, diretor da Educafro, “uma nação não se sente representada ao ver que o povo não ocupa cargos importantes.” E acrescentou. “É impossível o Brasil vencer com o negro excluído, na miséria. Por isso, essa resolução ajuda o País a crescer em todos os espaços de poder.” Para o coordenador do programa de Justiça da Conectas, Rafael Custódio, “o recrutamento precisa ser plural, garantindo a diversidade do horizonte social e interpretativo dos juízes”, afirmou. “Com as ações afirmativas, será possível romper com a atual homogeneidade do sistema de justiça.”

O secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Pereira de Souza Neto, também manifestou apoio à iniciativa do CNJ. “A sociedade tem imposto uma série de barreiras para as minorias que têm se superado com muito sacrifício. É importante que o Judiciário seja plural, formado por composições diversas que advém da sociedade, com fatos levados ao Judiciário por diversos setores”, disse o secretário.

A resolução do CNJ recebeu elogios ainda do representante do Ministério Público, subprocurador-geral da República Eugênio Aragão:

Me parece que a ação afirmativa não precisa de justificativa, é evidente que existe necessidade premente de criar mais acesso aos cargos públicos aos segmentos mais diversificados da sociedade. Por isso, entendo que o CNJ está de parabéns, é uma vanguarda das carreiras de Estado ao adotar medida dessa qualidade, que deve animar outras carreiras.

Vitória da cidadania

No entanto, segundo o conselheiro Fabiano Silveira – que havia pedido vista do processo –, atualmente vários são os tribunais que não conseguem preencher os seus postos para magistratura; assim sendo, a reserva de 20% das vagas para negros poderia vir a se tornar uma medida inócua. “A lógica que predomina é que há sobra de vagas. Faço ponderação para que a resolução pelo menos contemple a faculdade de o tribunal estabelecer um bônus de pontuação. Não estamos dizendo que deve adotar, mas que pode combinar reserva com bônus de acordo com suas experiências”, disse. As cortes poderiam então, com essa orientação, adotar outras medidas que não as cotas, como oferecer mais pontos a candidatos negros, ou cursos preparatórios para que os postulantes com tais características tenham chance maior nos concursos, diferenciando a nova regra da Lei de Cotas (10.558/2002). Após demonstrar prudência quanto ao resultado, Fabiano Silveira fez coro aos demais. “A data é histórica”, afirmou. “Ganha o país. Ganha o Poder Judiciário. Ganha a cidadania. É o reencontro com a nossa verdade multicultural e multiétnica”, comemorou o conselheiro.

Critérios

Para que possa ter direito a concorrer à vaga, o candidato (ou candidata) deve se autodeclarar, no ato da inscrição, “preto” ou “pardo”. Caso haja fraude durante o processo, o postulante ao cargo pode ser eliminado ou ter a nomeação anulada. A medida será aplicada em concursos que disponham de três vagas ou mais.

Os novos critérios de seleção são válidos até 9 de junho de 2024, quando se extingue a vigência da Lei no 12.990/2014, que determina o sistema de cotas no serviço público federal. O Conselho Nacional de Justiça deve fazer um novo censo do Judiciário em 2020, quando o percentual de 20% poderá então ser ou não revisto.