Conselho Nacional de Justiça e políticas judiciárias sobre igualdade racial no Brasil

4 de dezembro de 2020

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Com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o Brasil passou a contar com uma instituição responsável por liderar o processo de aperfeiçoamento do Poder Judiciário brasileiro, capacitando-o para as exigências de eficiência, transparência e responsabilidade que os novos tempos impõem.

Nesse contexto, foi criada a Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários (Ceajud/CNJ), que tenho a honra de presidir e que tem competência para, dentre outros, propor estudos que visem à democratização do acesso à Justiça e propor ações e projetos destinados ao combate da discriminação, do preconceito e de outras expressões da desigualdade de raça, gênero, condição física, orientação sexual, religiosa e de outros valores ou direitos protegidos ou que comprometamos ideais defendidos pela Constituição Federal de 1988.

Imperioso registrar que o CNJ, em seus 15 anos de história, vem, com afinco e determinação, trabalhando em pauta relativa à temática da diversidade. Deve-se ressaltar, nesta linha, a recente criação, pelo Ministro Luiz Fux, do Observatório de Direitos Humanos do CNJ, com o objetivo de debater amplamente toda a temática.

O  Conselho também prestigia o sadio debate e o colóquio especializado sobre conteúdos atinentes à discriminação social, racial e de gênero, a exemplo do Seminário “Questões Raciais e o Poder Judiciário” realizado nos dias 7 e 8 de julho de 2020, voltado a reflexões acerca do enfrentamento do racismo estrutural que se manifesta também institucionalmente no sistema de Justiça.

Com similar temática, foi realizado, no dia 30 de setembro de 2020, o Seminário “Democratizando o Acesso à Justiça”, que contou com a participação de, aproximadamente, duas mil pessoas. Teve por objetivo debater ações que visam à democratização do acesso à Justiça e projetos destinados ao combate da discriminação, do preconceito e de outras expressões da desigualdade de raça, gênero, condição física, orientação sexual, religiosa e de outros valores ou direitos protegidos ou que comprometam os ideais defendidos pela Carta da República.

Diante da necessidade de se institucionalizar a discussão sobre o racismo e de se formular estudos sobre a matéria, propondo ações concretas a serem desenvolvidas em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição,  foi instituído em julho deste ano, pelo Ministro Dias Toffoli, Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos e indicação de soluções com vistas à formulação de políticas judiciárias sobre a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário.

Para tal mister, fui destacada para coordenação do grupo, que contou com representantes do Conselho da Justiça Federal, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, além da Enajun, da AMB, da Anamatra e da Ajufe.

Visando a produção de diagnósticos sobre dados que conduzam o aperfeiçoamento dos marcos legais e institucionais sobre o tema, bem como a indicação de propostas de políticas públicas judiciárias que objetivem modernizar e dar maior efetividade à atuação do Poder Judiciário no enfrentamento do racismo estrutural, foram empreendidas as seguintes ações e propostas: realização de audiência pública para debater temas relacionados à igualdade racial no Poder Judiciário; realização de proposta de pesquisa para compreender de que forma o racismo se manifesta no âmbito do Poder Judiciário para, a partir da coleta de dados qualitativos e quantitativos, apresentar proposta de construção de projeto de curso a ser executado pelo Ceajud para formação na área de comunicação social; elaboração de parecer sobre as possíveis alterações da Resolução CNJ nº 75/2015, que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional; indicação de possíveis demandas, matérias e/ou processos a serem monitorados pelo Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, dado que o tema relacionado à igualdade e discriminação racial, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 10, da Agenda 2030, foi incluído para monitoramento por aquele Observatório Nacional.

A reunião pública foi realizada em 12 de agosto de 2020, com o intuito de debater temas relacionados à igualdade racial no Poder Judiciário. Para tanto, foi lançado o Edital de Convocação nº 001/2020, com o fim promover chamamento a segmentos representativos da sociedade e a especialistas na temática racial, interessados em participar daquela reunião. O Edital de Convocação também formulou convite a universidades, clínicas de direitos humanos, organizações não governamentais, associações profissionais, Defensorias Públicas, ao Ministério Público Federal e dos estados, à Ordem dos Advogados do Brasil, bem como a toda e qualquer pessoa interessada, para apresentação de propostas, com o intuito de subsidiar os estudos a serem desenvolvidos na temática proposta.

O evento contou com participação expressiva, ressaltando-se a diversidade de interessados, tais como acadêmicos estudiosos do tema, organizações da sociedade civil, magistrados, servidores, estudantes, bem como a presença significativa de ativistas e organizações da sociedade civil dedicadas à proteção dos direitos civis da população negra.

Foi ainda proposta a pesquisa  “Questões raciais no âmbito do Poder Judiciário”, cujo objetivo será compreender de que forma o racismo se manifesta no âmbito do Poder Judiciário para, a partir da coleta de dados qualitativos e quantitativos, propor políticas e ações que possam combater o racismo em sua forma estrutural e institucional, promovendo a igualdade racial em todas as instâncias do Poder Judiciário.

Foi também formulada  proposição relativa à construção de curso a ser executado pelo Ceajud/CNJ para formação sobre questões raciais destinado às Assessorias de Comunicação Social dos Tribunais.

A proposta tem como nascedouro evidências e sugestões obtidas na reunião pública a partir da perspectiva de que a área de Comunicação dos Tribunais exsurge como agente importante e estratégico para a desconstrução do cenário calcado em imagens sociais distorcidas e pré-concebidas que naturalizam a relação de dominação-subalternidade consolidada no decorrer dos tempos, a partir do uso de linguagens verbais e visuais maculadas por estereótipos e preconceitos característicos de uma perspectiva unidimensional.

Foi também identificada a necessidade de se aperfeiçoar dispositivos da Resolução CNJ 75/2009, a qual dispõe sobre concurso público para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional. Destacou-se a premência de se dar efetividade à Resolução CNJ 203/2015, a qual dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura. Seria o aprimoramento das regras para acesso às fases pelos candidatos, não apenas quanto à heteroidentificação, mas também viabilizando o acesso mais amplo ao certame.

Por fim, a proposta de monitoramento das questões raciais judicializadas, que decorre do fato do tema relacionado à igualdade e discriminação racial, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 10, da Agenda 2030, ter sido incluído para monitoramento pelo Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão.

Sugeriu-se  o monitoramento de: i) ações de grande repercussão, em especial os crimes dolosos contra a vida, considerando o alto índice de homicídios de pessoas negras no Brasil, além daquelas nas quais a questão racial seja uma das motivações para a ocorrência dos fatos objetos das demandas, tanto na esfera pública quanto privada; ii) ações de racismo, injúria racial, indenizações por danos morais e dispensa que tenham como fundamento a prática de atos racistas (em articulação com o DPJ, o qual só será possível com a criação de indicação nas tabelas de assuntos e inserção do dado cor/raça nos sistemas); iii) todas aquelas demandas que sejam objeto de reclamação perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e que tenham, ainda que de modo indireto, a motivação racial como uma das causas para que se esteja recorrendo ao Sistema; iv) ações que envolvam a discussão da implementação de políticas afirmativas; v) ações que envolvam a regularização das terras quilombolas; vi) ações que envolvam a saúde da população negra.

Assim, com o intuito de fomentar reflexões acerca do combate ao racismo estrutural que se manifesta no País e também no Sistema de Justiça é que o CNJ vem desenvolvendo ações, promovendo debates e projetos, como os aqui citados, com o objetivo de se trabalhar para promover a igualdade racial em nosso País.