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Constituição: Os próximos 30 anos

3 de janeiro de 2019

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Especialistas apontam necessidade de reformas, mas reconhecem que Constituição Cidadã de 1988 ainda é o esteio da democracia brasileira

A promulgação da Constituição de 1988 marcou o fim da ditadura civil-militar com a afirmação dos direitos individuais do cidadão e continua a ser, desde então, a principal garantia da democracia. Foi o que disseram acreditar os juristas reunidos no seminário “Constituição: os próximos 30 anos”, realizado no dia 14 de dezembro no auditório da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Organizado pela Firjan em parceria com a OAB, o evento promoveu um balanço das três décadas de vigência da Carta, com foco em desenvolvimento socioeconômico, segurança jurídica e exercício da cidadania.

O debate contou com a participação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro José Antonio Dias Toffoli, e dos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski; do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, e do ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva; do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte; do presidente do Tribunal Regional Federal da 2a Região, desembargador André Fontes; do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, do seu presidente eleito, Felipe Santa Cruz, e do presidente da Comissão Constitucional da Ordem, Marcus
Vinícius Furtado Coêlho; além de outros grandes nomes do Direito.

Na abertura, o presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, o presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, e o presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira

Na abertura, Lamachia lembrou a essencial participação da OAB na campanha Diretas Já, seguida da convocação da Assembleia Constituinte. “Hoje temos novos governantes eleitos democraticamente, nos termos da Constituição, bússola da nossa sociedade”, ponderou. O presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, concordou que a Constituição serviu de norte para a organização social do país, mas defendeu a necessidade de mudanças: “A reforma trabalhista foi uma grande conquista, mas precisamos urgentemente avançar nas reformas política, tributária e da Previdência. (…) São reformas que precisam ser realizadas com premência, devem estar na lista de prioridades não para os próximos 30 anos, mas para já”.

Participação política – O ministro Dias Toffoli saudou o fato do evento ter sido proposto pelo setor produtivo. “É preciso que tenhamos desenvolvimento econômico e esse tem que ser para todos”, pontuou. Para ele, as mudanças dos últimos 30 anos exigem adequações à nova realidade, conforme ficou demonstrado nas manifestações que tiveram início em junho de 2013 e levaram milhões de brasileiros às ruas. Dentre as questões de ordem mais urgentes na agenda nacional, ele apontou as reformas da Previdência e do sistema tributário, além de uma solução para a segurança pública.

Desenvolvimento econômico – A mesa seguinte debateu os efeitos da Constituição sobre os direitos sociais e o desenvolvimento econômico. Presidido pelo gerente trabalhista da Firjan, Victor Tainah, o painel contou com a participação dos ministros Agra Belmonte e Villas Bôas Cueva, além do consultor jurídico Pedro Capanema. A desigualdade e o déficit educacional, sobretudo no atual cenário de crise e aumento da automação, são questões que preocupam o ministro do TST.

Belmonte defendeu o ajuste dos direitos sociais às exigências do desenvolvimento para gerar oportunidades. Nesse sentido, elogiou a reforma trabalhista por ter flexibilizado as formas de contratação sem retirar direitos dos trabalhadores. Já Cueva aprofundou a discussão sobre como o ordenamento legal dialoga com o desenvolvimento. Segundo ele, a Constituição e outros elementos extra-constitucionais, como os acordos internacionais assinados pelo Brasil, criaram um quadro de normas que deve impedir que a harmonia entre direitos sociais e desenvolvimento seja quebrada por surpresas como, por exemplo, congelamentos ou confiscos.

Ministro do STF Luís Roberto Barroso

Novo patamar – O painel seguinte, presidido pela coordenadora tributária da Firjan, Priscila Sakalem, tratou dos impactos da Constituição sobre o sistema tributário. Participaram o professor de Direito Tributário da UFRJ Alexandre Maneira, a advogada tributarista Bianca Xavier e o ministro Noronha, que lamentou o fato dos constituintes não terem reformulado mais profundamente o pacto federativo. “A Constituição andou bem em distribuir a receita, mas andou mal em não distribuir as obrigações do Estado. O ente federativo central perdeu receita, mas não atribuição”, avaliou.

Na sequência, após receber a Medalha do Mérito Industrial, o ministro Barroso ressaltou a “mudança no patamar da ética pública e privada” na última quadra, além de defender a necessidade das reformas política e da Previdência. “Não estamos preparados para o que está acontecendo no mundo. Vivemos o impacto da revolução digital com a criação de conceitos que não existiam seis anos atrás”, alertou ao apontar a necessidade de evolução na ética e na educação nacional.

Segurança jurídica – Coordenado pelo presidente da Comissão de Relações Internacionais da
OAB-RJ, Bruno Barata, o painel seguinte tratou da reforma do Estado. Participaram os professores de Direito Administrativo da UERJ Alexandre Aragão e Gustavo Binenbojm, além do desembargador Fontes, para quem as reformas têm que começar pela redução do tamanho do Estado, incluindo a estrutura do Poder Judiciário. “Temos que começar pelo Judiciário, que é pesado e tem que ser diminuído com o aumento da arbitragem, da negociação e da mediação. (…) A palavra de ordem é diminuir o Estado, para o Estado deixar de ser um importunador”, disparou.

O último painel trouxe a discussão sobre a segurança jurídica e as garantias fundamentais, presidido pela gerente jurídica da Firjan, Flavia Ayd. Participaram os professores de Direito Constitucional da UERJ, Rodrigo Brandão, e da FGV, Gustavo Schmidt, além do advogado Marcus Vinícius Furtado Coêlho, que defendeu que assim como a Constituição diz expressamente que a lei não retroage para prejudicar a coisa julgada, as mudanças de interpretação não devem ser aplicadas ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. “Os tribunais poderiam modificar suas interpretações sem retroagir aos fatos passados, porque têm uma função pedagógica junto a sociedade. (…) Não retroagir o entendimento terá a ação de desestimular os litígios”, defendeu.

Na palestra de encerramento, o Ministro Ricardo Lewandowski discursa observado pelo presidente eleito do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz

O futuro da tripartição dos poderes – Na conferência final, o ministro Lewandowski comparou a Constituição a um avião em pleno voo: “É como se atravessasse uma turbulência. Os passageiros pensam que vai se despedaçar, mas ela passa incólume. A Constituição é um documento consistente, forte”. Lewandowski relacionou o momento atual à ‘poliarquia’, fase histórica logo após a queda do Império Romano. Para ele, vivemos momento semelhante, com disputas entre corporações de natureza burocrática, como os tribunais de contas, ministérios públicos, agências reguladoras, polícias e instituições fazendárias.

“Qual é a solução? O presidente Toffoli falou há pouco em valorizar a política. Para isso temos que valorizar os partidos políticos, que também são corporações, mas que nos dão opções para o futuro, das quais sentimos falta. São os partidos que formulam essas opções para a sociedade. (A resposta é) Valorizar o Congresso Nacional, o Poder Executivo, voltar à harmonia”, questionou e respondeu o magistrado.