Cooperação interjurisdicional

7 de novembro de 2023

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Há quase duas décadas o Judiciário tem processado e consolidado uma renovação na cultura institucional com impacto direto, e já muito expressivo, na maneira como esse poder constituído se relaciona com a sociedade. Essencialmente, um novo entendimento sobre o lugar central dos tribunais na marcha das transformações sociais é cada vez mais patente, o que reflete na formação de novos paradigmas de eficiência em gestão e serviços, de transparência institucional e, sobretudo, de qualidade, acessibilidade e inclusão na prestação jurisdicional.

O marco dessas reformas estruturais, promovidas em resposta a acerbas – e legítimas – críticas a um Judiciário anacronicamente encastelado e alheio às questões sociais e humanas, foi sem dúvida a criação do Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004.

A partir daí, foram corporificados os movimentos que buscam mudar a configuração dos tribunais como unidades insulares, em desafio a uma arraigada tradição de cultura institucional de isolamento. Ganha força um novo entendimento de que o Poder Judiciário é, afinal, uno em suas diferentes competências jurisdicionais.

Esses movimentos disruptivos encontram fundamento na imprescindibilidade da formação e do fortalecimento de redes de atuação interjurisdicional, voltadas para a disseminação de boas práticas, para a cooperação administrativa e judicial, sobretudo, em matérias cuja solução transcende os limites de competências das diferentes cortes da Justiça comum e especializada.

Foi desse espírito de cooperação que surgiu a ideia da criação de dois Fóruns Regionais: o FOJURJ, Fórum dos Tribunais do Estado do Rio de Janeiro, que congrega o Tribunal Regional Federal da 2a Região, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região e o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro; e o FOJURES, Fórum dos Tribunais do Estado do Espírito Santo, que reúne o Tribunal Regional Federal da 2a Região, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o Tribunal Regional do Trabalho da 17a Região e o Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo.

Para a efetivação dessa parceria institucional, que envolve cooperação em sede administrativa e sede jurisdicional com base nas diversas competências, os fóruns propõem a identificação dos desafios e das questões comuns aos Tribunais envolvidos, com a consequente instituição de grupos de trabalho específicos, compostos por magistrados e por servidores, com o propósito de mapear as ações individualmente desenvolvidas, visando ao compartilhamento e ao aprimoramento de programas, projetos e ações.

Até o momento, foram contemplados nessa iniciativa colaborativa a valorização, a recuperação e a preservação da memória institucional do Judiciário fluminense e capixaba; a inclusão digital, com a instalação de Pontos de Inclusão Digital (PID) em localidades de difícil acesso; o incremento do Projeto de Justiça Itinerante; o tratamento mais eficiente das execuções contra empresas e empresários em recuperação judicial; o  desenvolvimento de projeto de inovação e a formação de parceira entre as escolas judiciárias dos respectivos estados.

É inegável que o compartilhamento das boas práticas e o desenvolvimento de outros projetos visando à integração e ao fortalecimento dos órgãos do Poder Judiciário dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo resultará em uma prestação jurisdicional mais célere e com o melhor aproveitamento possível de recursos materiais e humanos.

Um bom exemplo da eficiência de tais parcerias é a questão relativa às execuções fiscais ajuizadas contra sociedades empresárias em recuperação judicial. O estreitamento da comunicação processual entre os diversos ramos da justiça permitirá, não só uma maior agilidade na localização de bens e na imposição de constrições ao devedor em recuperação judicial, como a efetivação de providências comuns dirigidas à recuperação e à preservação da empresa, além de constituir medida facilitadora do controle da habilitação dos créditos.

Outro tema relevante a ser tratado de forma cooperada é o que envolve as prestações de saúde, cuja competência varia entre a justiça estadual e a federal a depender do ente público demandado. Por tal motivo, é comum que duas demandas idênticas, mas contra réus diferentes, tramitem, concomitantemente, no Tribunal de Justiça e no Tribunal Regional Federal. A comunicação entre os tribunais é essencial, portanto, para evitar os prejuízos decorrentes da litispendência, bem como para que haja compartilhamento das conclusões acerca do fornecimento, ou não, de determinada tecnologia de saúde, evitando, por exemplo, que o Estado seja condenado a fornecer ao mesmo autor o medicamento que a Justiça Federal entendeu não ser devido.

Para confirmar a importância dessa iniciativa, basta observar as exitosas ações e atividades empreendidas há algum tempo entre os ramos do Poder Judiciário no curso do programa Pop Rua Jud, dedicado a garantir, de forma célere e simplificada, o acesso à justiça e contribuir para a promoção da cidadania e superação das barreiras econômicas. A esse respeito, os tribunais do Estado do Rio de Janeiro instituíram, em agosto de 2023, o Comitê Regional do Pop Rua Jud, multinível, multissetorial e interinstitucional, sendo relevante registrar que o último mutirão realizado, em setembro de 2023, foram atendidas mais de 1,5 mil pessoas em apenas nos dois primeiros dias.

Desse modo, a instituição dos fóruns estaduais é medida destinada a fomentar a cooperação judicial a fim de desburocratizar e de conferir maior agilidade à prestação jurisdicional. A ampliação dos instrumentos disponíveis a cada ramo do Poder Judiciário, através do compartilhamento de dados e da edição de atos conjuntos, reflete no incremento mútuo da gestão processual em benefício do jurisdicionado, agraciado com a observância, em grau mais elevado, do princípio da duração razoável do processo.