Crime e omissão diante do crime

5 de fevereiro de 2003

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Parece incrível que depois dos grandes escândalos de assalto aos dinheiros públicos – em um caso resultou no impeachment de um presidente da República -, continuem estourando bombas da corrupção de todos os tipos, a exemplo da última, que envolve funcionários do primeiro escalão do governo inconcluso de Anthony Garotinho.

Depois do episódio de PC Farias e dos anões do orçamento, este tipo de ação criminosa teria se tornado, pelo menos para observadores ingênuos da cena nacional, mais perigosa ou, no mínimo, menos segura. A certeza absoluta da impunidade deixaria de estimular a ação dos larápios dos recursos públicos. Ledo engano – a ambição e a cobiça falam mais alto e os desonestos continuam agindo, sem medo de punição.

Crimes de colarinho branco são passíveis de acontecer em todos os governos, alega o ex-governador do Estado. Neste ponto ele tem razão. O que não se entende é que a atividade criminosa continuada, durante pelo menos três anos, não tenha sido detectada por sistemas de controle do Governo.

Governar é, antes de tudo, zelar pela boa aplicação dos recursos que os pagadores de impostos entregam aos governantes. A fiscalização da honestidade no processo de arrecadação e a boa aplicação dos recursos arrecadados fazem parte do repertório do chefe do governo. Ele não pode simplesmente dizer que não sabia, ou não conhecia. No exercício do governo, omissão também é falta grave.

Para tentar entender este assunto que logo passará do noticiário político para o policial, sugiro algumas perguntas: perguntar não ofende.

Primeira: por que veio da Suíça, aquele país “acima de qualquer suspeita”, do livro de denúncias de Jean Ziegler, e não do Ministério Público estadual, a denúncia do depósito de 50 milhões de francos suíços (US$ 33,4 milhões) em contas de funcionários da Secretaria estadual da Fazenda do Rio de Janeiro? Afinal, o MP é pago para defender o cidadão, o contribuinte, o eleitor do Rio. E o que fez, até agora, neste caso? Lavou as mãos, como Pôncio Pilatos?

Segunda: que razões levaram a então governadora Benedita da Silva a extinguir a Inspetoria de Contribuintes de Grande Porte, subordinada à Secretaria da Fazenda? No governo de Garotinho o fiscal Silveirinha era subsecretário adjunto da Fazenda e chefe da Inspetoria, que controlava 75% da arrecadação do ICMS do estado. Benedita da Silva foi criticada quando extinguiu a referida Inspetoria, mas certamente tinha razões para agir como agiu. Que razões a impediram de ir mais fundo e descobrir a sujeira toda?

Terceira: e por falar em razões, que razões levaram a atual governadora a ressuscitar a famigerada Inspetoria de Contribuintes de Grande Porte e  garantir que durante seu governo ela não será extinta? Controlar a arrecadação de 75% do ICMS do Estado continuará sendo tarefa especial, atribuída apenas a um grupo de inspetores, os “happy few” do sistema de inspeção?

Quarta: se um mês antes das eleições do ano passado a opinião pública soubesse do escândalo – o depósito daquele monte de dinheiro, lavagem de grana suja em nome de funcionários nomeados para cargos de confiança do governo de Anthony Garotinho -, o resultado do pleito teria sido o mesmo?

Quinta: em que se baseia o ex-governador Anthony Garotinho para afirmar que seu governo nunca foi conivente com o crime e nunca “varreu sujeira para debaixo do tapete”? Afinal, que fez seu governo para evitar que mais de US$ 30 milhões fossem varridos para debaixo do tapete, isto é, para os bancos suícos? E que governador foi este, que confessa ter sido incapaz de reconhecer entre seus assessores diretos, pessoas de passado nebuloso?

Perguntar não ofende, mas todos nós, cidadãos do estado do Rio de Janeiro, nos sentimos ofendidos diante de mais um escândalo, mais um caso em que os recursos que deveriam entrar para os cofres públicos são desviados por corruptos.

Mais uma roubalheira que nos faz ter vergonha de viver num estado onde os governantes, no mínimo, mas no mínimo mesmo, nomeiam para cargos de confiança personagens ao lado dos quais os batedores de carteira parecem gente honesta. E depois dizem que não têm nada com isso.