Edição 13
Três desafios
5 de março de 2001
Almir Pazzianotto Pinto Presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Tres graves desafios estara enfrentando o Brasil neste novo século: manutenção da unidade territorial, crescimento populacional e mercado de trabalho. Ainda que aparente ser período dilatado, refratario a planejamento, 100 anos representam pouco mais do que um momento na vida de qualquer nação e breve trecho na acidentada história da humanidade.
O século anterior conheceu profundas transformações e tudo se passou com rapidez cinematografica. Para ficarmos na espera de fenomenos hoje triviais, lembram-se telefonia e telecomunicações, transportes viarios, rodoviarios e aereos, continentais e intercontinentais, televisao, plasticos, anestesicos, vacinas, antibióticos, todos recentes e vulgarizados nas ultimas decadas. Pertencem tambem a esse periodo duas guerras mundiais e varias outras localizadas, a energia atomica, a forga do operariado, a ascensao e o declinio das entidades sindicais, a multiplicação dos partidos politicos, as explorações espaciais, as organizaçoes nao governamentais e – aquele citado por Ortega Y Gasset como o mais signiticativo da vida contemporanea – a presença por toda parte de grandes massas humanas: a revolução das massas.
O nosso pais ingressou no seculo 20 dentro do regime republicano, tendo os limites externos definidos e estabilizados. Algumas disputas de fronteiras foram resolvidas pela ação de aventureiros, esparsos tiroteios, escaramugas, negociações e sobretudo arbitragens. Nesse mesmo seculo modificava-se a todo instante a geografia politica na Europa, Asia e Africa: paises surgindo e desaparecendo, alianças militares dando lugar a uniões e blocos de interesses econômicos superiores a valores nacionais.
A história vem revelando que em economia e politica nada ha de definitivo, ensinando-nos a tomar precauçoes contra pretensões de todos os tipos. A invejavel unidade política e territorial conquistada e preservada ha 500 anos pode ser eventualmente contestada em nome de alardeadas exigencias internacionais de preservação do meio ambiente, cabendonos antecipar medidas de defesa dos nossos mais cobiçados ecossistemas. Este e o primeiro grande desafio.
O segundo prende-se à questão populacional. Em 100 anos o Brasil observou despreocupado multiplicar-se por 10 o número de habitantes. Eramos 17 milhoes na passagem do seculo 19 para o seculo 20, com absoluto predominio da população rural. Em 1950 alcançamos a marca de 50 milhões. Ultrapassamos 170 milhões no inicio do seculo 21. Em hipótese alguma poderemos manter o mesmo ritmo de crescimento e a compactação demográfica nas capitais e grandes cidades.
De acordo com projeções realizadas pelo IBGE, em 2020 o numero de habitantes chegara a 208 milhões. Confirmando-se a tendência de crescimento, embora com taxa de natalidade levemente declinante, no ano 2050 seremos mais de 310 milhões, e no final do século aproximadamente 385 miIhões de brasileiros.
A pergunta que se faz é se, dentro do panorama econômico mundial extremamente competitivo e globalizado, o Brasil se livrara do subdesenvolvimento, conseguindo e sustentando taxas de evolução economica capazes de oferecer trabalho qualificado e renda a mais de 200 milhões de pessoas. Aqui se encontra o terceiro secular desafio.
Não obstante fantásticos resultados obtidos na pesquisa científica e em processos produtivos, o homem tem se revelado impotente para eliminar problemas de pobreza, especialmente em regiões como America Central, America do Sul, Àfrica, Asia, Índia. Pelo contrario. Entre 25 países relacionados como de economia de alta renda pelo Banco Mundial, nenhum há sul ou centro-americano e africano. Com população superior a 100 milhões de habitantes, apenas Estados Unidos e Japão, este ultimo com graves problemas de espaço. O Brasil e penúltimo colocado entre paises de rendimentos na faixa media alta, a Indonesia se coloca muito mal como pais de renda media baixa, a India ocupa pessimo lugar como pais de baixa renda, o mesmo ocorrendo com China e Paquistão.
O crescimento populacional acelerado e descontrolado nada tem de positivo, como demonstram todos os estudos de geografia humana. Compete aos futuros governantes nao incidir nos erros de antigos dirigentes que se omitiram ou abordaram o tema com a timidez da irresponsabilidade.
Na idade da tecnologia da informatica, quando todos procuram ganhar mercados externos racionalizando e intensificando a produção e reduzindo custos, nao vejo o Brasil conseguindo fazer com que a procura e a valorização da mao-de-obra cresçam na velocidade com que aumenta a população.
Alem desses três desafios – integridade territorial, crescimento populacional e mercado de trabalho -, outros assumem relevância praticamente identica e estão ligados à capacidade do Estado de alcançar sucesso nas tarefas típicas de governo: educação, saúde, segurança, transporte, meio ambiente.
Ao ingressar no seculo 21 o panorama em relação a qualquer deles não e animador, mas, de todo modo, aparentemente conseguiu-se aquilo que se presumia impossivel: restabelecer o regime democrático, controlar a inflação e imprimir estabilidade à moeda.
Resta confiar na competencia, obstinaçãao, sensibilidade e coragem dos próximos governos, sem o que as gerações vindouras, dos nossos netos, bisnetos e seus descententes, conhecerão dias muito, mas muito mais difíceis dos que os atuais.